O Regime Jurídico da Recuperação de Empresas e da Insolvência em Angola

  • António Vicente Marques e Magda de Oliveira Diogo
  • 25 Julho 2021

O escopo deste novo regime espelha-se na ordem de pagamento dos créditos, onde o primeiro lugar é atribuído aos créditos laborais, antes do Estado ou de credores com garantia real.

Mais do que a revogação do regime da falência e a eliminação da distinção entre insolvência de comerciantes e não comerciantes, obsoletamente previsto no Código de Processo Civil Angolano (“CPC”), este regime visa a recuperação económica das pessoas singulares e colectivas e, apenas se esta não for viável, a insolvência.

Dado o contexto económico actual, agravado pela pandemia vigente, Angola sentiu a necessidade de garantir a satisfação dos interesses dos credores e a manutenção do emprego, promovendo, assim, o estímulo e a preservação da actividade económica e da sua função social, bem como o investimento estrangeiro.

Salientamos a bondade da tramitação autónoma entre recuperação judicial e extrajudicial, esta última impulsionadora de um acordo fixado com os credores e promotor da autonomia da requerente, a qual parece manter a gestão das suas obrigações. Destaca-se que a base para o apuramento dos votos necessários à aprovação do plano de recuperação extrajudicial são as classes dos credores e não a sua totalidade. A celeridade que se imprime a este procedimento é óbvia no prazo de 15 dias concedido ao Juiz para, quando necessário, homologar o plano, embora desprovido de cominação.

Já a Recuperação Judicial é da iniciativa do devedor. A decisão que a conceder é título executivo e fixará o prazo de execução do plano.

Surgem o Administrador da Recuperação Extrajudicial, Administrador Judicial, Administrador Judicial Provisório e Administrador de Insolvência. Este último é escolhido entre os inscritos em lista oficial, o que parece antever a criação de uma profissão independente, provavelmente subordinada ao cumprimento de diversos requisitos a serem atestados por entidade própria, identificada no futuro Estatuto dos Administradores de Insolvência. A sua remuneração é fixada num tecto máximo de 5% do valor devido aos credores na recuperação judicial ou do valor de venda dos bens, o que evitará o seu enriquecimento à custa dos credores que, ab initio, desconfiam de séria probabilidade de recuperarem os seus créditos. Esta remuneração inclui-se na definição de créditos não concorrentes, inovadora para uma dívida da massa insolvente.

Os membros da Comissão de Credores podem vir a ser remunerados, por exemplo, se verificado um “grande volume de trabalho”, conceito não materializado.

A convocação da Assembleia de Credores é da competência do Juiz, a qual pode ser requerida pelos credores que representem 25% dos créditos de dada classe, desconhecendo-se se esta solicitação pode ser efectuada pelo Administrador Judicial ou de Insolvência.

Entre os motivos que podem legitimar o pedido de insolvência, não se encontra especificamente elencado o incumprimento de empréstimos. Malgrado seja uma situação enquadrável nas alíneas a) e b) do artigo 126.º do diploma, verdade é que aquela omissão é reveladora de uma cultura ainda pouco recorrente, e incentivadora, à concessão de crédito bancário.

A ausência de fixação de prazo para que o devedor se apresente à insolvência, corre em prejuízo dos credores que poderão vir a ser confrontados com a impossibilidade de pagamento, em virtude do passivo do devedor ter incrementado durante o período em que este, propositadamente, por dúvida ou por se encontrar a aguardar o pagamento dos seus créditos, adiou a decisão de submissão do seu pedido.

O CPC permitia expressamente que o falido adquirisse pelo seu trabalho meios de subsistência, agora é apenas proibida a apreensão de bens impenhoráveis.

Ressalta a autonomia da acção resolutória e do pedido de restituição.

Relativamente ao produto da liquidação, é consagrado que os depósitos são efectuados à ordem da administração da massa, desconhecendo-se quem movimentará esta conta bancária.

O escopo deste novo regime espelha-se na ordem de pagamento dos créditos, onde o primeiro lugar é atribuído aos créditos laborais, antes do Estado ou de credores com garantia real.

A classificação da falência como casual, culposa ou fraudulenta não foi revogada, porém o novo Código Penal tipifica os crimes de frustração de créditos exequendos, falência dolosa e negligente e favorecimento de credores.

Por fim, a possibilidade de utilização da via electrónica em diversos actos é uma louvável tentativa de celeridade legal.

Nota: Os autores escrevem ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  • António Vicente Marques
  • Sócio fundador da AVM Advogados
  • Magda de Oliveira Diogo
  • Associada sénior da AVM Advogados

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