A tributação do Carbono na Nova Economia – Reflexões e Perspetivas
Ao ser inserido um “carbon tax”, o custo total do bem, incluindo os custos externos para o meio ambiente, acaba por ser pago pelo consumidor, desincentivando esse tipo de consumo.
I – O arquétipo do “carbon tax” e os seus múltiplos desafios
No contexto internacional, é inequívoco o crescendo de interesse que vem sendo oferecido à temática da tributação ambiental, com particular destaque para as múltiplas formas de tributação do carbono.
De acordo com um recente Relatório da OCDE (“Tax Policy Reforms 2020”) sobre as reformas fiscais ocorridas no ano de 2020, verifica-se um inequívoco aumento no número de iniciativas ou medidas de política fiscal diretamente relacionadas com o meio ambiente, em comparação com o homólogo 2019.
Modalidades de impostos sobre o gás natural, sobre o consumo de eletricidade ou sobre o carbono têm feito parte dos esforços subjacentes a este movimento reformista.
De acordo com os dados apresentados pelo referido Relatório, os impostos ambientais representam, em média, 6,7% da receita fiscal total entre os países da OCDE.
Sendo certo que se trata de uma receita significativamente inferior à dos impostos sobre o rendimento (incluindo contribuições para sistemas contributivos), já supera claramente o peso da receita fiscal associada aos impostos sobre o património no contexto da OCDE.
Focando-nos no arquétipo de imposto sobre o carbono (“carbon tax”) – que opera, fundamentalmente, sobre o consumo, autónomo ou inserido em impostos já pré-existentes – o seu principal objetivo é o de induzir a estruturação de um mecanismo de pricing adicional ao do próprio mercado para as emissões de CO2, tendo por fim último reduzir (ou otimizar) a respetiva quantidade na atmosfera.
Nesse sentido, na terminologia económica, o “carbon tax” é considerado um imposto pigouviano, por referência ao contributo pioneiro de Arhur Cecil Pigou a este respeito.
Um imposto pigouviano é, por definição, um imposto sobre uma transação de mercado que cria uma externalidade negativa, ou seja, um custo adicional que acaba por ser suportado por indivíduos não diretamente envolvidos nessa mesma transação.
Nesse sentido, o pressuposto é razoavelmente fácil de perceber: quando os indivíduos ou empresas adquirem bens que são criados por intermédio de um processo de produção intensivo com fonte carbónica, estão a criar uma (micro) externalidade negativa, para além de continuarem a induzir a oferta deste tipo de bens que, legitimamente, é prosseguida por parte dos respetivos produtores/vendedores.
Porém, pela sua própria natureza, essa externalidade negativa impõe um custo económico para aqueles que não fizeram parte da transação inicial e que, como tal, não integraram o circuito de produção e compra/venda dessa mesmo bem.
Como resultado, ao ser inserido um “carbon tax”, o custo total do bem, incluindo os custos externos para o meio ambiente, acaba por ser pago pelo consumidor, desincentivando esse tipo de consumo e reduzindo os efeitos indutores à produção, ao nível da oferta, com a consequente redução do nível médio de emissões.
Porém, conforme é justamente salientado no citado Relatório da OCDE, este tipo de alteração sucede fundamentalmente no longo-prazo, uma vez que, em períodos mais curtos, a especial rigidez da procura leva a que os aumentos das taxas nominais das diversas modalidades “carbon tax” não tenham um efeito automático na criação de efeitos de substituição, com a consequente redução de quantidade procurada de bens associados a processos com o índice carbónico elevado.
II – A tributação do carbono na política fiscal europeia
No contexto europeu, esta realidade tem conhecido desenvolvimentos muito substanciais, não apenas à escala europeia como ao nível de cada realidade nacional.
Desde logo, todos os Estados-Membros da União Europeia (a que acrescem Islândia, Liechtenstein e Noruega) fazem parte do Sistema de Comércio de Emissões (EU-ETS) Sistema de Comércio de Emissões da UE (EU ETS), m mecanismo flexível previsto no contexto do Protocolo de Quioto, constituindo o primeiro instrumento de mercado intracomunitário de regulação das emissões de Gases com Efeito de Estufa (GEE).
Mais recentemente, vários países europeus estão a considerar ou anunciaram a implementação de novos impostos específicos sobre o carbono ou, em alternativa, Sistemas de Comércio de Emissões (ETS’s) exclusivamente nacionais.
Vejamos alguns exemplos.
A Alemanha implementará um ETS de base exclusivamente nacional para os setores de transporte rodoviário e de aquecimento – ambos não cobertos pelo EU-ETS – em janeiro de 2021.
Por seu turno, o Luxemburgo anunciou a intenção de implementar um novo imposto sobre o carbono de aproximadamente €20 por tonelada de CO2 em 2021.
Trata-se de uma matéria que tem contado com uma ascensão meteórica e que, com a entrada fulgurante do Hidrogénio Verde e a consequente necessidade de captação de fundos à escala europeia e nacional (neste último caso ao nível de estruturas como o Fundo Ambiental), seguramente reclamará um aumento e alargamento progressivo da tributação do carbono.
III – A tributação do carbono em Portugal e a necessidade de uma reciclagem da receita fiscal
Um exemplo paradigmático ao nível da tributação do carbono prende-se com a sua expressão ao nível da produção de eletricidade com recurso a combustíveis fósseis.
Na Lei do Orçamento do Estado para 2018, foi introduzida pela primeira vez a disposição transitória que fez incidir, sobre o carvão e coque de carvão utilizado na produção de eletricidade, uma percentagem do Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e do adicionamento sobre as emissões de CO2 (a designada “taxa de cabono”) aplicáveis, definindo de antemão uma trajetória de aumento progressivo da tributação a cinco anos.
Nos anos subsequentes, esta norma foi alargada a outros combustíveis, como o fuelóleo ou o gás natural.
Ao que tudo indica, a Proposta de Orçamento do Estado para 2021 vem oferecer continuidade a esta trajetória, com várias medidas de reforço à tributação do carbono.
Porém, de certa forma paradoxal, não tem sido efetuada uma verdadeira “reciclagem” da receita fiscal, gerando um clima de ausência de total transparência ao nível da alocação da “receita fiscal carbónica” que, salvo exceções muito pontuais, deve ser objeto de consignação
De resto, o paradigma atualmente em curso é a prova viva de que o princípio da não-consignação de receitas – outrora um “Santo Graal” do direito financeiro público – não oferece resposta perante contextos em que o tratamento deste tipo de verbas como receita geral do Estado retiraria, por si só, parte daquela que é a sua principal fonte de legitimação e que repousa no financiamento direto de políticas ou medidas que, através da ação de Fundos ou estruturas análogas, permitam, num espaço de tempo necessariamente delimitado, a implementação dos alicerces de uma economia progressivamente descarbonizada.
Perspetivas para uma política fiscal do carbono e os seus riscos
Os dados à escala internacional são inequívocos e apontam num sentido claro: a tributação do carbono vai proliferar e possivelmente irá abranger vários segmentos da cadeia de valor que ainda não foram abrangidos ou suportam uma carga fiscal negligenciável.
Um dado impressivo é igualmente salientado pela OCDE e com amplos reflexos a este nível: as emissões com origem distinta do setor dos transportes permanecem largamente desoneradas deste tipo de modalidades de tributação, ao mesmo tempo que representam aproximadamente 85% das emissões relacionadas com CO2.
Tratando-se de um movimento que coloca especiais desafios aos decisores públicos e aos demais stakeholders do setor energético, com o intuito de implementar uma transição energética eficaz, mas que, ao mesmo tempo, não deixe de respeitar os objetivos e as expetativas legítimas dos diversos agentes de mercado que ainda operam e vão continuar a operar no contexto de processos produtivos com índices carbónicos associados – se possível oferecendo, inclusive, os necessários incentivos à sua participação direta nessa mesma transição.
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