A insustentável fragilidade europeia
Muito antes de nos preocuparmos com rivais para o Facebook, temos é de produzir chips de computador, aplicações de inteligência artificial e sistemas de cibersegurança com chancela europeia.
O recente ataque ao Microsoft Exchange voltou a expor a necessidade de ter uma posição geopolítica integrada no que toca à cibersegurança. A Autoridade Bancária Europeia foi uma das poucas vítimas que admitiu publicamente tê-lo sido, mas está longe de ser a única. Outras entidades da União Europeia foram atacadas e na lista pode até incluir-se o Parlamento e a Comissão, que utilizam o Exchange e não recorre à cloud para guardar grande parte da documentação dos deputados. Mas o risco é imensamente maior: só no espaço da União Europeia, estão em causa sistemas de centenas de milhar de entidades. Estas ficam completamente na mão dos hackers – que começaram por ser de origem chinesa mas já se estenderam a pequenas e médias organizações criminosas que exploram as fragilidades divulgadas. Mesmo com a atualização de segurança, é muito possível que os ataques se prolonguem no tempo – porque os hackers instalam rotinas que se mantêm mesmo depois dessa atualização e podem ser quase impossíveis de encontrar.
A atual Comissão Europeia assumiu-se como essencialmente geopolítica. E um dos seus temas preferidos tem sido a resiliência, ou seja, a necessidade de se tornar um bloco independente em muitos produtos essenciais. Isto faz todo o sentido a vários níveis, especialmente tendo em conta que a indústria automóvel elétrica europeia depende a 100% das baterias chinesas, que não há chips de computador europeu a serem produzidos em quantidade relevante e que setores como a robótica e a inteligência artificial estão na mão de empresas americanas e chinesas. Mas é ainda mais premente no que toca à cibersegurança, área em que a Europa joga sempre à defesa – e em que uma vitória equivale a derrotas por margens mínimas.
Com exércitos de hackers devidamente suportados pelos seus estados, China e Rússia entretêm-se a explorar as debilidades que o modo de vida europeu permite: a liberdade de expressão facilita a criação de campanhas de desinformação e a liberdade de atuação económica abre brechas que são rotineiramente exploradas pelas empresas concorrentes noutros blocos.
O escândalo Solarwinds já tinha exposto estas fragilidades, e este ataque ao Exchange só vem confirmar a gravidade da situação atual. Para o futuro da União, é imperioso impedir a violação rotineira da propriedade intelectual e a fragilização do sistema democrático graças a campanhas orquestradas a partir de blocos concorrentes. A Agência Europeia de Cibersegurança foi criada em 2004 mas ainda não tem músculo suficiente para influenciar decisivamente as políticas da União. E isso nota-se especialmente nestas questões de segurança e de soberania digitais, temas que são praticamente ignorados pela atual geração de que determina a decisão política.
Quaisquer discussões sobre um possível exército europeu são apenas entretenimento, especialmente quando as ameaças reais decorrem no digital. E aí a Europa cumpre o seu papel de idiota útil, ficando à mercê de espionagens diversas e vulnerabilidades avulsas. Qualquer fraqueza a nível da cibersegurança pode ser explorada económica e militarmente, e russos e chineses não deixam de aproveitar as oportunidades que Bruxelas e as capitais europeias lhes dão. Mesmo em situações tão óbvias como o 5G, a inércia – e o medo de afrontar o poderio chinês – acabam por repetir o padrão de fragilidade europeu. Esboçar qualquer espécie de cooperação com Pequim nestes moldes implica sempre começar com o estigma da derrota.
Ler mais: O novo normal da geopolítica é o tema que ocupa este Hacker and the State. O autor, Ben Buchanan, dedica-se a temas de cibersegurança e inteligência artificial, tendo feito o doutoramento de Estudos de Guerra em Londres.
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