Mitos e factos sobre a evolução do solar fotovoltaico em Portugal
Portugal mostra-se no panorama Europeu como um dos mercados mais promissores para o desenvolvimento da energia solar fotovoltaica.
Portugal mostra-se no panorama Europeu como um dos mercados mais promissores para o desenvolvimento da energia solar fotovoltaica, tanto pela localização geográfica privilegiada em termos de irradiação solar, como pela visão estratégica de desenvolvimento do setor renovável incluída no Plano Nacional de Energia e Clima para 2030 (PNEC 2030). Contudo, no fim de 2019, a potência solar fotovoltaica no País (cerca de 900 MW) correspondeu a uma pequena parcela do consumo de eletricidade nacional, de apenas 2,3%. Esta realidade coloca o holofote na tecnologia solar fotovoltaica, como a que maior potencial de desenvolvimento tem no País e cujo ponto de partida se encontra mais afastado do objetivo para 2030. Assim, torna-se crucial compreender as decisões até hoje tomadas, para avaliarmos crítica e estrategicamente o caminho que o país deve seguir.
Numa perspetiva histórica, a promoção da eletricidade renovável na Europa, e consequentemente em Portugal, inicia-se em 2001 com a publicação da primeira Diretiva Europeia relativa à promoção da eletricidade produzida a partir de fontes de energia renováveis (FER), que surgiu em resposta aos compromissos assumidos no Protocolo de Quioto e que veio pela primeira vez impor quotas específicas de incorporação de energia de origem renovável.
Nesta primeira fase, o compromisso europeu teria que passar pela criação de economias de escala para a integração de tecnologias para geração de eletricidade a partir de FER no mercado interno da eletricidade, abrindo a porta à aplicação de mecanismos que permitissem a prestação de apoio direto ou indireto aos produtores de eletricidade renovável. Este apoio é uma condição absolutamente necessária para as instituições financeiras e bancos, para que estes considerassem possível financiar estes projetos.
Posto isto, nos anos seguintes, são introduzidos por todos os Estados-Membros esquemas de suporte para promover a eletricidade renovável (RES-E), na sua maioria com base em tarifas fixas de remuneração para produção de eletricidade, conhecidas como “feed-in tariffs”.
Assim, para dar resposta ao novo contexto e estratégia europeia, Portugal revê o diploma existente que reconhecia já a figura de produtor independente de eletricidade, com regras aplicáveis às energias renováveis. Foram introduzidas novas tecnologias renováveis em desenvolvimento e expansão, a eólica e a solar, e estabelecidas, à semelhança dos restantes Estado-Membros, tarifas feed-in diferenciadas por tecnologia, tendo em consideração a disponibilidade de recurso endógeno, valor do investimento, custos dos equipamentos, custo da construção das centrais, custos de operação e manutenção, valorização ambiental, entre outros.
Apesar da política existente, Portugal chega a 2010 com apenas 134 MW de capacidade (potência instalada), isto porque a tecnologia solar era considerada pouco madura, com custos de produção (LCOE) elevados e com uma vertente mais direcionada para a instalação local e, como tal, pouco competitiva com o solar termoelétrico em expansão à data. Contudo, e ao contrário do que ocorreu em Portugal, observou-se uma forte proliferação de sistemas e da indústria fotovoltaica pela Europa atingindo em 2010 uma potência instalada de cerca de 30 GW.
Sob este pano de fundo, em 2010 Portugal tenta expandir o setor, lançando um leilão para atribuição de 150 MVA de capacidade de injeção na rede de centrais solar fotovoltaica convencionais e de concentração, bem como de solar termoelétrico, dando ao mesmo tempo resposta a problemas de indisponibilidade de rede que já se identificavam na altura. Este leilão baseava-se na licitação para lotes de capacidade (potência instalada) que eram atribuídos mediante a mais elevada contrapartida financeira oferecida ao Estado, aplicando-se o regime de tarifa feed-in em vigor, sem qualquer outra recompensa específica. No leilão participaram 17 empresas nacionais e estrangeiras, a sua grande maioria pequenas e médias empresas PMEs, tendo o Estado arrecadado mais de 100 milhões de euros em contrapartidas.
Contudo, por esta altura, Portugal encontrava-se numa profunda recessão económica fruto da crise financeira de 2008-2009. Neste novo contexto, em 2012, o regulamento de promoção de energias renováveis de larga escala em Portugal é revogado e é introduzido um novo enquadramento legislativo que vem estabelecer que a nova potência deveria entrar em regime geral (mercado) ou regime garantido atribuído mediante concurso. Contudo, em 7 anos, nenhum concurso foi realizado. Este cenário, sem quaisquer planos ou visibilidade de promoção do setor, levou a uma total estagnação do setor e mesmo à extinção de algumas empresas. Assim, em 10 anos (2006-2016), o setor solar fotovoltaico vê apenas a instalação de 600 MW de capacidade (potência instalada), a maioria distribuída por PMEs.
Apesar do pacote 20-20-20, que marcava o novo decénio de política de energia e clima para a Europa, também esta é profundamente abalada com a crise financeira das dívidas soberanas, e o investimento no setor solar sofre acentuadíssimas quebras, enquanto vê outros mercados a expandir e a assumir por completo o fabrico da tecnologia, com uma redução disruptiva do preço dos equipamentos (de cerca de 7€/Wp para 0,5€/Wp), tornando-se em apenas 10 anos a tecnologia de geração de eletricidade mais competitiva do mercado global.
Por outro lado, em consonância com a estratégia Europeia para harmonização e unificação do mercado interno de eletricidade da UE, o sistema elétrico sofreu uma profunda transformação, com a liberalização do setor elétrico e, em Portugal e Espanha, com a entrada em pleno funcionamento, em 2007, do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL). Em consequência, as tarifas feed-in começam a ser objeto de crítica, não apenas por serem um mecanismo paralelo ao mercado, mas também pelo valor da tarifa atribuída, definido numa altura em que havia falta de sensibilidade para interpretar o impacto das FER na redução do preço da eletricidade num mercado grossista desenhado para tecnologias com significativos custos variáveis (marginais) na produção de eletricidade. Não obstante as críticas, este mecanismo de apoio constituiu a base necessária para a Europa criar um portfolio invejável em termos de tecnologias renováveis.
Voltando ao solar, em 2017, a Europa começa a preparar o novo pacote de energia limpa para 2030, altura em que Portugal recupera a olhos vistos da crise, captando um crescente interesse por parte de investidores com particular expectativa no solar fotovoltaico. Com a disrupção tecnológica, os leilões passaram a virar prática comum em toda a Europa, e Portugal, dada a sua posição geográfica e recursos disponíveis, atraía diversos promotores interessados em desenvolver projetos. Porém, Portugal inicia 2019 sem enquadramento específico para a promoção das FER e sem definição de um calendário de leilões. Mesmo assim, com a eletricidade no mercado MIBEL a alcançar preços mais altos que no mercado central europeu, os projetos começam a ser rentáveis em mercado através de contratos de aquisição de energia a longo prazo (PPAs) e dá-se uma viragem no setor, com progressivos pedidos de licenciamento de projetos solares, reintroduzindo um antigo problema: a disponibilidade e capacidade da Rede Elétrica de Serviço Público (RESP), resultante da estagnação de novos investimentos para expansão da rede.
Em 2018, existia já na Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) um acumulado de cerca de 4 GW de pedidos de licenciamento de projetos solares fotovoltaicos “sem subsídios” ou sem tarifas feed-in. Destes projetos, cerca de 800 MW foram licenciados, e para os restantes dada a quantidade superar a capacidade de receção dos nós da RESP, o Governo decide realizar um sorteio para selecionar os pedidos de licenciamento nestas circunstâncias. Esta decisão de 2018 foi amplamente contestada, porque estava a ser atribuída potência ao acaso, num setor chave para a economia.
Em 2019 e já com uma primeira versão do PNEC 2030, com o Roteiro para a Neutralidade Carbónica para 2050, bem como com o pacote legislativo europeu, Portugal cria o enquadramento jurídico para a realização de leilões competitivos de atribuição de potência, deixando em aberto, a possibilidade de submissão de projetos via mercado. O leilão é identificado, pelo Governo, como sendo a melhor forma de dar resposta à elevada procura do mercado e para acelerar o investimento em nova potência, dando prioridade aos projetos que originassem um maior benefício para o Sistema Elétrico Nacional (SEN).
Foi nestes termos realizado o leilão de 2019, que confrontou Portugal com resultados históricos, que ultrapassaram as expectativas da maioria dos atores do setor. Apesar dos excelentes resultados, não deixa de ser importante refletir, mais uma vez, se o critério único de preço não deveria ser complementado com outros, como o de sustentabilidade ambiental, os de incorporação de valor local e nacional, que mais beneficiam transversalmente o SEN.
Nesta perspetiva, é expectável uma elevada procura no próximo leilão de agosto, mesmo considerando a situação de crise resultante da pandemia da COVID-19, uma vez que o sistema paralelo de atribuição de capacidade está “entupido” com mais de 400 solicitações à REN para análise de reforço de rede que, entretanto, atingiram os 85 GW. Não obstante, é imperativo que esta crise não leve os decisores políticos a incorrer em erros passados, como o de onerar inadequadamente o setor elétrico sem analisar todas as suas externalidades positivas. Devemos assim olhar o passado numa perspetiva evolutiva da tecnologia, das estratégias e políticas, porque tal pode ditar o sucesso de Portugal, numa fase imperativa para consolidação do setor.
O setor solar fotovoltaico precisa de uma estratégia coesa que ofereça uma transição energética justa para a sociedade com redução de custos, mas que promova também um setor gerador de cadeias de valor sustentáveis. Aliás, esta perspetiva é um dos principais focos da visão Europeia para a emergência climática e recuperação financeira, que pretende utilizar o Green Deal para transformação da economia e da sociedade para enfrentar os desafios climáticos, conservando e reforçando o capital natural da União Europeia, visando tornar a Europa líder mundial nos domínios da ação climática.
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