De Paris com amor e carbono
Grande parte das organizações insiste em muita narrativa, mas em pouca ação na redução da sua pegada carbónica. Estão a aumentar de casos de carbonwashing, quer em termos de qualidade e quantidade.
Quem não adora uma bela estória de amor?
Romantismos à parte, todos aqueles que são treinados na área da estatística, acabam por analisar a vida (e o amor) através de probabilidades. Por isso, quando oiço juras de amor num altar, lembro-me logo da possibilidade daquele casamento acabar em divórcio. Os números mostram que 2 em cada 3 casamentos terminam e infelizmente esta estatística não melhora com as repetições.
Tal como na vida pessoal, olho para os temas corporativos com a mesma racionalidade. Preciso de dados para perceber o potencial de uma relação entre as organizações e clientes (atuais ou potenciais).
Vários estudos demonstram que as decisões que nos levam a comprar determinado bem ou serviço, apresentam uma forte componente emocional. É este tipo de ligação e não uma diferenciação racional dos atributos, que determina a escolha e consequentemente a compra. Assim, as marcas estabelecem estratégias para fomentar esse amor e lealdade, de modo a que tudo se encaminhe para o sucesso da venda, ou seja, para o casamento.
Mas, estarão as novas gerações dispostas a “ir na cantiga? Eu diria que uma grande parte precisa de perceber o comportamento efetivo das Organizações. Segundo o estudo Millennial and Gen Z Survey 2021, promovido pela Delloite, as novas gerações exigem uma maior transparência e responsabilização por parte das empresas na criação de um mundo mais justo e sustentável. Sem falsas promessas ou propaganda. Aliás, os millennials parecem ter perdido a inocência quando 7 em cada 10 acredita que as organizações têm a sua própria agenda, em vez de considerar o interesse de um conjunto alargado de stakeholders. E é neste âmbito que enquadramos o tema das emissões de carbono.
Segundo os autores do artigo, Carbonwashing: A new type of carbon data-related ESG greenwashing, grande parte das organizações insiste em muita narrativa, mas em pouca ação na redução da sua pegada carbónica. Chegam mesmo a referir que estão a aumentar de casos de carbonwashing, quer em termos de qualidade e quantidade.
Ou seja, alguém vai sair mal desta relação e parece-me que será o clima, todos os seres vivos à face da terra e principalmente a notoriedade das marcas junto dos seus atuais (ou potenciais) consumidores.
Uma outra organização também preocupada com a questão das alterações climáticas, a Science based targets (SBTi), estimou o aumento de temperatura inerente às práticas e compromissos dos integrantes de importantes índices acionistas do G7. Ou seja, foi testar a eficácia das medidas para limitar o aumento da temperatura a 1,5 graus. Esta chegou a conclusões bastante chocantes, nomeadamente:
Apenas 38% das empresas divulgam publicamente as suas metas de redução de gases de efeito de estufa. Destas, somente 50% apresentam objetivos em linha com o estipulado no acordo de Paris.
Os índices acionistas que mais se aproximam das metas de Paris são o DAX 30 (Alemanha), que caminha para aumentos da temperatura em 2,2 graus; o S&P 500 (EUA) que contribui com um aumento de 3 graus; o Japão através do NIKKEY 225 alcançará os 3 graus; e o Reino Unido através do FTSE 100, alcançará os 3,1 graus.
Atendendo à sensibilidade dos investidores, órgão reguladores e consumidores quanto a este tema, adivinha-se por aí volatilidade, contestação nas ruas e mesmo turbulência geopolítica, decorrente dos fortes impactos económicos, cujo canal de transmissão será obviamente preço do carbono.
Note-se que algumas empresas para funcionarem têm de ter licenças de emissão de carbono para a atmosfera. Estas, têm vindo a ser reguladas e limitadas de modo a conter o aquecimento global. Atualmente, o custo de uma licença para libertar uma tonelada de carbono para a atmosfera custa 54 euros, quando ainda em janeiro custava 33 euros. Segundo alguns analistas, estas podem alcançar um custo de 89 euros em 2030, embora me pareça que 110 euros ou mesmo 150 euros podem ser uma realidade nos tempos mais próximos. Agora, multipliquem estes valores pelas enormes toneladas que uma qualquer indústria emite. E se tudo, ou grande parte, se refletir no bolso dos consumidores. Vai resultar em “discussão”. Certo?
E os investidores? Poderão “acolher” o carbono nos seus portefólios como mais um ativo? Haverá namoro? A resposta imediata é sim, mas a explicação ficará para próximas núpcias. Até lá, boas férias.
Nota: Dizem as estatísticas, que o número de divórcios aumenta após as férias.
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