Centeno deve demitir-se? Ex-ministros das Finanças dizem nim
A atuação de Centeno no caso da Caixa Geral de Depósitos não dá necessariamente direito a demissão, mas merece reflexão e escrutínio profundo, defendem Miguel Beleza e Bagão Félix.
Centeno não tem condições para continuar e deve demitir-se. Centeno tem a confiança do Governo e a admiração dos portugueses. Centeno mentiu. Centeno deu a informação que os deputados lhe pediram. A história da Caixa Geral de Depósitos (CGD), com o ministro das Finanças e António Domingues como protagonistas, já vai longa e todas as partes têm algo a dizer.
No fim disto tudo, o que deveria acontecer a Mário Centeno? Deve demitir-se, como pede (explícita ou indiretamente) a oposição? Ou deve continuar a “pilotar a viragem da página da austeridade”, como António Costa diz que tem feito? O ECO perguntou a dois ex-ministros das Finanças, Miguel Beleza e Bagão Félix, e a resposta é “nim”.
"O mínimo que se pode fazer é dar o benefício da dúvida ao ministro.”
Desde logo, acredita Miguel Beleza, “o mínimo que se pode fazer é dar o benefício da dúvida ao ministro”. Isto porque, defende o também antigo governador do Banco de Portugal, “às vezes, há mal entendidos que parecem mentira, mas que podem não sê-lo”.
O apuramento da verdade também é ponto essencial para Bagão Félix. Seja como for, a confirmar-se que Mário Centeno não só mentiu sobre ter trocado correspondência com António Domingues, como negociou com os advogados do ex-presidente da Caixa uma lei à medida, esta “é uma situação que merece censura política“.
É que, lembra Bagão Félix, “uma das funções soberanas mais importantes do Estado é que é o único produtor de legislação“. Isto não significa que “não possa ter as suas assessorias externas”, mas, neste caso, o diploma “foi feito pela outra parte”. Leia-se: as alterações ao Estatuto do Gestor Público, que permitiram isentar os administradores CGD das obrigações impostas por esta lei, foram desenhadas por esses mesmos administradores.
"Discutir-se o formalismo, se foi por email, carta ou boca a boca, deixo para os partidos. Mas merece censura política.”
“Se o diploma foi feito nestas condições, acho bastante anómalo e censurável. Quanto ao resto, discutir o formalismo, se foi por email, carta ou boca a boca, deixo para os partidos. Mas merece censura política”, volta a frisar Bagão Félix. Isto não significa demissão, até porque “já sabe que, em Portugal, quando se pede a demissão de um ministro, é a melhor maneira de segurar esse ministro“. Mas é necessário, sublinha, “escrutinar e apreciar publicamente o caso de maneira a que, ao menos, seja dada uma lição ao infrator e feita uma prevenção para o futuro”.
"Se ele tivesse mentido, era um caso grave, porque um ministro não pode mentir a uma comissão de inquérito.”
A troca de cartas com António Domingues também merece atenção. “Não posso afirmar se mentiu porque não tenho informação completa sobre o assunto. Mas, se ele tivesse mentido, era um caso grave, porque um ministro não pode mentir a uma comissão de inquérito”, afirma Miguel Beleza. Definitivamente, acredita, “este é um caso grave e é um caso que merece reflexão profunda”.
No centro deste caso que merece reflexão profunda está a correspondência trocada entre o gabinete de Mário Centeno e António Domingues. As cartas, a que o ECO teve acesso, começam a 11 de abril e confirmam que, apesar das declarações públicas de Centeno, que disse não haver qualquer compromisso, foi acordado entre o Governo e o antigo presidente da Caixa um regime de exceção para os administradores do banco público, para que estes não tivessem de entregar a declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional.
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