O Teletrabalho – notas para um “novo normal”?
E importa não confundir a realidade do regime do Teletrabalho já existente, com o Teletrabalho que vivemos neste último ano, imposto às partes, sem que existisse qualquer regulamentação.
Há um ano e três meses iniciou-se a atual crise pandémica que alterou profundamente a forma de trabalhar da quase generalidade das pessoas. Num primeiro momento, o ímpeto governativo perante este fenómeno foi essencialmente reativo, com legislação a ser publicada em catadupa, para muitas vezes ser retificada ou revogada poucos dias após ser promulgada. O caos que se instalou na comunidade jurídica foi grande, com diplomas publicados a altas horas de sexta-feira para entrarem em vigor na segunda-feira seguinte, seguidos de interpretações oficiosas publicadas em sites de diversos organismos do governo e, como se tal não bastasse, de declarações de responsáveis políticos, por vezes dissidentes quer da letra da lei, quer daquelas interpretações.
Um dos temas que esteve em constante mutação foi o regime do Teletrabalho. Perante a urgência de “ir para casa”, a necessidade do Teletrabalho impôs-se no nosso quotidiano, antes mesmo de os órgãos legislativos terem tempo de a decretar. Assim, as medidas legislativas que se seguiram foram, uma vez mais, reativas, pontuais e sem uma preocupação sistemática. Esta realidade foi inexorável, o tempo do vírus não esperava pela lei e, com maior ou menor acerto, o legislador foi obrigado a regular, a posteriori, as situações com que se ia deparando.
Volvido este tempo, gerou-se na comunidade uma sensação de desadequação dos instrumentos jurídicos existentes que regulamentam o Teletrabalho, que levou a um impulso legislativo no sentido de responder a essa “necessidade”.
Mas será que existe, realmente, esta carência e que se justifica um novo diploma para a implementar?
Importa realçar que este regime consta já no Código do Trabalho desde 2003. E não se trata de um simples artigo, mas toda uma subsecção que regula não apenas a forma, mas também as questões relativas aos instrumentos de trabalho, à igualdade de tratamento, privacidade, etc.
E importa, principalmente, não confundir a realidade do regime do Teletrabalho já existente – que parte de uma base consensual entre Empregador e Trabalhador e que define grande parte dos temas sensíveis da relação –, com o Teletrabalho que vivemos neste último ano, imposto às partes, sem que existisse qualquer regulamentação.
As propostas legislativas atualmente existentes contemplam soluções que, em grande medida, constam já na nossa legislação (necessidade de acordo, direito ao desligamento, etc.).
Assim, mais do que criar um “novo” (que quase nada terá de inovador) regime fora do CT (como se prevê nalgumas das propostas), ou forçar soluções às partes num tema que se pretende, acima de tudo, consensual, seria importante regulamentar os aspetos ainda não previstos, nomeadamente (i) o que fazer se uma nova necessidade de teletrabalho obrigatório se impuser e, por outro lado, (ii) criar condições para que o teletrabalho seja apelativo para ambas as partes.
O último ponto é especialmente premente, na medida em que este período de Teletrabalho forçado criou, quer às empresas quer aos trabalhadores, a possibilidade de experimentar esta nova realidade e de ver no Teletrabalho um fator diferenciador.
Seria por isso importante um novo quadro legal, não tanto relacionado com a regulação do Teletrabalho, mas principalmente com a criação de mecanismos que demonstrem às empresas e aos trabalhadores que esta opção é válida, objetivamente vantajosa e pode criar mais valias para ambas as partes.
Este esforço, que pode passar por incentivos fiscais a empresas e trabalhadores, facilitaria não apenas a implementação nas empresas portuguesas ainda renitentes, mas a criação de condições para atrair inclusivamente mais investimento estrangeiro.
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