Presidência portuguesa da UE arranca com o desafio de lançar a bazuca
Portugal assume a presidência rotativa do Conselho da União Europeia entre janeiro e junho deste ano. Há vários temas quentes, mas o principal desafio passa pela implementação do fundo de recuperação.
O pior pesadelo para a presidência portuguesa não se concretizou: a presidência alemã que acabou em dezembro conseguiu fechar os dossiers do Brexit e do fundo de recuperação europeu. Apesar de os acordos estarem selados, há ainda muito trabalho pela frente e esse ficará à coordenação do Governo português durante os próximos seis meses. O arranque dos Planos de Recuperação e Resiliência (PRR) nos Estados-membros será um dos principais desafios.
“Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital” é o lema da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia — órgão que representa os Estados-membros, coordenando e negociando as políticas da UE — que arranca numa fase da pandemia em que já existe “a luz ao fundo do túnel” com a vacinação a ocorrer em toda a União Europeia. Começou oficialmente a 1 de janeiro — o primeiro ato é a visita do presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, a Lisboa no dia 5 de janeiro –, mas a preparação já decorre há meses.
“Temos a presidência muito bem planeada, já muito bem rodada, será a terceira presidência que o ministro Augusto Santos Silva vai fazer, a secretária de Estado de Assuntos Europeus já interveio em várias presidências, a nossa diplomacia é excelente e a nossa equipa da REPER em Bruxelas é ótima“, assegurou Costa esta quarta-feira (30 de dezembro) em declarações à Lusa. A primeira prova de fogo será a visita do Colégio de Comissários (presidente da Comissão Europeia e respetivos comissários) nos dias 14 e 15 de janeiro, arrancando na semana seguinte as reuniões ministeriais setoriais. No dia 18 realiza-se o primeiro Eurogrupo de 2021.
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Dezembro foi um mês fulcral para o futuro da União Europeia: a 10 de dezembro, os líderes europeus chegaram a acordo sobre o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 e o fundo de recuperação europeu (#PróximaGeraçãoEU), a 24 de dezembro a Comissão Europeia chegou a acordo com o Reino Unido sobre a relação futura e a 27 de dezembro arrancou oficialmente o processo de vacinação nos Estados-membros. Mas estes três temas, apesar de terem ficado bem encaminhados, não vão acabar aqui.
A presidência portuguesa será responsável por abrir um novo ciclo cuja principal responsabilidade será a de colocar no terreno os instrumentos disponíveis para colocar um fim à pandemia e recuperar a economia europeia. Em concreto, no caso do QFP 2021-2027, Portugal tem o desafio de chegar a junho com todos os regulamentos aprovados entre o Conselho e o Parlamento Europeu e os programas comunitários lançados. Na prática, trata-se de ter o orçamento “normal” da UE no terreno.
“Anormal”, mas necessário é o fundo de recuperação europeu de 750 mil milhões de euros que foi criado especificamente por causa da crise pandémica. O acordo mais difícil, nomeadamente para convencer a Hungria e a Polónia, já foi fechado pela presidência alemã, mas Portugal terá de coordenar com a Comissão Europeia os próximos passos: desde logo, a aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) nacional dos 27 Estados-membros — que será avaliado por Bruxelas — para depois se desembolsar a primeira tranche dos apoios (cerca de 10% do total da subvenção nacional). Pelo meio a Comissão ainda terá de concluir as preparações legais para ir aos mercados financeiros endividar-se em nome da UE.
Na frente da pandemia, o maior desafio será controlar o vírus no pico do inverno e, ao mesmo tempo, acelerar o processo de vacinação que começou a meio gás no final de dezembro. A administração da vacina irá prolongar-se para lá de junho, mas é expectável que os grupos mais vulneráveis à Covid-19 sejam vacinados no primeiro semestre, daí que este seja um período essencial. Tal poderá também permitir uma retirada gradual das restrições e uma maior recuperação económica.
Governo elege direitos sociais como a “marca” portuguesa da presidência
Estas três tarefas são, de certa forma, inevitáveis, independentemente de quem estivesse ao leme da UE. No entanto, o Governo do PS quer também deixar a sua “marca” ao dar prioridade à implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais. O momento mais visível desse esforço será a Cimeira Social que está marcada para os dias 7 e 8 de maio no Porto. Os temas em cima da mesa são a diretiva sobre o quadro europeu do salário mínimo, avanços no domínio da União Europeia para a Saúde e questões sobre a infância, os jovens e o envelhecimento.
Em Portugal ocorrerá outro evento simbólico: a amarração em Sines de um grande cabo submarino (EllaLink) ligando o continente europeu ao americano através de Fortaleza, no Brasil. O momento contará com a presença da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen.
O outro tema “acarinhado” pelo Governo português é a ligação da União Europeia à Índia. Tudo está preparado para que nos dias em que os líderes europeus vão estar no Porto haja um encontro com Narendra Modi, primeiro-ministro indiano, um momento que será a “joia da coroa” da presidência portuguesa, nas palavras de António Costa. O foco será a cooperação entre a UE e a Índia no desenvolvimento de inteligência artificial ou da ciência de dados.
Mas os eventos de política externa não se ficam por aqui. Aliás, a agenda deverá ser bem preenchida no primeiro semestre. Costa sinalizou que também quer concretizar um encontro dos líderes europeus com a União Africana, poderão ser concluídos os acordos comerciais com a Austrália e a Nova Zelândia e abrir-se o primeiro acordo comercial da UE com Marrocos.
Porém, em termos de importância para o futuro, o mais marcante será o “reatar” de relações entre a UE e os EUA com a nova presidência Biden que arranca a 20 de janeiro. Voltarão a ser “aliados e não adversários”, nas palavras de Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, que indicou numa entrevista à TVI24 que deverá haver um encontro entre Joe Biden e os líderes europeus durante o primeiro semestre do próximo ano. Falta saber se será na cimeira da NATO ou no G7.
A quarta presidência portuguesa do Conselho da UE termina a 30 de junho, passando o testemunho à Eslovénia para o segundo semestre. No final de 2021 encerra o ciclo do trio de presidências (Alemanha/Portugal/Eslovénia) iniciado pelo Governo alemão em julho de 2020. As anteriores presidências portuguesas realizaram-se em 1992, 2000 e 2007.
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