Orçamento será aprovado com a margem mais curta desde o queijo Limiano

Com a abstenção do PCP e o voto contra do Bloco, o Orçamento para 2021 deverá passar com uma margem estreita de 3 votos. É a folga mais curta desde os últimos orçamentos de António Guterres.

Já quase todos os partidos anunciaram o sentido de voto para esta quarta-feira, altura em que o Orçamento do Estado para 2021 será votado na generalidade.

Contra a proposta do Orçamento vão votar o PSD (79 deputados), o CDS-PP (5), o Chega (1), o Iniciativa Liberal (1) e o Bloco de Esquerda (19), perfazendo um total de 105 deputados. A favor estarão naturalmente os 108 deputados socialistas. Do lado da abstenção deverão juntar-se ao PCP (10) os votos do PEV (2), que concorrem às eleições coligados (CDU) e votam sempre alinhados com os comunistas. O PAN (3) também vai abster-se, assim como as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.

OE = Orçamento do Estado. OS = Orçamento Suplementar.

Ou seja, será um Orçamento que vai ser viabilizado por uma margem mínima de 3 votos (108 a favor e 105 contra), um espelho de algumas fissuras na geringonça que na legislatura anterior votou sempre favoravelmente os orçamentos, à exceção do Orçamento Retificativo de 2015 por causa do Banif que passou graças à abstenção do PSD (ver tabela em baixo).

Na atual legislatura, no Orçamento para este ano, os parceiros do PS na geringonça abstiveram-se e no Orçamento Suplementar por causa da pandemia, o Bloco e o PAN abstiveram-se e o PCP e o PEV votaram contra na votação final global, depois da abstenção na votação na generalidade. Só que, quando os comunistas mudaram o sentido de voto entre as votações na generalidade e a votação final global, já sabiam de antemão que o PSD iria abster-se, o que garantiria automaticamente a viabilização do documento.

O OE2015 foi um Orçamento Retificativo por causa do resgate do Banif.

Neste orçamento que será votado na generalidade na quarta-feira, e caso os partidos não alterem o sentido de voto no dia 27 de novembro, a margem de aprovação (diferença entre os votos a favor e contra) deverá ser de apenas 3, o valor mais baixo desde os orçamentos de 2001 e 2002 de António Guterres (ver gráfico), que passaram por um único voto e ficaram conhecidos como os orçamentos do queijo Limiano.

Margem de votação dos orçamentos desde 1999 até 2021

Diferenças entre os votos a favor e votos contra, em cada um dos orçamentos. OE021 são dados previsíveis.

Os orçamentos do queijo limiano

Em fevereiro de 2000, um deputado do CDS tornou-se conhecido por uma greve de fome que fez em frente ao Parlamento (ver fotografia no final deste artigo) para que fosse devolvida ao seu município a marca do queijo Limiano. Meses depois viria a ser essencial na sobrevivência do Governo de António Guterres por mais dois anos. Daniel Campelo, deputado e presidente da câmara de Ponte de Lima, absteve-se no OE para 2001, viabilizando a proposta do Governo de António Guterres: 115 votos a favor do PS e 114 votos contra dos restantes grupos parlamentares, apenas um voto a mais.

A abstenção no apelidado “Orçamento do Queijo Limiano” foi “comprada” pelo Executivo socialista com uma série de projetos para o distrito de Viana do Castelo e para o concelho de Ponte de Lima: prolongamento do IC1 até Valença, ligações do IC28 à margem esquerda do Rio Lima e ainda uma via de ligação de Paredes de Coura à Auto-Estrada A3, de acordo com uma notícia do Jornal de Negócios desse ano. Além disso, houve obras mais pequenas que foram prometidas pelo Governo.

ROE = Orçamento do Estado Retificativo.

A abstenção repetiu-se em 2001 quando se discutiu o OE para 2002, tendo depois o Governo caído por decisão de Guterres que temia o “pântano político” após uma derrota pesada nas autárquicas. Daniel Campelo acabou por abandonar o CDS, tendo sido suspenso como militante durante três anos, apesar de mais tarde ter regressado e ter sido secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural no Governo PSD/CDS.

De Barroso às maiorias da troika

Depois do “pântano” chegou Durão Barroso que aprovou todos os seus orçamentos com uma folga de 8 votos. O PSD (105) e o CDS (14) governavam em coligação e tinham a maioria dos votos na Assembleia da República.

Depois de Barroso rumar à Comissão Europeia, Jorge Sampaio interrompeu o mandato de Santana Lopes e seguiu-se José Sócrates que conseguiu a primeira maioria absoluta dos socialistas. Passou quase todos os seus orçamentos com os votos favoráveis da maioria do PS (121) e os votos contra das restantes bancadas.

Depois das eleições de 2009, Sócrates passa a governar em minoria (com 97 deputados) e só consegue passar os orçamentos graças à negociação dos famosos PEC com os social-democratas que se abstêm e viabilizam os orçamentos de 2009 (o segundo Retificativo por causa da troika) e de 2010 e 2011.

O chumbo do PEC IV acabaria por precipitar eleições antecipadas e Pedro Passos Coelho chegaria ao poder coligado com o CDS, mas a troika e a recessão baralharam as contas dos social-democratas e dos centristas. Em quatro anos, Passos Coelho apresentou quatro orçamentos e oito retificativos.

Passos consegue passar os primeiros orçamentos com larga margem graças à abstenção dos socialistas liderados por António José Seguro, que só a partir do segundo Orçamento Retificativo de 2012 começam a votar contra os orçamentos de Passos Coelho, que passa a viabilizar as contas apenas com os votos do PSD (108 deputados) e do CDS-PP (24).

A seguir chega a geringonça que nos primeiros orçamentos consegue aprová-los com alguma margem de segurança, à exceção do de 2021 que deverá ser viabilizado por uma magra minoria de 3 votos.

O aviso de Marcelo

Perante as fissuras que começam a surgir na geringonça — PCP votou contra o Suplementar de 2020 e o Bloco vai votar contra o Orçamento de 2021 — Marcelo Rebelo de Sousa já veio dizer que é “legítimo” que um partido vote contra o OE, mas avisou que essa decisão “tem um preço elevado”.

“Em democracia há ciclos eleitorais, e ainda bem que há. Mas convinha que não se somassem miniciclos orçamentais de desfecho imponderável e imprevisível”, alertou o chefe de Estado no final de setembro num recado com um destinatário óbvio: a geringonça.

O então deputado do CDS/PP Daniel Campelo, em fevereiro de 2000, a receber “mantimentos” do povo de Ponte de Lima, para que continuasse a sua greve de fome até que fosse devolvida ao seu município a marca do queijo Limiano. ANDRE KOSTERS/LUSA

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