Domingues, Centeno e a dívida subordinada
A emissão de dívida subordinada é uma das exigências das autoridades europeias. Mas Domingues disse a Centeno que sem o "urgente" reforço de capital não era uma opção "viável".
Setembro e outubro. Foram estes os meses em que houve muitas trocas de correspondência, emails e cartas entre António Domingues e Mário Centeno. Isto de acordo com os documentos que foram entregues pelo ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) à comissão de inquérito do banco público, a que o ECO teve acesso. Depois das promessas e acordos feitos entre Domingues e o ministro das Finanças, era o momento de tratar questões relacionadas com a capitalização do banco do Estado. E o então presidente da CGD alertava: era necessário realizar rapidamente o reforço de capital do banco para que fosse possível emitir dívida subordinada. Uma emissão que, sem esse processo, não era “viável” aos olhos do presidente demissionário.
Na carta enviada por António Domingues a Mário Centeno, a 22 de setembro de 2016, o antigo presidente da CGD referia que o banco deveria proceder à emissão de dívida de elevada subordinação. Ou seja, de elevado risco. Esta operação aconteceria em duas fases. A primeira logo que fosse feito o aumento e redução de capital imposto no plano de recapitalização da Caixa — o que já aconteceu — e a segunda 18 meses depois. A CGD “deverá proceder à emissão, num primeiro momento, de, pelo menos, 500 milhões de euros de instrumentos que se classifiquem como Additional Tier 1 (“AT1”), seguida, nos 18 meses subsequentes, por uma segunda emissão, também de, pelo menos, 500 milhões de euros dos mesmos instrumentos, em ambos os casos a colocar junto de investidores privados não relacionados com o Estado Português”.
"A CGD deverá proceder à emissão, num primeiro momento, de, pelo menos, 500 milhões de euros de instrumentos que se classifiquem como Additional Tier 1 (“AT1”), seguida, nos 18 meses subsequentes, por uma segunda emissão, também de, pelo menos, 500 milhões de euros dos mesmos instrumentos, em ambos os casos a colocar junto de investidores privados não relacionados com o Estado Português”
Mas porquê AT1? Porque é a única que conta para o capital do banco. Mas para que seja assim classificada, tem de cumprir uma série de condições. Como Domingues refere na carta enviada sobre as “questões associadas à emissão de instrumentos Additional Tier 1”, estas características passam pela “perpetuidade dos instrumentos, não podendo as disposições que os regem incluir qualquer incentivo ao seu reembolso pela instituição de crédito, e a total e permanente discricionariedade da instituição de crédito emitente para cancelar as distribuições associadas, durante um período ilimitado e numa base não cumulativa, podendo a instituição de crédito utilizar sem restrições tal cancelamento para cumprir as suas obrigações à medida que estas vencem”.
Na mesma carta, o presidente demissionário da CGD refere que a “proibição de pagamento de cupões e juros relativos a instrumentos híbridos e dívida subordinada, quando não exista legalmente a obrigação de efetuar tal pagamento” deve cessar no momento do reembolso dos instrumentos de capital Core Tier 1 subscritos pelo Estado. Ou seja, os CoCo’s. Para além disso, este pagamento facilita “o acesso da CGD a este mercado”, explica António Domingues a Mário Centeno, pedindo, por isso, urgência na recapitalização do banco. Para isso, este assunto deveria ser rapidamente esclarecido junto da Direção-Geral da Concorrência.
Outubro. Emissão não é “viável”
Em outubro, outra carta. Foi a 14 de outubro que António Domingues deixou claro: para que a emissão destes instrumentos aconteça, como é exigido pelas autoridades europeias, tem de se avançar rapidamente com o reforço de capital do banco. “É necessário e urgente realizar uma operação de aumento e redução do capital da CGD em termos que permitam atingir os objetivos”. Portanto, “criar condições para colocação no mercado da emissão pela CGD de instrumentos de fundos próprios adicionais de nível 1”.
" É necessário e urgente realizar uma operação de aumento e redução do capital da CGD em termos que permitam atingir os objetivos”
Esta primeira fase — a redução e aumento de capital — já foi ultrapassada. É que sem estas operações, a CGD não poderia realizar a emissão destes instrumentos. Esta emissão “depende, pois, da existência, à data da sua emissão, de elementos do balanço suscetíveis de serem distribuídos, sendo que o mercado impõe que tais elementos do balanço ascendam a, no mínimo, o dobro da remuneração projetada até ao momento do exercício da opção de compra do instrumento”, refere Domingues, alertando para o facto de os investidores quererem garantia de capacidade da CGD para cumprir com o pagamento dos juros.
Domingues alerta: “A CGD não dispõe de elementos distribuíveis pelo que, a manter-se tal situação, não é viável proceder à emissão de instrumentos de fundos próprios adicionais de nível 1″. Uma emissão que está dependente do interesse de privados, a quem serão vendidas estas obrigações de risco elevado.
Por isso, António Domingues pedia que:
- Fossem implementados todos os procedimentos necessários à concretização da proposta operação de aumento e redução de capital;
- Autorização para a aquisição, pela CGD, das Ações Parcaixa;
- Que fosse diligenciado junto da Comissão Europeia a obtenção das confirmações e autorizações necessárias à eliminação de quaisquer limitações à capacidade da CGD de remunerar os seus instrumentos híbridos de capital ou instrumentos de capital;
- Por fim, a confirmação de que a proibição de pagamentos de cupões e juros relativos a instrumentos híbridos e dívida subordinada, quando não exista legalmente a obrigação de efetuar tal pagamento, deixe de ser aplicável com o cancelamento dos instrumentos CET1 subscritos pelo Estado.
Domingues queria ver esta última questão, a de garantir o cancelamento dos CoCo’s, rapidamente esclarecida. O presidente demissionário da CGD salientava que este ponto era “crítico nos contactos com os potenciais investidores de futura emissão de instrumentos AT1 por parte da CGD”. Ou seja, sem deixar de ter o peso dos encargos com os CoCo’s, seria difícil conseguir atrair investidores para títulos com um retorno atrativo, mas com risco elevado.
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