Costa Silva quer mais Estado na economia. E vai buscar o filósofo Karl Polanyi

O homem que o Governo escolheu para desenhar o Plano de Recuperação quer mais ou menos Estado na Economia no imediato. António Costa Silva vai buscar a tese do filósofo austríaco Karl Polanyi.

Quando se soube que seria ele o responsável por desenhar o Plano de Recuperação Económica e Social para o pós-crise, António Costa Silva deu uma entrevista à RTP onde fez uma afirmação que fez correr muita tinta no debate político em Portugal, ao aconselhar “mais Estado na Economia”.

Na proposta do Plano de Recuperação Económica e Social que fez ao Governo, e a que o ECO teve acesso, Costa Silva clarifica a sua posição, recorrendo a filósofos e economistas como Karl Polanyi, Joseph Stiglitz ou Amartya Sem.

Afinal, devemos ter mais ou menos Estado na economia?

O texto começa com muito Estado e termina com elogios aos mercados, essas “máquinas de criação de riqueza”. Confuso? De forma resumida, a tese de Costa Silva é que sim, que devemos ter agora mais Estado na economia, mas quando se der a retoma, o Estado deve fazer marcha atrás. Vamos por partes

Na proposta que fez ao Governo, Costa Silva relembra dois momentos históricos que deram argumentos aos teóricos que estão dos dois lados da barrica:

  1. O “New Deal” do Presidente Roosevelt nos EUA e o papel do Estado e dos investimentos públicos para lidar com as consequências da Grande Depressão de 1929;
  2. Décadas depois, nos anos 80 e 90 do século passado, a revolução conservadora de Regan e Thatcher e a defesa do Estado e Governo mínimos, “com a exponenciação do papel dos mercados autorregulados”.

Costa Silva defende que a crise económica e financeira de 2007/8 mostrou limitações deste último modelo e, como tal, para a implementação do Plano de Recuperação da Economia defende um Estado “mais interventivo no investimento no SNS e nas infraestruturas físicas e digitais, mas também para acorrer à capitalização das empresas, ajudar no processo de reorientação das cadeias logísticas e de abastecimento, favorecendo a criação de condições para a reconversão das empresas e a reindustrialização do país”.

Mais Estado, senão teremos economia ‘zombie’ e um exército de desempregados

O presidente da petrolífera Partex vai buscar o livro do economista austríaco Karl Polanyi, publicado em 1944, onde este critica as deficiências dos mercados autorregulados. E recorda que Joseph Stiglitz, num prefácio ao livro, considera que parece que Polanyi está a falar diretamente dos problemas do nosso tempo, “porque ele demonstra claramente que os mercados autorregulados não funcionam bem, não geram por si só e automaticamente confiança, cooperação ou ação coletiva para o bem comum”.

Por isso é que Costa Silva reivindica para este novo ciclo económico em Portugal um papel mais interventivo do Estado na economia, “para impedir o colapso de empresas relevantes, para investir nos serviços públicos, para dar maior segurança ao mercado de trabalho e para promover uma melhor distribuição da riqueza e reduzir as desigualdades”.

António Costa Silva é o responsável pelo Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal para o período de 2020 a 2030.JOSÉ SENA GOULÃO / LUSA

Se este papel do Estado não for assumido, “teremos uma recessão muito mais prolongada, uma economia cada vez mais ‘zombie’ e em estado de coma, um exército crescente de desempregados e crescente instabilidade social”. A expressão “exército de desempregados” faz lembrar o conceito de “exército industrial de reserva“, do filósofo Karl Marx.

Aqui, o autor do Plano de Recuperação Económica e Social cita um outro Nobel, o economista Amartya Sem, para escrever que “o princípio estritamente restrito do comportamento por interesse pessoal na economia tem impedido a análise de outras perspetivas diferentes e mais significativas em temos de futuro”.

Depois da retoma, que regressem os mercados, essas “máquinas de criação de riqueza”

Desengane-se quem pense que António Costa Silva defende mais Estado na economia tout court, desvalorizando o papel dos mercados. No documento que entregou ao Governo, afirma também que “o papel do mercado é fulcral”.

E até deixa rasgados elogios aos mercados: “são máquinas de inovação, criação de riqueza e motores de prosperidade, mas eles não podem ficar entregues a si próprios porque por si só não asseguram o bem comum e amplificam as desigualdades. É preciso uma combinação virtuosa entre os mercados e o Estado para se salvaguardar o bem comum e para se corrigirem as deficiências e disfuncionalidades”.

É neste contexto que sugere um Pacto Estado/Empresas, que regule o papel de ambos, no âmbito deste Plano de Recuperação Económica. Dá o exemplo da resposta à atual crise sanitária, em que o Estado indicou o caminho, e as empresas reinventaram-se, produzindo “máscaras e equipamentos de saúde, recorrendo inclusive à impressão 3D”.

Quando a economia portuguesa for mais saudável e as empresas estiverem capitalizadas, “é importante o Estado ter uma estratégia de retirada, porque o seu papel não deve ser o de substituir-se às empresas, mas pelo contrário criar condições para elas poderem operar, crescer e competir”.

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