O Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas (PEVE)

  • Miguel Azevedo
  • 7 Outubro 2020

Teria sido preferível agilizar e flexibilizar o processo de insolvência e os processos de reestruturação existentes ao invés de criar um novo procedimento.

Com o objetivo de promover a recuperação de empresas viáveis afetadas pela crise económica resultante da situação de pandemia que vivemos, foi criado pelo Governo um mecanismo processual temporário, de natureza extraordinária, destinado exclusivamente a empresas que se encontrem em situação económica difícil ou de insolvência, iminente ou atual – o denominado Processo Extraordinário de Viabilização de Empresas ou PEVE.

O PEVE, caso venha a ser aprovado pela Assembleia da República, junta-se, assim, ao PER e ao RERE como mecanismo extraordinário de reestruturação de empresas em situação económica difícil ou em situação de insolvência.

O PEVE caracteriza-se, sobretudo, pela tramitação célere manifestada na supressão da fase da reclamação de créditos e na atribuição de prioridade na tramitação deste processo extraordinário sobre os demais processos judiciais também urgentes (processos de insolvência, PER e PEAP), mas, em boa verdade, não difere muito do PER na modalidade de homologação de acordo extrajudicial de recuperação do devedor.

Uma vez proposto o PEVE, o Tribunal procede à nomeação do Administrador Judicial Provisório (“AJP”) que fica incumbido de emitir parecer, no prazo de 15 dias, sobre a viabilidade do acordo alcançado entre devedor e seus credores. Após nomeação do AJP, o Tribunal publica no portal Citius a relação de credores apresentada pelo devedor e o acordo de viabilização alcançado, tendo os credores o prazo de 15 dias para impugnar a relação de credores e ou requerer a não homologação do acordo de viabilização.

Uma vez esgotados estes prazos, o Tribunal dispõe de 10 dias para decidir sobre as eventuais impugnações e homologar o acordo de viabilização se o mesmo (i) reunir a participação de credores titulares de créditos que representem as maiorias previstas para a aprovação do PER e (ii) perspetive, razoavelmente, a viabilidade da empresa.

A homologação do acordo de viabilização vincula não apenas os credores subscritores do acordo, mas igualmente todos os credores constantes da relação de credores, mesmo que não hajam participado na negociação extrajudicial.

O PEVE é, assim, um procedimento mais célere que o PER na modalidade de homologação de acordo extrajudicial de recuperação do devedor, em razão, sobretudo, da eliminação da fase de reclamação de créditos.

Este objetivo teria sido, no entanto, alcançado por via da alteração, temporária, do regime jurídico do PER ou do RERE, sem a necessidade de introdução de um novo procedimento de reestruturação de empresas no nosso ordenamento jurídico.

Dirão, contudo, alguns que a aplicação, ainda que temporária, do PER a empresas em situação de insolvência atual desvirtuaria a sua essência. Ainda que assim fosse, sempre se teria alcançado o resultado desejado por via da alteração mais ambiciosa ao regime do RERE, que quedou pela aplicação do seu regime a empresas que se encontrem em situação de insolvência atual.

Na verdade, teria sido possível, e preferível, alterar o regime do RERE no sentido de prever que se o acordo de viabilização fosse subscrito por credores que representassem as maiorias previstas no PER, ou a ele viessem posteriormente a aderir os credores suficientes para perfazer aquelas maiorias, poderia o devedor iniciar um PER com vista à homologação judicial do acordo de viabilização, com as alterações que o PEVE agora prevê, designadamente de eliminação da fase de reclamação de créditos e encurtamento generalizado dos prazos.

Numa palavra, teria sido preferível agilizar e flexibilizar o processo de insolvência e os processos de reestruturação existentes ao invés de criar um novo procedimento.

Ainda assim, é de saudar a medida prevista de proteção dos sócios e acionistas, ou quaisquer pessoas especialmente relacionadas com o devedor, que, no âmbito do processo extraordinário de viabilização, financiem a atividade da empresa disponibilizando-lhe capital para a sua viabilização, os quais passam a gozar de privilégio creditório mobiliário geral, graduado antes do privilégio creditório mobiliário geral concedido aos trabalhadores.

Poder-se-ia certamente ter ido mais longe na promoção do autofinanciamento das empresas em detrimento do seu heterofinanciamento, mas é, indiscutivelmente, um bom princípio.

  • Miguel Azevedo
  • Counsel da Garrigues de contencioso e arbitragem

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