Fraudes & Mágicos da Luz

São raides ao nascer do sol, super mega operações com hora marcada nos noticiários, muita acção, ainda mais drama e um País dividido entre os bons e os maus como numa ficção de Hollywood.

O País tem sido invadido com notícias de cortar à faca. E movimentações estrondosas das forças da justiça adormecida que subitamente acordam como um polícia na fronteira entre dois mundos. São raides ao nascer do sol, super mega operações com hora marcada nos noticiários, muita acção, ainda mais drama e um País dividido entre os bons e os maus como numa ficção de Hollywood. Só que Lisboa não é Hollywood.

Desta vez é o Ninho das Águias, a Fortaleza Encarnada, o Senhor da Luz que é alvo das judiciosas inquirições de uma justiça lenta, distraída, desinteressada, mas viciada na vaidade fútil dos telejornais e na figura rocambolesca do Herói do Código Penal. Em cada Juiz um Justiceiro, em cada Cidadão um Criminoso, em cada Raide a Redempção. O enredo é perfeito e capta as audiências da Nação. Nem que depois se vá ver e seja nada. Mas alguma coisa sempre será porque não há fumo sem fogo.

Em plena turbulência das Águias, o Presidente da Câmara de Lisboa vem logo justificar a inclusão inopinada numa Comissão de Honra como um acto pessoal e não político. O que não deixa de ser extraordinário é que para o Presidente da Câmara tudo é normal, todos os cidadãos são boas pessoas, o mundo é um País das Maravilhas, onde não existem interesses, vantagens, contribuições, compensações, retaliações, mas sim o mais linear território da gente de bem reunida neste lugar inocente e abençoado chamado Portugal. Por vezes não se percebe se o Presidente da Câmara é de facto ingénuo e angélico ou se representa na perfeição o papel do cínico implacável e profissional. Aliás, o Senhor da Luz reúne um conjunto de relações políticas altamente relevantes e abrangentes, desde o Secretário-Geral do PCP, passando pelo PS e pelo Primeiro-Ministro, atingindo o zénite do Chega! Ecuménico como ninguém, normal num País que continua a dar lições à Europa.

Enquanto o País disseca as notícias que descem da Fortaleza Encarnada, o Presidente da República esclarece os portugueses que “aparece” para “furar balões”. Imagina-se o Presidente da República à porta dos Alunos de Apolo ou na Torre de Belém a furar balões como quem extermina tempestades e esvazia crises políticas que ameaçam o horizonte da estabilidade nacional. É Marcelo no Cabo da Boa-Esperança de vigia aos Adamastores contemporâneos. O paternalismo é uma espécie de constipação da alma nacional.

Mas o que é verdadeiramente relevante é saber e tentar perceber como é que o Senhor da Luz se transformou numa referência nacional, preside a uma instituição que reúne seis milhões de portugueses, deixa de ser o empresário dos pneus para se transformar no Presidente de um Estado dentro do Estado. Só na ficção de um romance de aeroporto alguém chega de Zundapp e sai ao volante de um aristocrático Bentley com a naturalidade de nada ter feito ou contribuído para a riqueza da Nação.

A questão converge no modo como se formam e se afirmam as elites nacionais, seja pelo mérito, pelo talento, pela competência, pela moral, necessários para alcançar um lugar de privilégio social e financeiro. A aristocracia portuguesa primou historicamente pela pobreza, pela corrupção e pelos favores do rei, desprovida de prestígio para conservar o domínio e o ascendente sobre as Instituições. A burguesia não produziu grandes famílias capazes de fazer perdurar a riqueza e a prosperidade para além dos favores políticos. O que resta é o mito napoleónico da carreira aberta aos talentos, talentos demasiado volúveis e voláteis para serem objecto certificado para acesso aos lugares de destaque numa sociedade pobre em capital social como a sociedade portuguesa. O que reina sobre o vazio das competências é o nepotismo, o clientelismo e uma rede informal de poderes fáticos que teórica e praticamente fazem o que bem entendem com os recursos e as Instituições da República.

O poder do rotativismo democrático não controla este “País Inorgânico” que faz as suas regras, estabelece as suas leis, integra o território da República numa espécie de coutada que gera rendas infinitas em troca de investimentos fictícios e crédito abundante. O mito do self made man, o homem que subiu a pulso, o empresário pioneiro, o aventureiro dos negócios, este é o modelo do Portugal democrático, em que o principal talento é saber manipular o sistema de modo a produzir enormes quantidades de dinheiro, de modo a acumular enormes quantidades de prestígio até passarem a ser cidadãos modelo, adorados pelo Poder Político e celebrados nas páginas das revistas cor-de-rosa. O Portugal dos Pequenitos está cercado por uma rede de influências e de cumplicidades. E na realidade informal governa a lei do silêncio.

Mas num País onde o crescimento da produtividade é anémico, onde a lei da concorrência entre talentos é distorcida, onde a mobilidade social é incipiente, o mérito não tem valor ou competência, gerando-se um ambiente onde prevalece a desigualdade de oportunidades, a demissão da solidariedade e um ambiente social tóxico. Esta é a receita para a “calcificação” do progresso nacional e a fonte de todos os Populismos. Portugal precisa com urgência de uma elite baseada na “selecção por diferenciação” e não de uma elite baseada na “selecção por eliminação”. A selecção por eliminação é a raiva cega aos que pensam. E a receita secular para o atraso nacional.

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

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