“País tem de assumir a responsabilidade pelo seu destino”, defende Pedro Soares dos Santos
CEO da Jerónimo Martins diz que a pandemia sublinhou a importância do sentido ético dos profissionais. E quer um país mais "preparado, produtivo e livre", diz em entrevista, no âmbito dos IRGAwards.
Pedro Soares dos Santos, Presidente e Administrador-Delegado do Grupo Jerónimo Martins, é um dos nomeados na categoria de melhor CEO na relação com os investidores da 33ª edição dos Investor Relations and Governance Awards (IRGAwards), uma iniciativa da consultora Deloitte. Em entrevista ao ECO, por e-mail, o gestor sublinha que “a verdadeira liderança exerce-se pelo exemplo”.
“A competência técnica é muito importante, mas se os valores não forem suficientemente sólidos para se afirmarem face ao medo e quando as circunstâncias são muito difíceis, então é porque não eram verdadeiros”, afirma o CEO, que ocupa a liderança executiva do grupo desde abril de 2010.
Sobre Portugal, gostava que “fosse um país onde os portugueses pudessem viver melhor do seu trabalho” e que “assumisse a responsabilidade pelo seu destino”. Defende que é preciso ter “pensamento estratégico” e “a coragem e o patriotismo de fazer reformas profundas que permitam atrair mais investimento nacional e estrangeiro e aliviar os cidadãos e as empresas da carga fiscal asfixiante que bloqueia a iniciativa e o crescimento”.
Qual foi o maior desafio que a Jerónimo Martins teve de enfrentar no último ano e meio?
Sendo um negócio que não podia parar, o maior desafio foi, sem dúvida, o de proteger os nossos colaboradores e clientes num contexto de pandemia, mantendo a operação a funcionar no respeito pelas medidas de restrição à circulação e à atividade impostas pelos Governos e autoridades dos países onde estamos presentes. Isto implicou grandes investimentos em testes de despiste de infeção, em equipamentos e materiais de proteção individual e coletiva, em higienização intensa dos espaços e também em confinar preventivamente os nossos colaboradores com alguma vulnerabilidade de saúde, garantindo a todos o pagamento do salário a 100%.
Pela natureza do nosso negócio, cuja importância social esta pandemia deixou bem evidente, a esmagadora maioria dos colaboradores não pode funcionar em teletrabalho, como os colaboradores dos escritórios centrais, e havia que fazer todos os esforços para que se sentissem tão protegidos quanto possível na linha da frente. Mesmo nos períodos de maior incerteza, quando não se sabia quase nada sobre o vírus e as formas de contágio, os nossos colaboradores das lojas e dos centros de distribuição foram um exemplo de sentido de missão, coragem e profissionalismo que não esquecerei.
O que é que a pandemia e as adversidades deste período mudaram na Jerónimo Martins?
A principal mudança foi que, sobretudo em Portugal e na Colômbia, passámos longos meses com os escritórios praticamente vazios e continuamos ainda com uma ocupação limitada. A prevalência do teletrabalho é algo que é novo para nós e que não tem muito a ver com a nossa cultura empresarial que assenta bastante na dinâmica das relações de equipa e nas interações presenciais. E a prova disso é que as lideranças de topo das Companhias, incluindo a minha equipa mais próxima, nunca passaram a teletrabalho. Todas as medidas, incluindo nos períodos mais críticos da pandemia, continuaram a ser discutidas e decididas presencialmente. Considero que isso foi fundamental para a forma como soubemos reagir e responder, a cada momento, à mudança das circunstâncias. No entanto, é verdade que a pandemia nos permitiu perceber que é possível assegurar “os mínimos” e garantir a continuidade de forma remota, o que, de algum modo, foi uma aprendizagem importante para o futuro.
Qual foi a sua principal aprendizagem enquanto líder?
A pandemia confirmou o que, no fundo, sempre tive como certo: a importância de me rodear de profissionais que, para além de serem muito competentes, se destacam pelo carácter, pelo sentido ético e de responsabilidade, pela lealdade à missão e, porque não dizê-lo, também pela coragem. A competência técnica é muito importante, mas se os valores não forem suficientemente sólidos para se afirmarem face ao medo e quando as circunstâncias são muito difíceis, então é porque não eram verdadeiros. A verdadeira liderança exerce-se pelo exemplo.
O tema da edição deste ano dos IRGAwards é o foco da gestão das empresas nas características humanas e sustentáveis. Concorda que a geração de retorno para os acionistas deve estar lado a lado com o retorno para a sociedade naquilo que é o propósito das empresas?
Eu represento a quarta geração da família que controla a Jerónimo Martins e, no caso da minha família, a gestão centrada no respeito pela dignidade das pessoas sempre foi dominante. Faz em 2021 exatamente 100 anos que o meu bisavô adquiriu o então chamado estabelecimento Jerónimo Martins & Filho. No início dos anos 30 do século passado, num regime de Ditadura Militar, já a Jerónimo Martins tinha cantina e pagava subsídio de férias aos trabalhadores. E 20 anos antes do 25 de Abril, foi inaugurada a Colónia de Férias para o pessoal.
O lucro, não podendo ser um fim em si mesmo, é um meio absolutamente necessário também para se poder contribuir para um mundo mais justo e sustentável.
O reconhecimento do contributo individual e coletivo e o sentido de comunidade fazem verdadeiramente parte do património genético desta empresa há, pelo menos, um século. Dito isto, é importante nunca esquecer que só as empresas saudáveis e livres financeiramente podem, de facto, honrar as suas responsabilidades. E, por isso, o lucro, não podendo ser um fim em si mesmo, é um meio absolutamente necessário também para se poder contribuir para um mundo mais justo e sustentável.
Se tivesse que eleger a principal transformação realizada pela Jerónimo Martins nos últimos anos, qual seria e porquê?
Olhando para os últimos 10 anos, destacaria a transformação não numa mas em duas dimensões: a centralidade que a agenda de sustentabilidade social e ambiental assumiu para todos os nossos negócios e o aprofundamento da internacionalização com o investimento num continente muito diferente do europeu e num país com muitas especificidades, como é a Colômbia.
E qual a maior transformação que gostaria de ver Portugal fazer?
Gostaria, antes de tudo o mais, que Portugal fosse um país onde os portugueses pudessem viver melhor do seu trabalho. E que se decidisse finalmente a ser um país que assume a responsabilidade pelo seu destino. Um país capaz de criar mais riqueza, com mais formação, mais preparado, mais produtivo, menos dependente do exterior e, no fundo, mais livre. Isto implica saber-se o que se quer ser e onde se quer chegar, ou seja, pensamento estratégico. E implica também a coragem e o patriotismo de fazer reformas profundas que permitam atrair mais investimento nacional e estrangeiro e aliviar os cidadãos e as empresas da carga fiscal asfixiante que bloqueia a iniciativa e o crescimento.
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