“Vamos fazer tudo o que possamos para compensar esta situação crítica”, diz Ramiro Sequeira

CEO interino da TAP garante que a empresa está confortável financeiramente até à aprovação do plano de reestruturação. Mas se houver mais ajuda associada à Covid-19 poderá vir a pedir.

A ajuda intercalar à TAP já foi aprovada na Comissão Europeia, mas o plano de reestruturação ainda espera luz verde das autoridades europeias. O CEO interino Ramiro Sequeira diz, em entrevista ao ECO, que não há nenhum entrave nas negociações, que estão num “bom caminho”, mas poderão ficar finalizadas apenas em junho.

Enquanto esse passo não for dado, a companhia aérea irá sobreviver com a compensação pelas restrições associadas à primeira vaga de Covid-19, aprovada na sexta-feira (já depois da entrevista). Se Bruxelas abrir novo apoio semelhante para o segundo confinamento, a TAP admite recorrer devido à “situação crítica” que vive.

O gestor não exclui que Bruxelas peça remédios na aprovação do plano, mas alerta que os slots são um “bem precioso” que é preciso preservar. E sublinha que já estão a ser aplicadas medidas do plano, em particular a saída de milhares de trabalhadores. Ramiro Sequeira rejeita as acusações dos sindicatos de que há pressões internas que colocam em causa a segurança dos voos, mas admite que se vive um momento “difícil” e de “incerteza” dentro da empresa.

A TAP acaba de apresentar o pior resultado de sempre. Como se explicam estes prejuízos? É tudo pandemia?

Diria que é, sem nenhuma sombra de dúvidas, maioritariamente pandemia. Não somos um caso isolado. Penso que todas as indústrias, mas em concreto a da aviação e do turismo, são as mais afetadas. Se olharmos para as nossas congéneres e para a nossa concorrência tiveram resultados na dimensão dos nossos. Ou seja, ajustando à dimensão de cada empresa, podemos ver que realmente quando há um shutdown logo no início de 2020, perdeu-se praticamente todo o ano. E principalmente o verão. É complicado recuperar, sendo que essa recuperação não se efetivou.

Pensávamos que este ano já íamos estar muito melhor e isso não aconteceu. Nos primeiros dois meses do ano, estávamos com uma maior percentagem — cerca de 13% a 15% a mais — de passageiros e voos. Portanto, estávamos a começar o ano (versus 2019) com uma maior capacidade. Achávamos que íamos poder recuperar algo do resultado de 2019. Mas, infelizmente, quando não há indústria com tantos custos, toda a produção pára e, inevitavelmente, o resultado associa-se à pandemia.

Este segundo confinamento está a ser pior do que o primeiro?

Este segundo confinamento teve um impacto muito similar até ao início da pandemia, porque nós operámos em janeiro e fevereiro cerca de 7% a 10% do que deveria ter sido esse ano. E, portanto, se pararmos para pensar, estamos hoje na mesma situação. Mas a TAP está numa situação particularmente difícil, no sentido em que a nossa receita depende muito do mercado brasileiro e norte-americano e, inevitavelmente, o mercado brasileiro esteve fechado nestes últimos tempos e o norte-americano com muitas restrições.

Estamos numa situação até um pouco mais desafiadora porque a nossa concorrência, excetuando eventualmente a Iberia — que acaba por ter um mercado similar ao nosso e não alavanca tanto o mercado no Brasil — tem outros mercados, em concreto o oriental, que dá outras oportunidades de negócio e de recuperação. Agora, a TAP sempre dependeu e depende muito do Brasil e dos Estados Unidos e esses dois mercados praticamente não existiram no início do ano.

Este confinamento foi duro deste ponto de vista. As companhias onde ganham mais dinheiro é na longa distância, porque o mercado de curta e média distância é muito mais competitivo, onde enfrentamos as low-costs e muitas outras empresas. Assim, onde vamos buscar mais a nossa receita estivemos completamente restringidos. Também sem esquecer muitas restrições em Angola, algumas espalhadas pela Europa… Foi um desafio muito grande neste confinamento, sem dúvida.

A TAP está numa situação particularmente difícil, no sentido em que a nossa receita depende muito do mercado brasileiro e norte-americano e, inevitavelmente, o mercado brasileiro esteve fechado nestes últimos tempos e o norte-americano com muitas restrições.

Ramiro Sequeira

CEO da TAP

No final de dezembro havia, sensivelmente, 520 milhões de euros em caixa. Qual é a situação atualmente?

Nós apresentámos agora as contas de 2020 e publicamos as contas semestralmente. As contas do dia a dia não as podemos comentar. Mas o que posso dizer é que, naturalmente, a TAP tem feito desde o primeiro dia da pandemia um exercício muito relevante e importante, tanto na contenção de custos, como em todas as oportunidades que possam surgir para originar receita. Por exemplo, no negócio da carga e até no ajustar da capacidade de ter o mínimo de voos para queimar o mínimo de caixa possível.

A TAP mostrou ser um porta-aviões com um tamanho muito grande, mas com uma grande flexibilidade. Conseguiu fazer curvas de 90 graus com muita facilidade. Adaptámos ao mercado da carga, à situação pandémica de fazer voos humanitários e de carga médica. Estamos a fazer todos os esforços para a TAP ser sustentável no médio e longo prazo, mas também no curto prazo. Isso não está em causa.

Até quando é que a TAP está confortável em termos de liquidez?

Neste exercício que estava a referir de contenção de caixa e gestão da tesouraria, temos o nosso plano para que isto possa coincidir ou com os 500 milhões de euros, que foram aprovados no Orçamento do Estado, ou com a ajuda intercalar que pedimos pelos danos no Covid no início da pandemia — cerca de 463 milhões de euros [que foi aprovada na sexta-feira]. Portanto, esperamos que uma dessas alavancas possa ser acionada. Temos a informação que estamos no bom caminho para as duas e até lá estamos a fazer tudo para ter tesouraria até um desses momentos acontecer.

A ajuda intercalar é referente ao primeiro confinamento. Há margem para ser pedida uma nova compensação Covid por causa do segundo confinamento?

Isso quem regula é a União Europeia e a Direção-Geral da Concorrência. Neste momento estamos a trabalhar só no sentido da primeira ajuda. Agora, se surgirem mais ajudas, claramente que teremos de analisar porque estamos numa situação crítica e tudo aquilo que possamos fazer para compensar esta situação crítica vamos fazê-lo. Mas neste momento estamos a trabalhar com a ajuda que é conhecida e que a maioria das companhias está a trabalhar, que é a primeira ajuda intercalar.

Esperamos que no final de maio, início de junho possamos ter alguma resposta. Continuamos a reiterar que o atraso não significa nenhuma dúvida em relação ao processo.

Ramiro Sequeira

CEO da TAP

O plano de reestruturação continua em Bruxelas. O que se passa para ainda não haver uma resposta?

Eu diria que o que se passa é o normal nestes processos. Há várias interações, há esclarecimentos que são pedidos, há análises adicionais que são pedidas, é um fluxo que eu diria normal e portanto, como já foi referido tanto por mim como pelo nosso chairmain [Miguel Frasquilho] e pelo ministro [Pedro Nuno Santos], esperamos que no final de maio, início de junho possamos ter alguma resposta. Continuamos a reiterar que o atraso não significa nenhuma dúvida em relação ao processo.

Continuamos a acreditar que entregamos um plano que é fiável, realista e que mais que um plano é também uma execução porque alguns dos itens que nós entregamos já os estamos a executar, ou seja, toda a renegociação com alguns fornecedores, a questão do pessoal, da redução da massa salarial… Já fizemos muito disso. Já conseguimos chegar a acordo com 14 sindicatos, que não é uma tarefa fácil, temos a empresa transversalmente com 25% de redução salarial e, dependendo da classe, alguns têm mais.

Portanto digo, o plano é extremamente importante e acreditamos e esperamos que seja aprovado até ao final do mês de maio ou início de junho. Isso não significa que ficamos parados? Não. Desde o primeiro momento tomamos à ação e continuamos a tomar.

Que pedidos já foram feitos pela Comissão Europeia? Foram levantadas dúvidas?

Não está a ser nada negociado, ou seja, a UE tem levando dúvidas nos diferentes capítulos. É um plano que tem cerca de 198 páginas, divididos em vários capítulos, e as interações são variadas. Diria que passa um bocadinho por todos os capítulos.

Várias companhias já viram os apoios públicos serem aprovados, incluindo com remédios no que diz respeito aos slots. Espera que a Comissão Europeia peça uma redução dos slots da TAP?

Há vários remédios estão previstos no plano. Não podemos esquecer que entregamos um plano que prevê uma redução de frota de 105 aviões para 88 de passageiros mais três de carga. Conta com uma redução da massa salarial anual entre 200 a 225 milhões de euros e uma revisão em cerca de mil milhões, até 2025, de contratos, lessors e fornecedores. É um trabalho contínuo.

Porque é que que se fala tanto nos slots? É um bem precioso. Podemos ter aviões, mas se não tivermos slots, os aviões não servem para nada. Nesse sentido existe uma tendência natural das empresas em querer proteger os seus slots. Os slots são históricos, têm regras para ser cumpridas. Se houver incumprimento do horário que foi dado, é retirado do histórico e portanto para o ano deixa de ter aquele slot. Há toda uma história à volta dos slots e por isso é que se fala tantos nos slots. É essa a importância que as empresas têm porque para terem voos precisam de ter esses slots.

Mas foi esse bem que foi pedido à Lufthansa e à Air France que perdessem…

Nesta fase que estamos a passar, já foram apresentados alguns desafios às nossas congéneres. A nós, neste momento, ainda não. É um dos capítulos que está a ser analisado, mas não há nenhuma conclusão de momento. Não lhe posso dizer que não vai acontecer nada ou que vai acontecer, está em conversações, estamos a analisar ainda.

A TAP tem que ter uma dimensão mínima e precisa de slots para manter o seu volume de negócios. Precisa de ter uma série de voos de curta e média distância para alimentar a longa distância e vice-versa. O fluxo principal é a média distância e curta a alimentar a longa distância. Para este modelo tem que haver uma dimensão mínima para que faça sentido, ou seja, que os horários que estão a chegar consigam alimentar esse volume de voos que estão a sair de longa distância. O slot significa voos e esses voos têm que haver um mínimo para manter o volume de negócios.

Há margem para reduzir slots e manter esse mínimo?

Teríamos que analisar a proporção e a quantidade de slots que estamos a falar. Eu não conheço em profundidade a rede da Lufthansa que estamos a dar como exemplo. Não sei qual a percentagem e quais os slots em concreto. Não importa só o número de slots, mas quais os slots.

Antecipa que sejam fechadas rotas mais rentáveis para a TAP como o Brasil ou os EUA?

Está conjugado com a resposta que dei anteriormente, essa é a parte da qualidade. Um slot pode parecer pouco, mas depende do que esse slot significava tanto nesse modelo de ligação que eu referi, como a nível de receita. São estas duas dimensões: o impacto que tem no modelo de negócios, na rede de distribuição e a receita que estava inerente a esse voo. Porque não é só esse voo que é um slot. É alimentado por vários voos. Se eu deixar de ter esse voo, há vários voos que alimentavam e podem já não o fazer. A realidade é que é algo complexo.

A TAP tem que ter uma dimensão mínima e precisa de slots para isso para manter o seu volume de negócios. Precisa de ter uma série de voos de curta e média distância para alimentar a longa distância e vice-versa.

Ramiro Sequeira

CEO da TAP

Voltando à questão dos trabalhadores, os números parecem confusos e os sindicatos têm dito que não concordam com os apresentados pela TAP. Afinal, quantas pessoas é que já saíram e quantas é que ainda vão sair?

Temos feito um esforço para explicar estes números tanto publicamente, como com os sindicatos. Vou tentar dar os números de uma maneira relativamente simples: falámos em três mil postos de trabalho em excesso no início do plano, tendo em conta a produção e a operação que temos em 2021. E o que dissemos logo a seguir foi que não iríamos dimensionar para 2021, naturalmente. Vamos estar dimensionados para ter músculo para a possível retoma. Vamos estar dimensionados para 2022. Como aumentam as operações, o excesso diminui de três mil para dois mil.

Os acordos de emergência na sua totalidade dão uma redução do excesso em cerca de 750 postos de trabalho. Fruto dessas negociações, da redução salarial, dos part-times inerentes a algumas classes, algumas medidas de produtividade, etc. Depois, a primeira vaga de medidas voluntárias, que terminou a 24 de março, poupou outros 700 pontos de trabalho. Houve uma ampliação do prazo e o número foi de cerca de 160 postos de trabalho. E ficámos com um excesso de 550. Esse é o número que temos estado a trabalhar no que chamamos a segunda vaga.

Que é o número de pessoas que irão ainda sair?

Esta questão não é simples como aparenta porque a redução do excesso, através das medidas voluntárias, é algo complexa por dois motivos: uma porque isto que estamos a falar são candidaturas, mas até a pessoa assinar, a pessoa pode dizer que não quer e isso tem acontecido. As pessoas candidatam-se para fazer a simulação e para ganhar algum tempo para pensar, mas depois há uma percentagem de pessoas, embora reduzida, que acabam por reconsiderar.

E depois dentro das medidas não é um para um, ou seja, se eu assinar uma rescisão de mútuo acordo há um trabalhador que assina a rescisão e que sai, mas se eu assinar um part-time de 50% fico com uma candidatura com 0,5 trabalhador.

Mais a transferência para a Portugália…

Mais a medida voluntária de transferência de pessoas para a Portugália, que também é outra alavanca que temos para ajudar este processo e tentar chegar a acordo com o máximo de trabalhadores. O processo é outra vez de candidatura, depois a pessoa tem de ser avaliada para ver se entra ou não entra na Portugália. Durante esse processo a pessoa também pode dizer que afinal prefere não ir. Antes de tudo, quando vimos a dimensão desta tragédia, tivemos uma política muito restritiva de não renovar contratos a termo porque sabíamos o que vinha aí, percebemos que isto não era uma coisa para dois meses, era uma coisa para um ano ou para mais. Infelizmente saiu muita gente jovem e válida para a empresa.

Saíram os 1.200 contratados a prazo que estavam previstos?

Sim, 1.160 é o número exato. Portanto os números são estes, em princípio não pode haver outros números mas têm é variações por causa dessas pequenas especificidades. É a Portugália, é o part-time, a candidatura versus adesão real. Mas os números são estes.

E as acusações de pressão e de uma situação que até compromete a segurança de voo. Como é que responde a estas críticas dos sindicatos?

A segurança é o bem mais essencial da TAP. Eu diria da TAP e de qualquer companhia aérea séria e, nesse sentido, a TAP tem 76 anos de história de segurança e espero que outros 76 a esperem. Nós sabemos que este momento que estamos a viver não é fácil para ninguém, sem exceção dentro da empresa. É um momento em que se gera alguma incerteza em qualquer ser humano do seu posto de trabalho e até chegámos a um momento das nossas vidas que é difícil separar a vida pessoal da vida profissional. É uma situação pandémica que nos foi imposta. Não podemos esquecer isto.

A segurança somos todos, todas as pessoas que estão inerentes à TAP, dentro ou fora da operação. Basta trabalhar na TAP para fazer parte da segurança. Temos tentado levar este processo com o máximo de tranquilidade possível, com o máximo de proximidade possível. Não é fácil, são números muito elevados que estamos aqui a tratar, mas temos tido esse cuidado. Temos tido todas as áreas envolvidas da empresa, em concreto a área operacional e muito em especial a área de segurança.

Temos mais do que uma direção de safety: temos uma direção de safety e uma direção safety das operações de voo, ambas a par deste processo desde o início. Na aviação fazer análises de risco e colocar medidas de mitigação e estar atento à operação, aos colegas, aos trabalhadores é algo que se tem de fazer constantemente, com pandemia ou sem pandemia, mas com pandemia ainda mais. É a situação em que estamos e que ninguém queria estar.

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