Entrevistas, avaliações e onboarding à distância de um ecrã. Apesar das soluções tecnológicas para quem quer atrair talento, o desafio continua a ser garantir o recrutamento mais "real" possível.
“Bom dia e bem-vindos ao resto da vossa vida”. É com esta mensagem que a Xpand IT acolhe os trabalhadores recém-chegados à empresa, através do Microsoft Teams. Para dar as boas-vindas, a cada pessoa é dado um roadmap de aprendizagem inicial, onde são sugeridas leituras e desafios práticos e, no final do primeiro dia, o objetivo é que todos tenham as ferramentas básicas para “entrar rapidamente na cultura da organização”, sublinha o responsável. “O onboarding passou a funcionar todas as segundas feiras em grupos de, no máximo, quatro a cinco novos colaboradores. Nos primeiros dias de trabalho, cada novo colaborador tem uma pessoa identificada e sabe a que horas se vai conectar”, explica Rui Maia, partner e CHRO da tecnológica Xpand IT.
A pandemia acelerou a digitalização e fez com que, tanto os processos de recrutamento como os de onboarding migrassem para o digital. Esta nova dimensão substituiu os eventos de receção por videoconferências informais e formações dadas à distância, através de ferramentas tecnológicas como o Zoom, o Microsoft Teams, o Slack ou o Google Hangouts, mas o objetivo será para reproduzir o mais possível o contacto humano.
A pandemia obrigou milhares de pessoas a trabalharem e a procurarem trabalho remotamente. Para quem continuou a contratar, as entrevistas através de videoconferência ou a avaliação de competências à distância de um ecrã trouxeram novos desafios para as empresas que continuaram a atrair, recrutar e acompanhar o talento na nova jornada dentro da organização.
Grande parte das empresas sentiu o forte impacto da crise causada pandemia e, muitas delas, foram obrigadas a aderir ao lay-off e a fazer uma pausa no recrutamento. Por outro lado, as empresas que continuaram a recrutar mesmo durante a pandemia foram obrigadas a superar os desafios do remoto para garantir os objetivos de recrutamento e, por isso, podem ser um bom exemplo para boas práticas.
Desde o início da pandemia, em março, as sete empresas que falaram com a Pessoas recrutaram, no seu conjunto, centenas pessoas em Portugal e os planos passam por continuar a crescer.
Recrutamento na pandemia faz-se no digital
A presença física é um dos maiores desafios do recrutamento à distância, por isso a tecnológica portuguesa Xpand IT criou estratégias para recriar um momento que mais se assemelhasse a uma entrevista presencial. “Adaptámos o nosso formato de entrevistas para podermos continuar a executar essas fases com sucesso, como, por exemplo, pedir que os candidatos liguem a câmara da chamada remoto, que façam uma pequena apresentação de três ou quatro slides, etc.”, começa por descrever Rui Maia, partner e CHRO da Xpand IT.
Na empresa de software Arquiconsult, foi pedido aos candidatos para manter sempre a câmara ativa e as dinâmicas de grupo foram substituídas por questionários online para avaliar competências. “Características como a forma de comunicar e de se expressar têm uma importância mais elevada. Não tendo sido uma necessidade direta, elas passaram a ser realçadas nas entrevistas”, realça Patrícia Maia, diretora de projetos internacionais e talent manager da empresa, que só este ano já contratou 49 pessoas.
"O Purple Scan, criado durante este período, veio trazer uma nova abordagem ao processo de recrutamento. O facto de ser realizado remotamente reduziu as distâncias entre, por exemplo, o candidato de Lisboa, o recrutador do Porto e o manager de Nova Iorque.”
Nas entrevistas remotas da Revolut em Portugal, os recrutadores passaram a ser mais “empáticos” e foram criados tours, através dos quais os candidatos em processo de recrutamento podem falar durante algum período com eventuais futuros colegas para conhecer melhor a cultura da empresa. “Os nossos recrutadores são agora também ainda mais empáticos com os candidatos. É expectável que durante o recrutamento possam ser interrompidos nas videochamadas pelos filhos ou animais de estimação e fazemos questão que saibam que isso é totalmente compreensível”, adianta à Pessoas fonte oficial da Revolut. A fintech contratou em Portugal, ao longo dos últimos seis meses, cerca de 28 pessoas para várias equipas de suporte e tem atualmente meia centena de vagas abertas para diferentes funções no escritório de Matosinhos.
“No processo de recrutamento, que é agora inteiramente digital, temos de fazer um esforço adicional para garantir o fit cultural entre a empresa e o candidato”, realça Maurício Marques, diretor de recursos humanos da Natixis, fintech sediada no Porto e que, desde março, recrutou 100 pessoas e cujo objetivo é chegar aos 1.000 colaboradores até ao final deste ano. O responsável refere que o maior desafio do recrutamento à distância foi conseguir mostrar aos novos candidatos a cultura da empresa. “Quando deixa de existir uma visita física ao escritório, torna-se ainda mais fundamental dar a conhecer ao candidato as experiências de outros colaboradores, chefias… O segredo é sempre tornar a experiência virtual o mais ‘real’ possível”, reforça Maurício Marques.
Desde o início da pandemia, a Natixis lançou duas edições do programa de recrutamento para jovens e, em julho, recebeu mais de 500 candidaturas. “O Purple Scan, criado durante este período, veio trazer uma nova abordagem ao processo de recrutamento. O facto de ser realizado remotamente reduziu as distâncias entre, por exemplo, o candidato de Lisboa, o recrutador do Porto e o manager de Nova Iorque”, acrescenta o responsável de recursos humanos.
Adaptámos o nosso formato de entrevistas para podermos continuar a executar essas fases com sucesso como, por exemplo, pedir que os candidatos liguem a câmara da chamada remoto, que façam uma pequena apresentação de três ou quatro slides que os apresente, etc.
O mesmo aconteceu no grupo Novabase, que tem apostado em identificar talento à saída das universidades e, desde o início do ano, recrutou para a empresa Celfocus 81 recém-licenciados. Apesar da barreira do digital, Isabel Costa de Sousa, responsável de talent acquisition da Celfocus, refere que o facto de serem jovens recém-formados trouxe benefícios, por serem “pessoas que valorizam muito mais o teletrabalho ou trabalho remoto e o facto de poderem prescindir do período de deslocação casa-trabalho. Muitos são os que nos têm referido preferir este modelo que dizem ser ‘o futuro’”, sublinha. “Ainda que não se tenha contacto humano, que para nós é muito importante quando se conhece alguém, é incrível como mesmo à distância se consegue criar relações com os candidatos”, acrescenta.
Acolher em tempos de pandemia
“Pareciam velhos amigos a reencontrarem-se após uma longa separação”. É assim que Maurício Marques, diretor de recursos humanos da fintech Natixis, descreve o sucesso do programa de mentoria lançado durante a pandemia para facilitar o onboarding dos recém-chegados à empresa. Através do Natixis Buddy Program, é atribuído a cada novo colaborador um buddy, ou seja, um colega mais experiente de qualquer área da empresa, que fica disponível para o apoiar nos seus desafios pessoais e profissionais. Em empresas tecnológicas, a aposta na dinâmica remota foi mais fácil de concretizar, mas “uma realidade mais digital não pode fazer com que deixemos de ter na primeira linha da nossa lista de prioridades o fator humano. Acreditamos que é condição essencial garantir que processos mais digitais são, em igual medida, mais humanizados. É de pessoas que se faz uma empresa e elas são os nossos melhores embaixadores”, acrescenta o responsável na Natixis.
“Criámos, dentro daquilo que era o nosso horário, alguns momentos que nos permitiam continua a manter essa identidade informal, que também nos caracteriza e acho que é muito saudável ter numa empresa”, descreve Helena Castro, diretora de recursos humanos da ebankIT, fintech fundada no Porto, que continuou a promover team buildings, happy hours, workshops temáticos, aulas de ioga e ginástica e até formações de línguas, através de videochamada.
Para garantir o acolhimentos dos novos trabalhadores, a Tridonic Portugal faz chegar a casa dos recém-chegados à empresa um pack que inclui o computador portátil, telemóvel, máscaras faciais, equipamento de escrita, documentos sobre o código de ética e a missão da empresa. “Posteriormente, existem sessões de introdução à nossa empresa, aos colegas e ao projeto, onde o novo colaborador estará alocado, e onde progressivamente começa a conhecer os colegas, a atividade da empresa e o projeto. Há, continuamente, um acompanhamento do chefe direto que tem a responsabilidade de garantir que o novo colega está a ter boa integração, e que qualquer necessidade que exista é rapidamente resolvida”, assegura João Granjo Lopes, diretor-geral da empresa.
Ainda que não se tenha contacto humano que, para nós, é muito importante, quando se conhece alguém é incrível como mesmo à distância se consegue criar relações com os candidatos.
Comunicar, escutar e corresponder
Para garantir a comunicação com os trabalhadores, as empresas apostam nas ferramentas tecnológicas tradicionais como o Gmail, Slack, Google Hangouts, Zoom, nos chats do WhatsApp e do Facebook, ou em newsletters e podcasts personalizados. Sobre a melhor forma de comunicar numa realidade remota, a resposta é unânime: ouvir primeiro as pessoas, pedir feedback e estar atento às suas necessidades, apostando em medidas que contribuam para o bem-estar e o equilíbrio pessoal e profissional.
“Escutar é a palavra de ordem. Se escutarmos atentamente aquilo que são as necessidades dos colaboradores e as suas sugestões de melhoria, eles irão sentir-se parte integrante da equipa e, aumentando a identificação com a própria organização, aumentará também o seu bem-estar”, sublinha João Granjo Lopes, diretor-geral da Tridonic Portugal, onde todos os trabalhadores têm um telemóvel da empresa onde, na lista telefónica, podem encontrar o contacto de todos os colegas e ainda computadores com o software de chat imediato com o resto da equipa. Na gestão remota, “o maior desafio é conseguir contornar a falta do contacto físico, que leva a uma perda de comunicação não-verbal, o que por vezes condiciona e cria alguma dificuldade na interpretação de ideias e mensagens”, ressalva João Lopes.
"Características como a forma de comunicar e de se expressar têm uma importância mais elevada. Não tendo sido uma necessidade direta, elas passaram a ser realçadas nas entrevistas.”
A aceleração da utilização tem ferramentas tecnológicas e a aposta em metodologias agile, devido à pandemia, aumentou significativamente o número de empresas a apostar em políticas de flexibilidade e os trabalhadores querem que se torne regra. Em Portugal, a percentagem de empresas com políticas de trabalho flexível aumentou de 15% para 86% em 2020, devido à pandemia, sendo que nove em cada dez portugueses quer manter esta prática num cenário pós-crise, revela o estudo “Staying competitive in a hybridworld”, da Boston Consulting Group (BCG) e da KRC Research.
A Revolut, por exemplo, assegura que durante o período de confinamento, a produtividade e a capacidade de trabalhar em equipa melhoraram, nomeadamente pelo maior equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Para isso, a comunicação é promovida através de questionários frequentes, reuniões globais, grupos temáticos e canais que permitam chegar ao maior número de pessoas possível. Num inquérito interno, a fintech descobriu que metade dos trabalhadores só quer regressar aos escritórios em 2021 e, para 86% dos inquiridos, não perder tempo nos transportes ou em deslocações para os escritórios é a maior vantagem de trabalhar a partir de casa.
“Todos os eventos e iniciativas que tínhamos planeados aconteceram, mas foram adaptados para um formato virtual. Um ótimo exemplo foi a edição de 2020 dos Natixis Learning Days, a nossa semana anual da formação, em que batemos um recorde de assistência às palestras e workshops que organizámos”, destaca Maurício Marques, sublinhando que o maior desafio será sempre o “fator humano”. “No trabalho remoto, as metodologias, as reuniões one to one passam a ter ainda mais importância. Por outro lado, temos de ter em atenção que nem todos têm as mesmas condições a trabalhar a partir de casa e, portanto, temos de ser mais flexíveis”, sublinha Patrícia Maia, talent manager da Arquiconsult. Para a responsável, o mais desafiante é evitar interrupções nos chats e estar atenta a sinais de cansaço ou stress da equipa. “A informação e a disponibilidade são essenciais para criar canais ativos de comunicação entre a administração e os colaboradores, e isso gera envolvimento de todos na organização”, conclui.
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Desafio do recrutamento remoto é garantir a proximidade
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