Défice de 2,3%? O seu a seu dono
Nesta trajectória, sem precedentes na história orçamental portuguesa, constata-se que 92% do esforço de consolidação foi realizado pelo anterior Governo.
De acordo com a síntese publicada a 27 de Janeiro de 2017, a execução orçamental das Administrações Públicas registou até Dezembro de 2016 um défice de 4.255,7 milhões de euros. De acordo com a informação do Ministério das Finanças, o défice em contabilidade nacional não deverá ultrapassar 2,3% do PIB em 2016, o que, a acontecer, poderá criar as condições para Portugal sair do procedimento por défice excessivo (PDE).
Este anúncio terá ainda que ser confirmado pelo Instituto Nacional de Estatísticas e, posteriormente, pelo Eurostat. No entanto, o mesmo é suficiente para suscitar um debate, pelo menos de forma preliminar, sobre o passado, o presente e o futuro das finanças públicas em Portugal.
A primeira questão é a de saber se não teria sido possível sair do PDE logo em 2016, tendo em conta o défice de 2015 sem ajudas ao sector financeiro. No dia 25 de Novembro de 2015, último dia em funções do anterior Governo, tudo apontava para o défice de 2015 viesse a ser bem inferior a 3%. No entanto, nos 35 dias que se seguiram até ao fim do ano, já com a geringonça ao leme, o défice de 2015 acabou por fechar, convenientemente, nos 3,03%! Nem mesmo depois do relatório do OE para 2017 ter reconhecido que o défice de 2015 tinha ficado, afinal, nos 2,98% do PIB, o Ministério das Finanças se empenhou seriamente na saída do PDE em 2016. O actual Governo até poderá ter beneficiado politicamente com este adiamento. O país perdeu seguramente um ano em credibilidade e reputação externas.
O segundo ponto que me parece relevante analisar prende-se com a trajectória de consolidação orçamental. E com o esforço que foi necessário empreender para atingir os resultados recentemente anunciados. Em 2010, durante a última fase do Governo de José Sócrates, o défice atingiu 11,2% do PIB. Em 2015 o défice foi reduzido para 2,98%, estimando-se que atinja os 2,3% em 2016. Isto significa que no período de 6 anos, o défice em Portugal foi reduzido nuns impressionantes 8,9 pontos percentuais. Nesta trajectória, sem precedentes na história orçamental portuguesa, constata-se que 92% do esforço de consolidação foi realizado pelo anterior Governo e apenas 8% foi concretizado pelo actual Executivo. Não desvalorizando a “last mile”, urge reconhecer que esta evolução se deve, essencialmente, às medidas difíceis e exigentes que foram adoptadas entre 2011 e 2015, quer do lado da despesa, quer do lado da receita, e que permitiram pôr ordem nas contas públicas.
Um último ponto para sinalizar que esta evolução representa o triunfo do conservadorismo orçamental na vida política portuguesa. Grande parte dos actuais protagonistas políticos, principalmente os de esquerda, ainda vivem influenciados pela narrativa de que “há mais vida para além do défice” e pela pressão para aumentar a dimensão do Estado. O equilíbrio das contas públicas deve ser um objectivo prioritário da condução política, não por imposição externa, mas porque gastar menos do que se arrecada é um princípio básico de boa governação. E porque só numa situação de excedente orçamental poderá o sistema fiscal deixar de visar, sobretudo, a satisfação das necessidades financeiras do Estado, para passar a desempenhar um papel mais preponderante na competitividade e internacionalização da economia portuguesa.
Nos últimos 40 anos, Portugal foi obrigado a pedir três resgastes internacionais, todos eles motivados por desequilíbrios das contas públicas. Num momento em que surgem renovadas dúvidas nos mercados sobre a credibilidade do Estado português para honrar os seus compromissos internacionais, a gestão das contas públicas deve ser marcadamente conservadora. Qualquer decisão de aumento da despesa pública pode pôr em causa a sustentabilidade do país. Será que a geringonça, apoiada no parlamento por partidos de extrema esquerda, alguma vez perceberá isto?
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