A necessidade da resiliência

Quando o apagão de uma empresa bloqueia um terço dos websites da internet, fica claro que é hora de pensar em estratégias resilientes.

Quase todos os utilizadores da internet terão reparado no apagão de um terço dos websites na passada terça-feira. O evento durou apenas 55 minutos e resolveu-se sem dramas, mas foi o suficiente para voltar a pôr a nu a fragilidade das infraestruturas que sustentam o ecossistema digital. Damos muita atenção a um navio que bloqueia o Canal de Suez, mas perdemos pouco tempo a analisar os riscos das falhas digitais – mesmo quando um ato de ciberterrorismo tira a eletricidade a 50 milhões de americanos. O problema ganha maior dimensão quando visto a partir de Bruxelas, especialmente tendo em consideração a geoeconomia dos bits.

A Fastly, a Content Delivery Network responsável pela falha, é americana – tal como são as outras 14 grandes concorrentes neste setor. O mesmo ocorre em quase todas as infraestruturas essenciais da internet – começando nos cabos submarinos que ligam os continentes e continuando até aos ISP.

O tema não é novo: a Europa é altamente competitiva na ciência fundamental – e vai continuar a sê-lo –, mas falha quase sempre no que toca à disponibilização dessa ciência para o mercado. Aí entram em campo outras geografias, que muitas vezes usam o conhecimento europeu e a ciência aqui produzida para disponibilizar esses produtos. Era algo já sabido, mas que ficou amplamente demonstrado durante a crise pandémica. Por isso foi sempre tão estranha a insistência das capitais em optar por equipamentos chineses no 5G, quando essa é uma das poucas áreas em que a Europa apresenta uma opção válida e competitiva. E, agora que se começou já a discutir o 6G, convinha que não se cometessem os mesmos erros na próxima geração de comunicações. Isto implica desenhar infraestruturas sólidas e autónomas; mas implica também ter um plano b no terreno para quando as infraestruturas falham. Isso hoje não existe.

A carência europeia em setores fundamentais tem consequências dramáticas na sua autonomização em termos estruturais, bloqueando ações decisivas da afirmação dos valores europeus. Praticamente todas as baterias que alimentam os carros elétricos europeus vêm da China, porque não há uma única fábrica capaz de desenvolver essa produção a nível europeu.

Da mesma forma, a indústria de robótica depende da China, que foi paulatinamente comprando as empresas relevantes da área que estavam em solo europeu. Muito mais grave: os chips que alimentam todos os equipamentos eletrónicos são produzidos em Taiwan e nos Estados Unidos, com a China a tentar ganhar terreno com um investimento massivo. Simplesmente, o continente europeu não tem força financeira suficiente para construir uma fábrica de chips – e se a tivesse demoraria décadas até que fosse verdadeiramente competitiva. A inteligência artificial continua nas mãos de uma dúzia de empresas que são invariavelmente chinesas ou americanas. E as limitações da defesa digital europeia são também óbvias, deixando as infraestrututras de cada país europeu completamente expostas.

Para ser claro: Enquanto a Europa continuar a depender da China para o sucesso da sua economia, não será nunca possível exigir seja o que for a Pequim. Nem que reduza a sua pegada carbónica, nem que pare com o genocídio em Xinjiang, nem que pare de ameaçar Taiwan. O mesmo com a Rússia: se Berlim continuar a ceder-lhe os negócios da energia, não será possível forçar Moscovo a parar o expansionismo na Bieleorússia e na Ucrânia ou a bloquear o terrorismo cibernético.

Von der Leyen disse querer que a sua Comissão fosse geopolítica; menos de um ano depois, ao fazer o seu primeiro discurso do estado da nação em plena pandemia, reforçou a urgência da resiliência. Mas a Comissão não pode fazer aquilo que, por ignorância ou incúria, os Estados não querem fazer. Mais do que uma urgência, este é o imperativo que vai determinar como a Europa sobrevive no século XXI.

Ler mais: Wolfgang Ischinger será o alemão mais experiente nas questões da diplomacia e geopolítica. Como Mestre de Cerimónias da Conferência de Segurança de Munique, será também um dos europeus mais habilitados para julgar os riscos do posicionamento global do continente – e por isso este World in Danger é de leitura obrigatória para quem se interesse pelo tema. Pecará por ser demasiado otimista, mas isso só reforça a importância da receita apresentada.

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