Uma semana depois de Marcelo ter dito que a Função Pública estava “desfalcada”, Governo revela ao ECO os planos para contratar mais técnicos superiores. OE2022 vai ter dinheiro para aumentar salários.
Já arrancam as negociações para o Orçamento do Estado 2022 (OE 2022), num ano que será marcado pelas eleições autárquicas, que podem mudar o xadrez político. Ao longo deste verão quente o ECO vai ouvir Governo, partidos, parceiros sociais e empresários sobre um Orçamento que ainda não tem aprovação garantida e que está a ser desenhado no meio de uma pandemia. Leia aqui todos os textos e as entrevistas, Rumo ao OE.
Foi há uma semana que o Presidente da República foi ao programa Circulatura do Quadrado (da TVI24/TSF) e disse que “em termos de recursos humanos, a Administração Pública está desfalcada”. A este propósito, o ECO foi ouvir Alexandra Leitão, a Ministra da Modernização do Estado e da Administração que tem a seu cargo a máquina da Administração Pública (AP).
Alexandra Leitão revelou a ECO que o Governo prepara-se para abrir já amanhã (dia 3 de agosto) uma nova oferta de colocação para contratar mais 475 técnicos superiores para a Função Pública. E não se fica por aqui. No próximo ano, a ministra anunciou que o Governo deverá abrir um segundo Recrutamento Centralizado que poderá trazer mais 1.000 técnicos superiores para o Estado (o número ainda não está fechado).
A ministra não entra na discussão se a Função Pública tem gente a mais ou a menos, mas tem uma certeza: tem técnicos superiores e trabalhadores qualificados a menos. Considera que com o Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), estes trabalhadores vão ter um papel fundamental.
E faz uma nova revelação: estes funcionários vão ter condições remuneratórias mais atrativas, estando o Governo a estudar duas soluções: um nível de entrada na carreira geral que premeie mais as qualificações, e uma progressão mais rápida do que os atuais saltos de 10 anos em 10 anos. Alexandra Leitão garante que o Orçamento do Estado para 2022 vai acautelar verbas para este efeito.
“Nós não queremos uma Administração Pública barata, queremos uma Administração Pública produtiva e qualificada”, resume Alexandra Leitão.
O Presidente da República esteve na quarta-feira no programa de televisão da TVI24/TSF “Circulatura do Quadrado” e afirmou que “em termos de recursos humanos a Administração Pública está desfalcada”. Sendo a responsável pela pasta da Função Pública no Governo, concorda com a afirmação de Marcelo Rebelo de Sousa?
Eu tenho dito em algumas entrevistas que, da minha perspectiva, não há trabalhadores a mais na Função Pública. É verdade que temos tido, desde 2015, um crescimento consistente no número de trabalhadores na Administração Publica, mas é meu entendimento que nós não temos trabalhadores a mais na Administração Publica (AP), e temos de fazer uma mudança no perfil dos trabalhadores da AP.
Ninguém discute, creio eu, que nós precisamos de ter mais trabalhadores nos setores da Saúde e Educação. Só para lhe o número, de março 2020 a março de 2021, 70% do crescimento da Administração Publica foi para a Educação e Saúde, o que significa, de facto, que é aí, por razões que têm a ver com a pandemia, que está a ser aumentado o número de trabalhadores.
Está a dizer que não há trabalhadores a mais, a pergunta que fazia é se não há trabalhadores a menos como dizia o Presidente da República?
Nós não precisamos de mais indistintamente, precisamos de mais, sim. Nós precisamos de fazer uma coisa fundamental que é valorizar e qualificar os técnicos superiores que temos hoje na Administração Publica e ter capacidade para atrair, para contratar mais técnicos superiores jovens e qualificados. Estes são os dois grandes objetivos que eu, em concreto, e o Governo têm. Repito, é dizer nós precisamos de juristas, economistas, engenheiros, sociólogos, enfim, pessoas com licenciatura, mestrado ou até doutoramento. No Recrutamento Centralizado, nós tínhamos um número grande de pessoas com doutoramento; no programa de estágios que está agora em curso, dos 3 mil candidatos, temos 1/4 ou 23% que têm mestrado e são jovens que os estágios são para pessoas até aos 30 anos.
Nós temos tido um crescimento do número de trabalhadores focados nas áreas de Saúde e Educação, foi uma constante desde 2015 mas acentuou-se no período da pandemia por razões que acho que todos compreendemos. Agora que estamos a entrar numa fase em que é prioritário utilizar bem os recursos do PRR (Programa de Recuperação e Resiliência), em que vamos fazer um esforço para começar a virar a página da pandemia: valorizar e qualificar os técnicos superiores que já temos e contratar pessoas e ter capacidade de atração de pessoas qualificadas como os técnicos superiores.
Portanto, é mudar o perfil da Função Pública.
No fundo, o que está aqui em causa é mudar um pouco o perfil da AP portuguesa. Se calhar com a digitalização que teve um enorme empurrão, e que com o PRR vai ter ainda mais, há cada vez mais funções que se tornam desnecessárias, — como sejam muitas tarefas dos assistentes operacionais e dos assistentes técnicos, — mas continuamos a precisar cada vez mais de gente qualificada.
Para lhe dar um número, das carreiras gerais (assistentes operacionais, assistentes técnicos e técnicos superiores), só 1/4 é que são técnicos superiores. Estou a falar apenas das carreiras gerais, claro que depois de incluirmos os médicos, os professores, os docentes universitários, os magistrados, o número muda radicalmente. Das carreiras gerais, só um 1/4 é que são técnicos superiores e são esses que vão produzir e que nós precisamos para produzir a massa critica que a AP precisa.
Tem alguma ideia do número de contratações que querem fazer?
Nós queremos fazer esta alteração da seguinte forma. Por um lado, temos um Processo de Recrutamento Centralizado que vai ter agora, já para a semana [a entrevista foi feita na sexta-feira], o lançamento da terceira oferta de colocação. Nós temos as pessoas na reserva, já foram colocadas cerca de 400, e vamos agora no dia 3 de agosto, abrir a terceira oferta de colocação para 475 vagas. Depois estas vagas vão depender naturalmente do ‘match’, do cruzamento entre as pessoas que estão na reserva e os perfis que foram pedidos pelos serviços. Se esta oferta de colocação correr bem, ficamos com a reserva já com muito pouca gente, talvez precisemos ainda de uma nova oferta de colocação lá para o início do ano e fechamos esta reserva. A reserva tem pouco mais de 1.000 pessoas, tivemos que fazer duas reservas, uma com cerca de 800 e outra com cerca de 200 pessoas. Neste momento já lançámos 700 vagas nas duas ofertas de colocação, mas só conseguimos colocar cerca de 400 pessoas, exatamente por causa desse ‘match’. E vamos pôr agora mais 475 vagas.
À medida que a reserva vai ficando exaurida, o que é bom porque significa que as pessoas foram colocadas, torna-se necessário, e estamos a trabalhar internamente com o Governo nesse sentido, para um segundo Recrutamento Centralizado para estes novos 1.000, o número ainda não está definido. Estamos a trabalhar na possibilidade de em 2022 fazer um novo recrutamento centralizado, com um número de pessoas a definir e com ‘timings’ a definir, mas estamos a trabalhar nisso, só para técnicos superiores.
Isto para reforçar os quadros superiores da AP.
Estas coisas têm de ser devagar, mudando o perfil dos trabalhadores da AP. Nós com a digitalização vamos precisar cada vez menos de trabalhadores menos diferenciados, e precisar cada vez mais de trabalhadores qualificados, ou seja, de técnicos superiores. Para isso temos de valorizar os que já existem, e aí temos cerca de 40 milhões de euros no PRR que o INA [Direção-Geral da Qualificação dos Trabalhadores em Funções Públicas] vai utilizar para, em parceira com as universidades e politécnicos, fazer essa qualificação. Depois temos um outro tanto no PRR para reorganização dos modelos do trabalho, por exemplo, os centros de ‘coworking’.
Os números da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) mostram que temos agora 725.775 trabalhadores na Função Pública, muito perto do máximo nos tempos da troika. Não corremos o risco de estar a engordar demasiado a Função Pública, tendo em conta que a população, como vimos nos Censos do INE, nem está a aumentar, mas sim a encolher?
Quanto a isto deixe-me dizer-lhe duas coisas. Este valor é um valor que resulta de uma contratação muito localizada nas áreas da Saúde e Educação. Nós tivemos, por exemplo, uma substituição de professores num número muito mais elevado do que nos anos anteriores por razões óbvias (isolamentos profiláticos e mais baixas) e que, no caso dos docentes, não constitui necessariamente contratos de trabalho definitivos. Aliás, não são nunca porque são contratos de substituição. Portanto, estes valores estão um bocadinho inflacionados ou influenciados por uma dinâmica conjuntural muito específica. Vamos ver quando as coisas voltarem ao normal se se mantêm ou não.
Para mim, o mais importante é dizer que não acho que há trabalhadores a mais, acho que temos de ter uma análise depois quando se estabilizar estas diferenças que resultam deste período que já dura há quase 18 meses. O que para nós é particularmente importante numa visão estrutural da AP é o perfil. Nós teremos uma AP que será mais cara, porque se eu substituo um assistente operacional por um técnico superior, será mais cara.
Nós teremos uma AP que será mais cara, porque se eu substituo um assistente operacional por um técnico superior, será mais cara.
A regra do 1 por 1 que foi muito falada no Orçamento do último ano, eu fui a primeira a dizer que 1 por 1 não quer dizer que sai um e entra outro. Aquilo que nós pretendemos fazer é ter, paulatinamente, uma AP mais qualificada ainda que isso possa implicar mais ou menos pessoas, mas sobretudo uma AP que para ser mais qualificada obviamente não pode ser mais barata. Nós não queremos uma AP barata, queremos uma AP produtiva e qualificada.
Salários dos técnicos superiores
No debate do Estado da Nação, o primeiro-ministro, António Costa, defendeu que se olhe mais para os técnicos superiores. E já o tinha feito em 2019 quando pediu “um aumento significativo do quadro remuneratório dos técnicos superiores”. Para quando esse aumento salarial? Isso vai estar acautelado no OE2022?
Sim, essa é uma prioridade que o primeiro-ministro tem assinalado, que eu acompanho e estamos a trabalhar nisso. Estamos a trabalhar nessa valorização, esperemos que possa ser já no Orçamento de Estado cuja negociação agora se inicia. Portanto, aquilo que nós estamos a fazer com vista a essa valorização tem essencialmente duas dimensões:
- Uma primeira dimensão que é a possibilidade de olhar para as posições remuneratórias em os técnicos superiores entram na AP, e criar variações nas posições remuneratórias em função das qualificações. Por exemplo, a posição remuneratória em que entra uma pessoa com o grau de mestre ser diferente da posição remuneratória em que entra um licenciado ou uma pessoa com o grau de doutor, exatamente para atrair pessoas qualificadas na AP.
- Outra dimensão que se está a estudar, e que até já houve algumas reuniões com os sindicatos nesse sentido, é olhar não só para a remuneração em si, mas sobretudo para a evolução das carreiras. Além do valor com que se entra, também é importante a expectativa de subida. Nós até podemos entrar aos 25 anos na AP com um determinado valor, que é razoável até na comparação com o privado, mas a expectativa é daí a 10 anos ter um acréscimo remuneratório. Daí a 10 anos as pessoas já casaram, já tiveram filhos, já compraram casa; são estes saltos de 10 anos (no fundo as regras de progressão nas carreiras gerais) que eu acho que precisam de ser revisitadas e espero, e estamos a trabalhar nesse sentido, que isso possa ter algum reflexo no próximo Orçamento de Estado.
Que salário permitiria travar a fuga destes quadros para o privado?
O que lhe posso dizer é o valor de entrada na carreira de técnico superior, que anda à volta dos 1.205 euros brutos mais subsídio de alimentação. No fundo, aquilo que é importante dar aos técnicos superiores, mais do que o valor de entrada, é a perspetiva de carreira. É ter aquela ideia de: “eu até posso dar um salto remuneratório menor, mas dá-lo mais depressa, ou seja, progredindo mais depressa do que apenas de 10 em 10 anos”.
O Presidente da República até deu o exemplo dos “gabinetes de estudo e de planeamento que sofreram um grande desgaste, com saídas, com pessoas a irem para a reforma e com a concorrência do setor privado”. É nestes gabinetes que faltam mais pessoas?
Sim, esse é um dos aspetos muito importantes. Nós, neste momento, já temos um Centro de Competências constituído no MNE [Ministério dos Negócios Estrangeiros] em relações internacionais, temos o Centro de Planeamento e Avaliação de Políticas Públicas (PlanAPP) que já está a celebrar os contratos com os primeiros 51 técnicos superiores, e nas próximas ofertas de colocação há de ter mais técnicos superiores. Tivemos um reforço ainda no mandato anterior, do Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisApp) que funciona na Presidência do Conselho de Ministros.
No fundo, muitos destes técnicos superiores foram orientados para os gabinetes de planeamento de vários ministérios; estou a lembrar-me essencialmente da Segurança Social e da Economia. Exatamente porque estamos a falar da tal massa crítica, dessa tal capacidade de planeamento e de análise profunda que a AP tem de ter por si, para não estar sistematicamente a fazer recurso ao ‘outsourcing’. Esta evolução para a criação de Centros de Competências, muitos deles com natureza transversal, o JurisApp, o PlanAPP. A própria Agência para a Modernização Administrativa criou agora no seu seio um início de um Centro de Competências em Atendimento, percebendo que as pessoas que fazem atendimento ao público também precisam de ter uma formação específica. Enfim, é um trabalho que se desenvolveu muito nestes últimos dois anos.
Quantos técnicos superiores existem na Função Pública?
Nós quando tivemos mais gente em teletrabalho foram 70 mil e eram praticamente a totalidade.
Ainda é muita gente.
Se pensar que é para todas as áreas governativas, e se pensar que o número total na AP são os 720 mil agora…
Mas deixe-me dar-lhe uma nota, se quiser, um bocadinho mais política. Nós temos uma situação que é assim: quando os médicos fazem greve, quando os professores fazem greve, quando as forças de segurança fazem greve, temos consequências. Ninguém ouve falar em greves dos técnicos superiores. Ouvimos falar quando é uma greve geral na Função Pública e aí são todos. Eu queria salientar este aspeto de natureza mais política.
As carreiras gerais são as carreiras com menos poder reivindicativo, sobretudo os técnicos superiores, porque os assistentes técnicos de atendimento nas lojas do cidadão se fizeram greve também se nota, ou os assistentes operacionais das escolas. Os técnicos superiores são aquelas pessoas cujo trabalho é aparentemente menos visível, tem por isso também menos poder reivindicativo. Talvez por isso também nós vamos assistindo muitas vezes a soluções pontuais na Assembleia da República sobre os técnicos de diagnóstico, sobre os enfermeiros, sobre os professores tantas e tantas vezes, mas nunca encontramos [para os técnicos superiores]. Porquê? Como têm menos poder reivindicativo, e têm um trabalho mais invisível para o comum dos cidadãos, acabam por não ter essa capacidade de reivindicação que na hora H muitas vezes é a diferença entre conseguiram ou não alguma coisa.
Mas são depois estas pessoas que, quando se vai ver, por exemplo, o tempo de resposta para obter um licenciamento, o tempo de resposta de um empresário que quer montar um novo equipamento e demora porque precisa do parecer daqui e do parecer dali, são essas pessoas que fazem estes trabalhos, que são bastante invisíveis e depois resultam, ou não, numa eficiência ou numa ineficiência geral da AP. Agora que temos que tirar do papel o PRR, e o PRR passa muito por procedimentos desta natureza, eles vão ser particularmente importantes. Se houve alguma vez um momento certo para os valorizar é este.
Aumentos salariais para 2022
O que pode prometer (ou não prometer) para 2022 em termos de aumentos salariais para a Função Pública?
Neste momento, não vou mesmo prometer. Fez-se um grande esforço há vários anos para cá. A começar, o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) obviamente aplica-se à base remuneratório da AP. Com o aumento do SMN, a base remuneratória também sobe e para manter alguma proporcionalidade na Tabela Remuneratória Única (TRU) tem-se sempre posto um X a mais nos escalões imediatamente a seguir, para não haver ali uma compressão muito grande.
Mas isso está a conduzir a um problema ainda pior, que é o achatamento da TRU.
Certo, por isso é que esta valorização dos técnicos superiores e sobretudo as alterações às regras de progressão nas carreiras têm de ser associadas a alguma mexida na TRU, cujo alcance também está a ser estudado. Mas têm de estar associados, exatamente para que esses saltos sejam repensados em função não só de uma retoma da proporcionalidade, que na base tem vindo a ser perdida pelo aumento do SMN, mas também para que quando os saltos são mais encurtados, também têm de ser montantes eles próprios diversos.
Tudo isto tem de estar associado a uma revisitação, de maior ou menor fôlego, isto ainda está a ser trabalhado, da TRU. Porque tem-se posto o enfoque na base e nos dois ou três escalões a seguir à base, — o que é uma política certa em termos sociais porque vamos privilegiar aqueles que têm salários mais baixos, — mas que de facto vai criando uma compressão à medida que se avança, como também tem deixado de fora os técnicos superiores e os escalões mais elevados de assistente técnico mais desprotegidos porque não têm sido beneficiados por esses aumentos, a não ser os 0,3% que aconteceu de 2019 para 2020.
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