Está atrasada, mas o Governo atalhou caminho para tornar a tarifa social de internet uma realidade. Trará um desconto "relevante" para as famílias, diz o secretário de Estado para a Transição Digital.
Foi anunciada há quase um ano, mas ainda não chegou ao terreno. A tarifa social de internet deveria fazer parte da transposição de uma lei europeia, que já está atrasada, mas o Governo decidiu agora atalhar caminho: autonomizou a medida e vai executá-la por via de um decreto-lei, evitando assim o Parlamento.
Em entrevista ao ECO, o secretário de Estado para a Transição Digital, André de Aragão Azevedo, considera que a ideia só faz sentido se for “significativamente relevante” para que todos os portugueses possam ter internet, mesmo os mais pobres. Mas também tem de ser “sustentável”.
Diz ainda que o 5G é preciso agora, mas é o alargamento do 4G que fará mais diferença no curto prazo. E sobre as receitas do leilão de frequências da Anacom, ainda não há uma estratégia definida.
Veja, oiça ou leia aqui as outras partes da entrevista:
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Não é uma matéria da sua esfera direta de responsabilidade, mas porque é que falhámos o prazo de transposição do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas? Tivemos dois anos para o fazer.
Não é uma área que esteja sobre a minha tutela direta. Naturalmente que acompanhamos. É algo que vemos como vantajoso que o código seja transposto com alguma brevidade. Mas também temos de ter noção de que o ano de 2020, e agora este de 2021, são anos claramente atípicos [por causa da pandemia]. É natural. Não fomos os únicos, de longe; a generalidade dos países ultrapassou o prazo de transposição. A explicação que encontro tem a ver com a situação de um estado de emergência que estamos a viver e que obrigou a dar prioridade àquilo que era prioritário.
A tarifa social foi anunciada em abril do ano passado. Depois, falou-se de que seria em janeiro. Agora, será até junho. Porque é que o Governo não acelerou esta medida, visto que agora é ainda mais necessária?
A tarifa social, efetivamente, foi sempre uma prioridade. Nós vertemo-la também no Plano de Ação para a Transição Digital. É algo em que temos estado a trabalhar, à semelhança da transposição do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas — com o qual se relaciona diretamente, porque, na realidade, a tarifa social também está prevista no próprio código e houve aqui alguma interdependência entre os dois temas, sobre a opção de fazer esperar pelo código no seu conjunto, que também resolveria ou não o tema da criação da figura da tarifa social de internet. A opção que entretanto se tomou foi a de avançar de forma totalmente destacada, autónoma, sem prejuízo de, depois, o código poder subsumir essas normas e incluí-las em termos de quadro legislativo mais amplo.
Então, já está definido que vão ser duas medidas diferentes?
Neste momento, o que estamos a trabalhar é no ultimar de um diploma que funcionará de forma autónoma que criará a tarifa social de internet, de forma destacada face ao Código Europeu das Comunicações Eletrónicas.
O que é que chegará primeiro? Um ou outro? Diria que a tarifa social.
Eu julgo que a tarifa social. A ideia de destacarmos tem a ver com isso, com a ideia da urgência da tarifa social. Mas atenção a uma coisa: a tarifa social depende apenas de iniciativa legislativa do Governo. O código europeu implica um processo parlamentar que, naturalmente, é alheio em termos de timings àquilo que é o controlo do Governo.
Estamos a ultimar um diploma que funcionará de forma autónoma e que criará a tarifa social de internet, de forma destacada face ao Código Europeu das Comunicações Eletrónicas.
O que me pode dizer sobre a tarifa social? Vai levar a descontos de quanto e que condições estarão associadas?
Isso não lhe posso dizer neste momento. Está em fase de produção legislativa e por natureza é um processo que está abrangido por sigilo. Está a decorrer essa definição e as opções técnicas que estamos a fazer estão agora a ser desenhadas. Naturalmente que já há muito trabalho feito. Já fizemos benchmarking internacional. Conhecemos o que são algumas práticas de alguns países que já avançaram com este tipo de solução e, portanto, o que estamos a fazer é, com base nessa incorporação de informação, fazer o desenho de uma solução portuguesa.
Beneficiar da tarifa social será significativo para uma família, ou será um desconto de poucos euros na fatura? Será suficientemente relevante para fazer a diferença ou não?
O objetivo de fundo — e para mim é a única coisa que faz sentido — é que a tarifa social permita que o acesso à internet se configure como um serviço de base universal e que, de facto, ninguém fique excluído do acesso ao mundo digital por vulnerabilidade económica. Esse é o pano de fundo que justifica a criação de uma tarifa social e por isso é que ela se chama social. É exatamente garantir que alguém que não tenha a capacidade de rendimento mínima fique impedido por essa via de ter acesso ao mundo digital. O que temos de garantir e daí a relativa complexidade deste processo — e demorar mais tempo do que nós desejaríamos — é que é preciso encontrar um mecanismo que, sendo sustentável, seja simultaneamente suficientemente relevante para trazer essas pessoas que à partida não estão a beneficiar deste tipo de serviço para dentro do sistema.
Só abrangerá internet também? Julgo que não abrangerá outro tipo de serviços, como os pacotes de telecomunicações.
Está ainda em definição.
Ou seja, pode vir a abranger.
Não confirmo nem desminto isso, porque, honestamente, não lhe posso dizer, porque essa decisão ainda não está tomada.
“Abdicar do 5G no curto prazo seria condenarmo-nos a prazo”
Faz falta um serviço universal de banda larga, como o que foi proposto pela Anacom? Ou a tarifa social exclui a necessidade desse serviço universal?
A tarifa social pretende exatamente responder ao gap [lacuna] da população que, à partida, não teria condições para o adquirir.
Mas o serviço universal responde à questão do ponto de vista da infraestrutura. Seria uma lógica de: se alguma zona do país não tem internet, há uma operadora que é responsável por lá a ir instalar.
O Sr. Ministro da Economia reiterou na Assembleia da República que o que queremos garantir é, de facto, a universalização da cobertura móvel para todo o território nacional e ter toda a população em 4G; depois, do ponto de vista de 5G, que ele esteja focado naquele tipo de infraestruturas que são passíveis de tirar partido de todo o potencial do 5G. Pelo menos para os primeiros anos de implementação. Portanto, a preocupação com essa universalização é um facto e também estamos a trabalhar a várias frentes com a Anacom no sentido de criarmos as ferramentas de monitorização da cobertura efetiva em termos de oferta de serviço móvel.
O leilão do 5G já passou a marca dos 300 milhões de euros. Como é que interpreta esse número? Significa o quê?
Significa que o mercado de 5G é um mercado em que os operadores também acreditam que tem potencial e que ninguém quer ficar para trás neste processo, porque há a noção de que, a prazo, será a tecnologia dominante. Não é razoável pensarmos que algum operador possa abdicar de ter acesso a este tipo de frequência, porque é a que lhe permite manter um serviço de nova geração que, em pouco tempo, em poucos anos, estamos certos de que será democratizado e generalizado.
É essencial que quem quer ter um papel e uma quota de mercado significativa tenha de facto a capacidade de ter acesso a estas frequências que permitem disponibilizar um serviço de 5G.
Vamos ter novas empresas no setor.
Temos de esperar pelo fim do leilão para saber o que vai acontecer.
O 5G é visto como crítico para a competitividade, mas ainda é uma tecnologia relativamente embrionária. Faz assim tanta falta nesta fase?
Em todos os processos de inovação, é sempre preciso trabalhar em duas frentes. É preciso trabalhar naquilo que são as tecnologias ou os processos que já estão mais ou menos estabilizados, como o 4G, e em relação a isso o que queremos é promover a sua universalização.
Mas não podemos perder de vista aquilo que são as novas gerações de serviços ou de produtos, porque sabemos que é ali que reside uma vantagem competitiva em termos de posicionamento de mercado e de competitividade nacional. Portugal foi sempre apontado como um país de vanguarda em termos de oferta de serviços de telecomunicações e de infraestruturas e não queremos perder esse estatuto. Abdicar de ter um 5G no curto prazo com um nível de maturidade que todos queremos e com operadores com capacidade quer de investimento quer de disponibilização de serviços seria condenarmo-nos a prazo a não sermos competitivos como temos sido até aqui nesta matéria.
Mas já estamos atrasados. Somos o quarto país da UE que ainda não tem.
Aí temos que ter atenção. Os dados que temos a nível europeu revelam diferentes estadios, mas que, em alguns casos, há alguma perceção de que, só porque acabou o leilão, o serviço já está disponível. Às vezes há aqui subtilezas no que é forma como cada país se promove internacionalmente, dizendo que é o seu estadio efetivo. Diria que não estamos a ser líderes nesta matéria, mas não estamos também na cauda. Estamos a meio da tabela, diria.
Acredita que os números podem estar empolados de alguma maneira por a perceção que se tem…
Acredito que, no facto de a curtíssimo prazo ser possível em Portugal termos ofertas comerciais de 5G, vai-nos colocar em paralelo com aquilo que são os países mais avançados nesta matéria.
Diria que não estamos a ser líderes nesta matéria do 5G, mas também não estamos na cauda. Estamos a meio da tabela.
Fundo que vai gerir receitas do 5G ainda sem estratégia definida
Já está decidido quem vai gerir o fundo para a transição digital?
Isso está previsto na própria Resolução do Conselho de Ministros [que define a estratégia nacional para o 5G].
Não terá um gestor? Queria personificar.
O que está decidido e foi vertido na Resolução do Conselho de Ministros é que será alocado ao apoio à transição digital naquilo é o potenciar de algumas respostas e a capacidade de nós, por outro lado, minimizarmos alguns impactos negativos. Nomeadamente, apostando em, desde capacitação à aceleração da transição digital, seja ao apoio a algumas iniciativas que consideramos emblemáticas. Não existe ainda nenhuma estrutura formal, nenhuma entidade designada para o efeito.
Mas quem poderá ficar?
Essa decisão não está tomada.
Para além dos 300 e “x“ milhões que virão do leilão do 5G, o Estado poderá reforçar a verba para o fundo?
O Estado pode sempre reforçar, se considerar que isso faz sentido. Ainda não está sequer definido no que é que se vai gastar o produto do leilão neste fundo da transição digital, ainda não estão definidas as iniciativas em concreto. Terão depois de ser conjugadas com aquilo que será o investimento do Plano de Recuperação e Resiliência e há aqui uma panóplia de fundos de financiamento da transição digital que têm de ser articulados. Esse é o trabalho que tem de se fazer.
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Tarifa social vai dar desconto “relevante” na fatura da internet
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