Todos concordam que EDP não podia usar benefício fiscal, mas BE e PSD desconfiam que o fez
O polémico artigo 60.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais continua no centro da polémica da venda das barragens da EDP. Os partidos dizem que não podia ser usado, mas desconfiam que foi. AT analisa.
O Governo, o PSD e o Bloco estão de acordo numa coisa: a EDP e a Engie não podem recorrer ao polémico artigo 60.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), alterado no Orçamento do Estado para 2020 (OE 2020), para terem isenção de imposto de selo no negócio das barragens do Douro firmado por 2,2 mil milhões de euros. Contudo, o PSD e o Bloco desconfiam, tal como revelava a notícia do Correio da Manhã, que a empresa justifica o não pagamento de impostos com esse benefício fiscal. Neste ponto, o Executivo não abre o jogo, remetendo a questão para a Autoridade Tributária, a qual já começou a analisar a operação.
Foi um longa e acesa audição que decorreu esta terça-feira no Parlamento: de um lado, o ministro das Finanças, o ministro do Ambiente e o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais; do outro lado, a deputada do Bloco, Mariana Mortágua, e o deputado do PSD, Afonso Oliveira — os dois partidos mais vocais na crítica a este negócio, na ótica fiscal. O Governo acusou diversas vezes os deputados de dizerem “inverdades” e criticou as “julgamentos precipitados”. Já os deputados criticaram o Executivo pela inação neste processo e pela falta de respostas.
Mas houve um ponto em que acabou por haver concordância entre praticamente todos: o polémico artigo 60.º do EBF não pode ser utilizado pela EDP ou a Engie para evitar o pagamento do imposto do selo. Mortágua reconheceu que a isenção fiscal do artigo 60.º, na qual o seu partido se absteve no OE 2020, não se aplica ao trespasse de concessão de barragens, mas alegou que “o problema é que a EDP está a simular uma reestruturação empresarial com neutralidade fiscal” e, assim, a tentar beneficiar desse artigo. Afonso Oliveira também disse que a “EDP não pode alegar” o artigo 60.º. Ambos questionaram o Governo sobre se era isso que a EDP estava a fazer, mas não obtiveram resposta uma vez que o Executivo argumenta que não pode comentar casos em específico nem sobrepor-se à Autoridade Tributária.
Ainda assim, António Mendonça Mendes congratulou-se com o facto de os partidos reconhecerem que a alteração do OE2020 não foi feita à medida do negócio da EDP e garantiu que, em abstrato e de forma geral, “se alguém quiser invocar o artigo 60.º [na transmissão de uma concessão] está errado [porque] não há nenhuma isenção de imposto de selo” nesses casos, explicando que esse tipo de transação está enquadrado noutro artigo da lei fiscal em que é devido imposto. “Estamos mais de acordo do que aparenta uma discussão contaminada por pequenos soundbytes“, disse, dirigindo-se a Mortágua e reforçando a ideia de que o fisco vai atuar e recuperar o imposto devido caso tenha existido planeamento fiscal agressivo, utilizando nomeadamente as cláusulas antiabuso.
Quanto ao PSD, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais passou ao ataque, reagindo à proposta avançada pelos social-democratas de repor a versão anterior do artigo 60.º. O próprio partido admitiu durante a audição que, na prática, uma vez que acha que este não se aplica à EDP, a revogação não teria efeitos práticos em negócios semelhantes. Porém, segundo Mendonça Mendes, na realidade o que o PSD está a propor é a “isenção de um imposto que já não existe”, o qual tinha sido revogado no Orçamento de Estado de 2010. E acrescentou que a redação anterior iria “favorecer os grandes grupos” em vez de facilitar a reestruturação das pequenas empresas. Afonso Oliveira já não teve oportunidade de responder uma vez que esta acusação foi feita na última ronda de perguntas e respostas.
Chegados aqui, ainda não se sabe se a EDP usou esse artigo para concluir, como disse o seu CEO no Parlamento, que não tem de pagar impostos relativamente à venda da concessão de seis barragens do Douro à Engie por 2,2 mil milhões de euros. “O imposto do selo não é devido por lei. Tal até resulta de uma Diretiva Europeia que impede a aplicação de imposto do selo a operações como esta“, disse Miguel Stilwell, no Parlamento, numa audição sobre o tema, afirmando que esta “era a única forma de assegurar a venda” e argumentando que o próprio fisco entende que não há impostos envolvidos, com base numa decisão de 2019 relativa à Iberdrola.
No domingo, o Correio da Manhã noticiou que o negócio estava sob investigação da justiça e que, apesar de a alteração ter sido para as operações de reestruturação e não para a transmissão de concessões (que continua a pagar imposto de selo), a “EDP defende que a venda das barragens se tratou de uma verdadeira reestruturação e não um trespasse de concessão”. O veredicto final está nas mãos da Autoridade Tributária com a análise ao negócio já a decorrer. “A senhora Diretora Geral da AT acabou de me informar que os serviços já se encontram trabalhar nesta matéria, estando em fase de recolha de elementos preparatórios para que possam promover as ações necessárias, no tempo e no modo adequado, à eventual liquidação de impostos devidos”, disse João Leão na audição.
Caso o fisco conclua que a EDP ou a Engie devem pagar impostos que não liquidaram, poderão ser acionadas as famosas cláusulas gerais antiabuso, cujo regime foi mudado no início de 2019 para dar maior cobertura à ação da Autoridade Tributária contra o planeamento fiscal agressivo ou abusivo. Mendonça Mendes revelou no Parlamento que as cláusulas antiabuso já foram acionadas 113 vezes, mas não disse qual foi a taxa de sucesso. O Bloco teme que, mesmo com esta ferramenta nas suas mãos, a AT não consiga reaver o imposto devido pelo negócio das barragens.
Helena Borges, diretora-geral da Autoridade Tributária, deverá em breve ter oportunidade de esclarecer os deputados sobre esta análise uma vez que o PS anunciou que ia entregar um requerimento para a chamar ao Parlamento. Segundo o deputado socialista João Paulo Correia, caso o fisco chegue à conclusão que houve abuso no planeamento fiscal da EDP e da Engie, o imposto do selo a cobrar pode subir dos 5% para os 15% para penalizar as empresas.
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