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“Há uma falta de cultura democrática e liberal muito grande”

Carlos Moreira da Silva está amargurado com o país que não sai da 'cepa torta' e com os temas capturados pelo BE, PAN e PCP, por isso quer o +Liberdade a promover o conhecimento e literacia económica.

Carlos Moreira da Silva é empresário, acionista de referência da BA Glass, e um dos promotores do instituto +Liberdade. “Assisto, tenho que dizer passivamente, a uma socialização do Estado e a um reforço de poder do Estado sobre os indivíduos e sobre as empresas. E assisto, já tínhamos visto isto no tempo do governo de Sócrates, ao despudor, ao assalto deste Governo aos reguladores independentes que deveriam ser o garante da Democracia e das liberdades”, afirma Carlos Moreira da Silva no “Spes Libertatis”, um ciclo de conversas do +Liberdade, conduzidas pelo economista e gestor Ricardo Luz.

Crítico do estado do país — “há muito tempo que vivo amargurado com a falta de desenvolvimento de Portugal. Não saímos da ‘cepa torta’ e todos os outros países da União Europeia continuam a evoluir, a progredir, mais depressa do que nós” –, Moreira da Silva recorda o papel de Belmiro de Azevedo, com quem trabalhou durante anos. “O eng. Belmiro de Azevedo criou muitos empresários, que saíram da Sonae para desenvolverem negócios, transformaram-se empresários no sentido de criar riqueza, que é uma coisa que a sociedade portuguesa, muito por culpa de quem nos lidera em geral, e não estou a falar só do PS, acho que há uma veia estatizante e concentradora em Lisboa de todos os partidos que têm estado no Governo, e os que não têm estado, e estão de lado, no ‘side-car’, ainda são piores. Há uma falta de cultura democrática e liberal muito grande em Portugal“.

Foi esta cultura estatizante que o fez promover a fundação do Instituto +Liberdade. O empresário conta a história do instituto (o ECO é o parceiro de media). “A crescente falta de liberdade política e quase ausência de liberdade económica não me satisfazem, mas muito possivelmente esta minha amargura não me levaria até à génese do instituto +Liberdade. Para isso, foi crucial uma conversa muito inspiradora com o Carlos Guimarães Pinto [diretor executivo do instituto], com a participação do Gonçalo Mendes, que nos apresentou, que propiciou uma primeira conversa, em julho do ano passado“, revela. Mais tarde, já com Luís Amaral (empresário dono do Eurocash na Polónia) e Pedro Santa Clara, deram “‘fogo à peça’,”, recorda, “assumindo os recursos humanos e financeiros necessários para dar três anos de tempo para que o +Liberdade se afirme e se estabeleça e que possa ser reconhecido como um contribuinte para darmos mais liberdade e desenvolvimento a Portugal”.

A liberdade económica é uma preocupação de Carlos Moreira da Silva. A propósito das ordens profissionais, muitas delas a desempenharem o papel de sindicatos, o empresário cita o mau exemplo das associações empresariais. “A dependência do Estado é que leva a isso. Se houver mais liberdade no funcionamento da sociedade, menos dependência do Estado, isso altera muito a forma da sociedade se organizar. Vivi uns anos em Inglaterra e aprecio muito a forma de organização had-hoc da sociedade… em Inglaterra há uma única organização empresarial que representa todas as empresas, isso em Portugal infelizmente não existe… isso também não é bom para o Governo, porque tem muitos interlocutores que têm perspetivas setoriais“.

O futuro do +Liberdade? Isto vai demorar algum tempo, fazer estudos com profundidade e que acrescentem ao conhecimento que a sociedade pode ter de determinados assuntos é um aspeto muito importante. Infelizmente, por inabilidade da direita portuguesa, até do centro e do centro-esquerda, a maior parte dos temas estão capturados pelo BE, pelo PAN e pelo PCP, e isso vê-se nas universidades.

Carlos Moreira da Silva

Parece-me importante que, numa sociedade, os empresários e empresas tenham uma voz única em relação às liberdades de funcionamento da sociedade e que são gerais a todas o tipo de atividades, a promoção do empreendedorismo, o não estar estar dependente de subsídios… Parece-me muito bem que o governo crie incentivos, mas esses incentivos não devem ser subsídios a fundo perdido, devem ser estímulos para que os empresários vão nessa direção, com os seus meios, ajudando-os com aquilo que eles próprios criem“, afirma o empresário e acionista da BA Glass.

Nesta conversa com Ricardo Luz, o empresário recorda como saiu do grupo Sonae e foi para a Barbosa & Almeida. “Numa conversa, disse-lhe que queria sair… ele não achou bem… mas um dia, quando estava de saída, disse-me, num domingo de manhã, que se fosse para a Barbosa & Almeida compraria a empresa”.No BPI há este dossiê e tens até às dez da noite para me dizer ‘sim’ ou não’, e só me podes dizer ‘sim’“, disse-lhe Belmiro de Azevedo. “Aceitei, já com o objetivo de ter uma posição acionista, que ele aceitou como promoveu“, lembra. O resto é história. Com vendas próximas de mil milhões de euros, a BA Glass alcançou lucros de 148 milhões de euros em 2019, mais 50,1% do que em 2018. O EBITDA (lucros antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) foi superior a 300 milhões. As contas de 2020 ainda não foram reveladas.

No caso do eng. Belmiro de Azevedo, havia uma importância muito grande a que nós assumíssemos riscos… e isso é que forma o empreendedor“, afirma Carlos Moreira da Silva. “O ‘empreender’ tem uma dimensão diferente da gestão. É muito importante que os empreendedores saibam gerir, mas é mais importante que saibam empreender, que saibam arriscar, que sejam capazes de captar as tendências, o que não está satisfeito no mercado e ir de encontro à satisfação dessas necessidades”. E neste contexto, faz uma afirmação que o próprio admite ser “bruta”: “Quem vai para as empresas de consultoria, os melhores, os mais bem preparados, os mais inteligentes, e o que lhes digo é que se ficam lá muito tempo estragam-se… não arriscam. Promover esse empreendedorismo interno é uma parte muito importante dessa cultura” que havia na Sonae.

Eu tive mais sorte do que muita gente que é melhor do que eu, portanto tenho que dar de volta parte do que ganhei, e não é só dinheiro, é envolvimento ou é patrocinar causas que nos parecem importantes para o desenvolvimento da sociedade. Há cada vez mais iniciativas desse tipo, houve uma alteração…“, admite o empresário. Carlos Moreira da Silva assinala que Belmiro de Azevedo era um caso excecional ao seu tempo. “Há mais pessoas que o fazem, e há uma tendência… no tempo do eng. Belmiro de Azevedo isso era uma exceção absoluta, ele é quase único, mas temos o caso Champalimaud e a promoção da fundação, a própria Gulbenkian, e há coisas de menor dimensão também muito importantes, em que os empresários começam a ter uma herança… isto é uma herança anglo-saxónica, em que as pessoas sentem responsabilidade, porque tiveram muito sucesso mas tiveram muita sorte”.

Carlos Moreira da Silva inclui neste “devolver à sociedade” a criação do +Liberdade. E o futuro? “Isto vai demorar algum tempo, fazer estudos com profundidade e que acrescentem ao conhecimento que a sociedade pode ter de determinados assuntos é um aspeto muito importante. Infelizmente, por inabilidade da direita portuguesa, até do centro e do centro-esquerda, a maior parte dos temas estão capturados pelo BE, pelo PAN e pelo PCP, e isso vê-se nas universidades”.

Por isso, diz Carlos Moreira da Silva, “o +Liberdade tem aí um grande desafio, aumentar o conhecimento, quer na literacia económica que é crítica nas decisões coletivas, mas é também crítica noutros domínios, na sustentabilidade, na exclusão, na pobreza, criar conhecimento e editar conhecimento nestes temas, espero que venha a contribuir para uma sociedade mais informada e mais liberal”.

Há outro think-tank português, antigo, que está mais ou menos fora de combate, que é a SEDES… teve um papel muito importante, no seu tempo, se o +Liberdade souber conquistar esse tipo de espaço, terá êxito“, antecipa o empresário e presidente do Conselho de Curadores do instituto.

Nota: O vídeo na íntegra desta conversa estará disponível no site do +Liberdade, que pode aceder aqui.

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