A Insustentável Leveza do Ser (Humano)

  • Pedro Azevedo Henriques
  • 20 Janeiro 2021

O ano de 2030 já não está assim tão longe (no tempo), mas a distância para o que seremos nesse futuro próximo, dependerá da execução e compromisso de Portugal, e de todos, para com a Agenda 2030.

Entramos em 2021 com a esperança de virar a página do marcante acontecimento de 2020 – aquele que pensávamos ter sido o annus horribilis, mas infelizmente o início do ano trouxe-nos o pior da pandemia a Portugal e, as primeiras semanas do ano, números verdadeiramente negros e cruéis.

  • A média de novos casos por milhão de habitantes promoveu Portugal para o pódio dos piores países;
  • Lamentamos, diariamente, novos máximos de vítimas mortais;
  • Já depois de vermos imagens de indetermináveis filas de ambulâncias, à espera nas urgências dos principais hospitais do país, os nossos governantes alertavam que todo o Sistema Nacional de Saúde (SNS) estava perto do limite;

O fator determinante — a insustentável leveza do Ser Humano. Quer na falta de sentido de responsabilidade individual de cada um, mas também a leviandade de políticas e regras mais suaves, decretadas pelo Governo, para um contexto muito mais grave.

Atrás desta preocupante vaga, de saúde pública, outras vagas igualmente preocupantes estão-nos a escapar a olhos vistos. A panela de pressão que temos vindo a assistir não se limita ao SNS ou à economia, abrange o planeta.

Estávamos a 24 de maio 2020, precisamente a ultrapassar a primeira vaga do COVID19, quando o Capital Verde dava ECO de que os “Recursos para 2020 esgotavam-se amanhã se todos vivessem como os portugueses”. Isto dito por outras palavras, se o Planeta fosse o SNS, o mesmo já estaria em colapso. Esta pré-catástrofe ainda só vai dando alguns sinais e, por enquanto, estamos “só” a comprometer as futuras gerações, o que num ato de egoísmo parece que não é relevante.

A verdade é que, tal como no combate à pandemia, ou a tentativa de aliviar o SNS, ninguém, mas ninguém mesmo, deveria ficar indiferente ao agravamento e ao descontrolo da situação que se vive da gestão do planeta, no extermínio dos seus recursos e do seu capital natural.

É, pois, sobre a necessidade de atuar, de passar à ação, em momentos em que o foco está enviesado, por um contexto extremamente difícil é certo, que importa dar voz e alertar outras situações igualmente e potencialmente gritantes.

Dito isto, neste texto que assino pretendo dedicar e abordar como poderemos olhar para um futuro melhor e para uma gestão (mais) sustentável do planeta.

A redesenha desse futuro e transação para um modelo mais sustentável pode e deve ter como base a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU).

A Agenda 2030

Para os que eventualmente possam estar mais arredados da Agenda 2030, aqui fica o devido enquadramento.

A Agenda 2030 foi aprovada por unanimidade, em setembro de 2015, pelos 193 Estados-membros da ONU, que se envolveram para definir em conjunto um novo modelo de desenvolvimento económico, social e ambiental, à escala global, com enfoque particular em objetivos que visam acabar com a pobreza, promovam a prosperidade e o bem-estar das pessoas, protejam o ambiente e combatam as alterações climáticas.

Estes temas centrais, da Agenda 2030, resultaram num plano ambicioso de 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que se desdobram em 169 metas, e que procuram assim um maior equilíbrio entre as várias dimensões do triple bottom line (económica, social e ambiental). Os ODS e respetivas metas são, por isso, o corolário da visão das Nações Unidas e seus Estados membros.

Portugal — Quō vādis?

Isto significa que para revertemos a situação que o planeta enfrenta, e concretizar a Agenda 2030 durante o período vigente 2016-2030, tal como no combate à pandemia, depende fortemente de uma dinâmica de conjugação de esforços, de adesão, de colaboração e essencialmente da implementação da Agenda por parte de todos os atores, universalmente, nomeadamente nas políticas dos países, nas estratégias e operações das empresas e no dia a dia da sociedade em geral.

Só uma abordagem sistémica é capaz de aliviar esta pressão sobre o planeta e os recursos naturais.

Mas para não me alongar mais, a verdade é que para se transformar a Agenda 2030, numa realidade, cabe a responsabilidade, em primeira instância, aos governos na definição de políticas públicas transformadoras que promovam um modelo de desenvolvimento sustentável.

Ora, Portugal, enquanto estado-membro da ONU, tendo inclusive participado ativamente nesse desígnio e subscrito os compromissos que a Agenda 2030 promove, a par de ter entrado em 2021 a Presidir o Conselho da União Europeia tem indubitavelmente essa responsabilidade.

Infelizmente, não é isso que se tem verificado na prática.

  1. Tal como é veiculado no relatório “Portugal e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, Portugal é o único país europeu que não possui um enquadramento estratégico para o desenvolvimento sustentável ou para a Agenda 2030;
  2. De acordo com os últimos dados monitorizados relativamente aos compromissos efetuados por cada um dos 193 Estados membros, Portugal posiciona-se no 25º lugar do Ranking;
  3. Não obstante, se refinarmos esse ranking e análise somente aos 27 países da União Europeia, Portugal perde todo esse relevo, ocupando a 2ª metade da tabela, mais concretamente o 17º lugar;
  4. Pior do que ranking, é que se estima que nenhum país europeu cumpra com os ODS até 2030;
  5. Relativamente a Portugal, a avaliação e tendência da sua ação face aos compromissos a que se propôs no âmbito da Agenda 2030, mostra um claro distanciamento. A paleta de cores do semáforo, conforme quadro infra, revela que muito está por se fazer e temos desafios muito sérios para concretizar para se conseguir atingir os objetivos aos quais Portugal se propôs.
Fonte: Extraído de https://dashboards.sdgindex.org/profiles/PRT (Janeiro 2021)

Terei seguramente oportunidade de voltar a este tema e abordar outras perspetivas em futuros textos, porque tenho a clara convicção de que estamos perante um desafio que diz respeito a todos, e as empresas têm também um papel importante a desempenhar.

Não tenho dúvidas que situações análogas ou mais graves às que temos vindo a assistir devido à pandemia, como a perda de vidas, a falta de meios e de recursos, se nada for feito, estão para se agravar nas próximas décadas num espectro muito mais alargado.

Assim e, após um ano como o de 2020 e um início de 2021 comprometedor, atuar no presente para salvaguardar o futuro nunca fez tanto sentido.

O ano de 2030 já não está assim tão longe (no tempo), mas a distância para o que seremos nesse futuro próximo, dependerá da execução e compromisso de Portugal, e de todos, para com a Agenda 2030.

  • Pedro Azevedo Henriques
  • Diretor de Sustentabilidade da Frulact

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