Lisboa em guerra com a UberEats

O presidente da Câmara de Lisboa prometeu criar uma concorrente das empresas da entrega de comida. É um passo arriscado, mas que deve ser saudado.

Fernando Medina abriu uma guerra com as plataformas de entrega de comida por causa das taxas cobradas aos restaurantes. Fez muito bem. Começou por prometer fazer queixa na Autoridade da Concorrência por cartelização dos serviços, queixa aliás semelhante a uma que procuradores americanos fizeram entrar na justiça dos EUA em Setembro; mas o mais surpreendente da entrevista que deu foi a promessa de viabilizar um serviço concorrente, uma postura estranha por parte de um detentor de um cargo público. Mas também aqui tomou o caminho certo, porque o seu papel é defender os interesses dos munícipes – que ficarão certamente mais bem servidos com mais alternativas, desde que estas tenham qualidade.

A opção de entregar comida em casa tem um lado vantajoso para os restaurantes, visto que não há necessidade de limitar as refeições disponíveis. Mas o fecho das salas cria o risco de dependência absoluta de um sistema cartelizado em que as margens esmagam a possibilidade de servir com lucro, e isso põe em causa a sobrevivência de um dos setores mais afetado pela pandemia. O serviço que Medina se propõe agora criar deveria ter sido iniciado pelo setor da restauração, que é o principal interessado numa solução destas – e se não o fizeram não foi por falta de tempo, porque já viveram este problema na primavera.

De qualquer forma, é questionável se a Câmara de Lisboa (ou qualquer outro serviço público nacional) tem capacidade para liderar a produção com rapidez e qualidade um serviço de referência capaz de combater as aplicações internacionais. É que as expectativas ficaram altas depois do que disse o presidente da câmara, e aquelas afirmações não são compatíveis com um serviço mais ou menos útil que esteja disponível na Primavera. Seria bastante desejável que qualquer solução a adotar tomasse como base a organização por bairros, apostando num esquema de proximidade e permitindo às juntas de freguesia desempenhar um papel de referência. Isso traria óbvios benefícios numa lógica de comunidade, permitindo aos cidadãos apoiar os restaurantes que conhecem e de que beneficiam.

A verdade é que tudo isto pode servir como lição para a CML (e para as outras autoridades públicas). Em nome da prioridade ao turismo – e muitas vezes em detrimento dos munícipes – Lisboa deu sempre demasiadas facilidades a estas novas multinacionais dos serviços, que em alturas de crise não se coíbem de mostrar o seu espírito. E quanto mais poder estas empresas têm no quotidiano dos cidadãos, menos capacidade têm os poderes públicos para influenciar as suas vidas.

Ler mais: No que toca à interferência das empresas tecnológicas na vida das cidades, nada bate a história de Quayside, uma imensa área ribeirinha de Toronto que foi entregue à Google para gerir – até que os cidadãos se rebelaram contra ela.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Lisboa em guerra com a UberEats

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião