Porque fogem as empresas dos mercados bolsistas?
Os juros baixos, a liquidez dos fundos, a volatilidade dos mercados e a sustentabilidade tornam as bolsas demasiado caras.
Fechámos 2019 com um ímpeto homérico nos mercados bolsistas, deixando bem para trás os máximos históricos e fazendo esquecer completamente a crise da primeira década deste século com pico em 2007-2008. Se tomarmos como referência o final de 2011, ano em que, de alguma forma, todos os mercados bolsistas se alinharam numa trajetória ascendente, o grosso dos índices relevantes valorizou três e quatro vezes, superando em muito os máximos anteriores. É claro, nos pequenos mercados a coisa foi menos entusiasmante, ou mesmo deprimente como é o caso do PSI20 que valorizou tendencialmente zero, mas nestes casos temos de ponderar que algumas coisas se explicam pelo efeito isolado de certas empresas, de certas dinâmicas de gestores de mercados ou de certas tragédias políticas. Em geral entrámos em 2020, sempre a subir homericamente.
Mas quem vinha olhando para os fundamentais do contexto não encheu a taça toda, nem a levantou tão alto, ainda que nada soubesse na altura sobre a volatilidade que a epidemia iria imprimir aos mercados. Na realidade os números de 2019 eram preocupantes. As empresas de capital aberto que estavam a deixar a bolsa de valores para se tornarem privadas superavam as de 2018. No mercado londrino, por exemplo, saíram 28 cotadas. E ao mesmo tempo, apenas se candidataram a entrar 34, número que já não se via desde 2009, ano ainda terrível nos mercados. É claro que o Brexit pode ter tido alguma coisa a ver com o fenómeno, mas o Brexit não conseguia explicar a parte essencial da questão. A realidade é que os fundos privados estavam a comprar empresas listadas e a retirá-las de bolsa. Fenómeno semelhante também se verificou em muitas outras praças.
Já um ano antes, em Davos, o tema tinha merecido boa conversa. Fazendo o balanço do após crise 2007-2008, vinha-se notando uma desaceleração de novas entradas em bolsa. Em especial, deu-se conta de uma certa rarefação na entrada de empresas “pequenas”. E claro, a explicação encontrada, a primeira e a mais importante, foi a de que existia uma grande disponibilidade de capital pronto a investir nas empresas com forte potencial de crescimento. Esta liquidez nas mãos dos fundos estava a tomar conta da inovação e a assumir riscos a que não estivemos habituados durante muito tempo. Em especial, a opinião dominante era a de que a volatilidade dos mercados distorcia o verdadeiro valor das empresas e o retorno para o acionista. Era preferível investir evitando a volatilidade. Mas a história não é bem contada se não se incluir na análise a persistente baixa das taxas de juros que propicia fontes de financiamento francamente alternativas às das bolsas.
Porém, a segunda razão identificada atirou as culpas para a Sustentabilidade. Na linguagem técnica, os custos regulamentares que muitas empresas prefeririam evitar. Os custos da transparência, da compliance, da ética, da descarbonização, dos direitos humanos e de toda a agenda internacional. Agenda que questiona e escrutina. Agenda que exige e obriga. Agenda que condiciona os CEO’s e as administrações porque que lhes exige uma partilha pública e permanente sobre a estratégia e as decisões.
De alguma forma, a melhor maneira de percebermos isto é prestar atenção aos argumentos invocados por Patrick Drahi para “tentar tirar as suas joias da coroa dos holofotes das bolsas, evitando mercados voláteis e acionistas cada vez mais ativos”, na versão cáustica com que a Bloomberg deu a notícia. Explicou Drahi na sua comunicação sobre o fecho de capital da Altice que a iniciativa se dava pela “maior facilidade de implementação da sua estratégia, capacidade de alcançar uma estrutura de capital mais eficiente, redução dos custos do grupo”. Ou seja, retirar barreiras à decisão e facilitar a redução de custos.
Se olharmos para a OPA da Efanor sobre a Sonae Capital e a Sonae Indústria, que nos chegou sem explicação estratégica, talvez possamos aplicar o mesmo raciocínio. Hoje há fontes de financiamento disponíveis que têm custos e obrigações francamente inferiores aos que as sociedades abertas estão obrigadas.
É claro que no caso português qualquer saída de bolsa é um drama para a praça nacional. Cada vez mais insignificante por força de múltiplas circunstâncias, é talvez momento para se pensar em alterar o modelo político e institucional de organização das bolsas e acelerar o caminho para a desmaterialização. E, ao mesmo tempo, é necessário obrigar as empresas fechadas a serem mais transparentes. As duas coisas terão de acontecer. Caso contrário, a lei de Gresham entrará com toda a sua força.
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