Há 9.495 imóveis do Estado identificados, 14% são para habitação, revela auditoria do Tribunal de Contas

O sistema que agrega o património imobiliário do Estado tem informação incompleta. Há 9.495 imóveis identificados, mas auditoria do Tribunal de Contas diz que são muitos mais.

O número de imóveis que o Estado tem não se conhece e o próprio Ministério da Habitação já disse por várias vezes estar a tentar solucionar esse problema. Mas esse número existe. Contudo, o Tribunal de Contas (TdC) afirma que está “subvalorizado”. Numa auditoria feita ao património imobiliário estatal, a entidade aponta diversas falhas e insuficiências no sistema, concluindo que a própria plataforma apresenta “fragilidades”.

Numa altura em que é cada vez mais difícil aceder a uma habitação, são muitos os dedos apontados ao Estado, por considerarem que é este que deve dar resposta ao problema. Por responder continua a pergunta: Afinal quantos imóveis tem o Estado?

O Governo diz que não sabe, como referiu a secretária de Estado da Habitação recentemente, numa entrevista ao ECO. “Não temos esse inventário feito. (…) Infelizmente, e aqui temos de assumir todos a nossa responsabilidade, aquilo que é o património do Estado com apetência habitacional nunca esteve totalmente identificado“, disse Marina Gonçalves, referindo, no entanto, que “o decreto-lei 82/2020, de 2 de outubro (…) prevê precisamente as ferramentas para inventariar” todo esse património.

O TdC decidiu, então, analisar todo esse inventário, bem como os processos que estiveram e estão em curso para dar uma resposta à referida pergunta. Estes números constam no Sistema de Informação dos Imóveis do Estado (SIIE) que dava conta de 9.495 imóveis pertencentes ao Estado no final de 2019. Mas este número “encontra-se subvalorizado desde logo porque o SIIE inclui mais 1.970 imóveis sem campo titular preenchido”, diz o TdC.

Informação “incompleta”, com “erros” e procedimentos são “frágeis”

O SIIE está em funcionamento desde 2009, na altura criado para suportar o Programa de Gestão do Património Imobiliário (PGPI) que tinha nascido um ano antes para fazer esta inventariação, mas que apenas compreendia o período entre 2009 e 2012. O SIIE contém dados como características físicas do imóvel, localização, inscrição matricial, titulares e respetivas moradas, identificação dos ocupantes, renda, imagens e plantas.

Contudo, apesar de toda esta informação, o TdC diz ser insuficiente, desde logo por subsistirem “dificuldades, designadamente ao nível das insuficiências na informação sobre os imóveis”, nomeadamente pelo facto de o SIIE “não contemplar campos essenciais para a valorização e contabilização dos imóveis e não prever uma informação articulada que assegure a sua atualização tempestiva”.

Entre as várias inconsistências apontadas pelo TdC constam “imóveis já alienados, mas não abatidos”, “sem identificação do titular” (8,3% dos imóveis registados) e “não registados”. Além disso faltam informações relativas à valorização dos imóveis, dado que “os sete campos relativos à valorização de imóveis, não sendo de preenchimento obrigatório, não se encontram, na sua maioria, preenchidos e/ou contêm informação desatualizada”.

Mas o TdC dá números. A auditoria identificou 1.527 imóveis listados como pertencendo à administração direta do Estado, “quando os respetivos titulares são serviços e fundos autónomos e, como tal, pertencem à administração indireta” e “253 imóveis com cotitulares, dos quais apenas 69 (27,3%) indicam tratar-se de compropriedade e só 46 identificam a quota parte”.

Foram ainda identificados 24 imóveis alienados que não tinham sido abatidos, sete imóveis registados em duplicado e seis abates de imóveis. Contaram-se também 17 imóveis que não constam do SIIE, “embora dez deles façam parte da lista de imóveis para integrar o FNRE [Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado], destinados à criação de alojamento para estudantes do ensino superior e a arrendamento habitacional a custos acessíveis”.

Quanto ao estado de conservação dos imóveis, o TdC refere que “a informação é de 2015 ou anterior em 65% dos casos” e quanto ao valor patrimonial “é de 2010 ou anterior, também em 65% dos casos”.

O mesmo relatório afirma, assim, que “o processo de criação dos registos no sistema (aquisições), a sua atualização e/ou abate (alienações) ou outros registos de variações patrimoniais ocorridas no universo dos imóveis do Estado não é fiável, inclusivamente nos casos em que se trata de operações promovidas pela DGTF [Direção-Geral do Tesouro e Finanças]”.

Assim, o TdC concluiu que 11 anos depois de ter sido criado o SIIE, “os objetivos definidos não foram atingidos”, justificando que “continuam a não existir as condições necessárias à elaboração do inventário geral dos imóveis do Estado e dos institutos públicos, porquanto se desconhece o universo dos imóveis a inventariar”. “A informação está incompleta, contém erros e os procedimentos de controlo são frágeis, colocando em causa a sua utilidade”, lê-se.

Nova plataforma “comporta riscos” na transferência de dados

O Orçamento do Estado para 2020 prevê a criação de um “novo sistema de gestão e informação do património imobiliário público (SGIPIP), que inclui a criação de um sistema central com informação integrada relativamente aos imóveis”, refere o relatório do TdC.

Contudo, a entidade alerta que “as atuais insuficiências de informação do SIIE, para o qual não estão previstos aperfeiçoamentos, terão reflexo no SGPIP”, afirmando que “no desenho deste novo sistema, é essencial assegurar que as operações efetuadas sobre os imóveis incluam o reconhecimento do seu impacto nos dados registados (no SIIE ou no sistema que o venha a substituir) e, quando aplicável, na ECE [a Entidade Contabilística Estado]”.

Além disso, o TdC afirma que a criação dessa nova plataforma “comporta riscos nos planos da migração e compatibilização de dados”, dado que o SGIPIP se baseia “numa interface com as várias fontes de informação” — SIIE, Autoridade Tributária e Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) — e que se detetaram “deficiências que apontam não estarem reunidas condições para utilizar as bases de dados do registo matricial e predial”.

E justifica. “No final de 2019, o SIIE continha 9.495 registos de imóveis do domínio privado do Estado, enquanto constavam 18.671 registos na base de dados do registo predial (IRN) e 62.597 na da inscrição matricial (AT)”. Assim, o TdC defende ser necessário identificar os riscos e definir procedimentos para os ultrapassar, “sob pena de se comprometer os objetivos do novo projeto”.

14% dos imóveis identificados são para habitação

Os dados analisados pelo TdC dão conta de 9.495 imóveis propriedade do Estado, dos quais 52,9% dizem respeito a edifícios e 47,1% a terrenos. Numa análise mais fina, contam-se 1.301 imóveis para habitação, 1.987 referentes a lojas ou escritórios, 23 conventos ou mosteiros, 17 do tipo castelo, 43 armazéns, 23 palácios, 45 quintas e 3.842 terrenos para exploração agrícola ou pecuária.

Quanto ao estado de conservação dos imóveis, 74,7% estão classificados como “regular”, 11,9% como “bom” e 13,2% como “mau”. Contudo, o TdC salienta que “61,6% destas avaliações ocorreram até ao final de 2015, pelo que poderão estar significativamente desatualizadas”.

Deste universo de mais de nove mil imóveis, 80,5% estão em utilização corrente, sendo que 12% estão “totalmente devolutos” (1.138 imóveis) e 699 sem ocupação.

O TdC refere que nem todos os imóveis têm informação relativamente à valorização patrimonial e à área, contudo, para aqueles em que esses dados existem (1.816) dos imóveis com a respetiva área, constata-se que 89 imóveis apresentam um valor por metro quadrado entre zero e dez euros, enquanto seis imóveis têm um valor por metro quadrado acima dos 10.000 euros.

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