O bom, o mau e o Ticão
Não defendo que Ivo Rosa é um ótimo juiz e não defendo que Ivo Rosa sabe aplicar melhor a lei que outros tantos magistrados.
Para os mais desatentos (muito desatentos!), a Operação Marquês voltou à ribalta ao longo desta semana. Aquilo que na sexta-feira será anunciado é apenas e só o juiz de instrução a dizer se os arguidos vão ou não a julgamento e por que crimes. Se pronunciar os arguidos não os está a condenar, pois ainda nem sequer houve julgamento. Se não confirmar a acusação, o Ministério Público poderá recorrer para o Tribunal da Relação. Portanto, esta decisão não será nem uma condenação nem uma absolvição definitiva.
A verdade é que todo este frenesim destes dias à volta do processo mais mediático da Justiça portuguesa (porque o é, devido ao outrora animal feroz ser o principal arguido) não se compreende. Mas para os mais desatentos, o ECO publicou esta semana uma notícia – no contexto do novo Plano Anticorrupção 20220-2024 anunciado pela ministra da Justiça Francisca Van Dunem que cai que nem uma cereja neste contexto. Mas sobre essa intenção da titular da pasta de Justiça não se escrevem opiniões nem se fazem follow up’s nem tão pouco textos informativos que se confundem com opinião.
Mas vamos por partes. Ao longo destes dias, muitos opinadores, magistrados do Ministério Público, advogados especialistas (são tantos!), outros comuns mortais muito pouco entendidos no que à prova indireta toca e até, imaginem, jornalistas, decidiram demonstrar os seus medos perante o facto desta mesma instrução estar a cargo de Ivo Rosa. Como se o facto do nome do juiz fosse sinónimo de “livrar esses trafulhas privilegiados” de uma condenação. Os mesmos trafulhas que têm imenso dinheiro para pagar honorários milionários aos advogados dos grandes escritórios da nossa praça e, com isso, interpor recursos ad eternum (sarcasmo, mais uma vez). Isto porque este senhor juiz de instrução não tem a “coragem” (palavras de outros, não minhas) do outro juiz de instrução no chamado Ticão: o afamado justiceiro Carlos Alexandre que, à custa de um sorteio, ficou afastado desta mesma instrução.
Ora: dos anos que tenho disto, quero acreditar que poucos, tento explicar aos nossos leitores que uma condenação, uma acusação ou uma pronúncia não são sinónimos do ‘faça-se justiça’, que não são necessariamente sinónimos de que a Justiça está a funcionar. Esse é um erro crasso que tantas vezes se ouve por aí e que me leva a pensar que se calhar muitos de nós deveriam ter-se dedicado a estudar direito e não a tirar o curso de bitaitice ou da demagogia. A Justiça faz-se quando se condena perante provas irrefutáveis, pois é suportada por um princípio fundamental do ‘in dubio pro reo‘. A Justiça também funciona quando, perante dúvidas, mais vale absolver um culpado do que condenar um inocente. Com isto, não defendo que Ivo Rosa é um ótimo juiz, não defendo que Ivo Rosa sabe aplicar melhor a lei que outros tantos magistrados, mas ainda menos defendo que, se na sexta-feira, Ivo Rosa decidir não pronunciar José Sócrates, Ricardo Salgado, Zeinal Bava, Armando Vara ou mesmo Henrique Granadeiro, isso faz dele um juiz ‘comprado’, ‘submisso’ ou ‘pouco corajoso’. Porque recuso-me a achar que percebo muito disto (sendo o ‘isto’ a aplicação da lei ao caso concreto). Sou jornalista. Não sou pró nem a favor de Carlos Alexandre, não sou pró nem a favor de Ivo Rosa. Sou e somos apenas o veículo que transmite os factos.
Porém, sendo este um artigo de opinião, volto ao ponto em que larguei há pouco. A ministra da Justiça foi, pelo menos, original e reformista ao tentar, através da tal Estratégia Anticorrupção, que seja discutido e alterado o modelo do Ticão, que atualmente apenas conta com o juiz ‘bom’ e o juiz ‘mau’: Ivo Rosa e Carlos Alexandre ou Carlos Alexandre e Ivo Rosa. Um juiz tem de trabalhar com o que tem: a prova. E não com ideologias, convicções ou preocupação excessiva com o que nós, os bandalhos dos jornalistas, escrevem sobre as suas decisões e as suas personalidades. Francisca Van Dunem quer uma solução tão básica e óbvia quanto isto: aumentar o quadro de magistrados do Tribunal Central de Instrução Criminal, onde vão parar os processos mais complexos e mediáticos. E esta, hein?
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