Decreto usado por Cavaco vai servir para reestruturar a TAP

Executivo estuda decretar a companhia aérea como uma empresa em situação económica difícil. O mesmo foi feito em 1994 pelo então primeiro-ministro social-democrata Aníbal Cavaco Silva.

Em julho de 1994, Bruxelas dava luz verde para que Portugal desse apoio público à TAP devido à situação financeira da empresa e condicionada a um plano de reestruturação que incluía cortes no número de trabalhadores e aviões. Passaram-se quase 30 anos, mas a estratégia atual não é muito diferente e até o enquadramento legal será o mesmo. O Governo liderado por António Costa está a considerar usar o mesmo decreto que usou Aníbal Cavaco Silva nos anos 1990 para alegar a situação económica difícil da empresa e justificar a reestruturação.

Podem ser declaradas em situação económica difícil empresas públicas ou privadas cuja exploração se apresente fortemente deficitária, prevendo-se que a sua recuperação seja problemática ou demorada“, refere o decreto de 1977 que o Governo está a ponderar usar como enquadramento legal à reestruturação. A notícia foi avançada pelo Observador e confirmada pelo ECO junto de duas fontes conhecedoras do processo.

Podem ser declaradas em situação económica difícil empresas públicas ou com participação maioritária de capitais públicos (como é o caso da TAP) que tenham responsabilidades junto da banca superiores a 60% do ativo líquido de amortizações, que precisem de apoio público para cobrir saldos negativos de exploração e não reembolsados ou em risco de incumprimento, sobretudo quando reiterado, de obrigações para com o Estado, a Previdência Social ou o sistema bancário.

As empresas podem ser declaradas em situação económica difícil a requerimento seu ou por iniciativa do Conselho de Ministros. O requerimento ou a proposta ministerial têm de ser justificados com a descrição “circunstanciada e fundamentada” da situação económico-financeira da empresa e das medidas consideradas necessárias à sua superação ou à minimização dos seus efeitos.

A justificação não será difícil já que o impacto da pandemia na companhia aérea levou o Governo a reforçar a posição na empresa e a injetar 1,2 mil milhões de euros para garantir a liquidez até ao fim do ano, enquanto prepara um plano de reestruturação que terá de ser entregue para aprovação na Comissão Europeia até à próxima quinta-feira. A proposta ainda não é pública, mas o que foi dado a conhecer aos sindicatos aponta para uma redução da frota para 88 aviões, despedimento de cerca de dois mil trabalhadores (pilotos, comissários e pessoal de terra) e cortes nos salários em cerca de 25%.

A TAP já viu este filme. Em 1994, Cavaco Silva alegava a situação financeira precária para pedir autorização à Comissão Europeia para injetar na companhia aérea 180 mil milhões de escudos (equivalente a cerca de 900 milhões de euros). O apoio foi aprovado, mas condicionado a uma reestruturação que durou até 1997 e incluiu a redução de seis aviões, a saída de 2.600 trabalhadores e o congelamento de salários. Foi mesmo aberto um plano de reformas antecipadas em cinco anos sem penalizações que ficou em vigor até à privatização em 2015.

Para quê adotar este regime? É que “a declaração pode acarretar a redução das condições de trabalho vigentes na empresa aos mínimos fixados nos instrumentos de regulamentação coletiva e a cessação imediata da aplicação das que contrariem normas legais de caráter imperativo; a não aplicação, total ou parcial, das cláusulas dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e o estabelecimento do respetivo regime sucedâneo; a suspensão de contratos individuais de trabalho; [e] a imposição à empresa de medidas consideradas adequadas à superação da situação”, pode ler-se no documento.

Ou seja, declarar a TAP como empresa em situação económica difícil dá margem de manobra ao Governo para avançar com medidas como a suspensão dos acordos de empresa do grupo, como noticiou esta segunda-feira o Correio da Manhã. Fonte sindical sugere mesmo que esta poderá ser a justificação para o ministro da Habitação e das Infraestruturas Pedro Nuno Santos ter marcado reuniões com os sindicatos apenas a dias de enviar o plano para Bruxelas. O ECO tentou confirmar esta informação junto do ministério, que respondeu apenas que “o Governo não comenta qualquer informação sobre a TAP”.

Caso Governo avance com o decreto, estas medidas são determinadas pelo prazo máximo de um ano, eventualmente prorrogável por despacho do Governo e traz restrições. “Enquanto se mantiverem no regime de situação económica difícil, as empresas privadas não podem proceder à distribuição de lucros, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamentos por conta, nem aumentar as remunerações dos membros dos corpos sociais ou proceder ao reembolso de prestações suplementares de capital ou de suprimentos”, acrescenta o decreto.

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