Redução de trabalhadores “foi a decisão mais difícil que já tomámos” no BCP, diz Miguel Maya
O CEO do BCP diz, em entrevista no âmbito dos IRGAwards, que o corte no número de trabalhadores não podia ser adiado. E “gostava de ver uma sociedade civil mais inconformada”.
Miguel Maya, presidente executivo do Millennium BCP, é um dos nomeados na categoria de melhor CEO na relação com os investidores da 33ª edição dos Investor Relations and Governance Awards (IRGAwards), uma iniciativa da Deloitte. Em entrevista por e-mail, o gestor diz que a redução de quadros do banco foi a decisão mais difícil que a comissão executiva teve de tomar, mas que a “responsabilidade de assegurar a sustentabilidade do banco e de atuar em defesa de todos os seus stakeholders” não permite “projetar o futuro com base em cenários irrealistas, como se não houvesse consequências em não agir atempadamente”.
Olhando para o desafio que a pandemia lhe colocou enquanto gestor, realça que esta crise foi diferente, porque “as incertezas e as ambiguidades eram enormes. A capacidade de reação, de adaptação, de análise da múltipla e frequentemente inconsistente informação mostrou a importância da diversidade da gestão, da robustez dos processos, da gestão partilhada e participada”, considera Miguel Maya, que é licenciado em Organização e Gestão de Empresas pelo ISCTE e fez programas de pós-graduação na AESE e no INSEAD.
O gestor, que entrou no BCP em 1996 pela fusão com o Banco Português do Atlântico, elege a transformação digital como a principal mudança que o banco teve de empreender. Sobre o país, “gostava de ver uma sociedade civil mais inconformada, mais exigente com o Governo e com o funcionamento das instituições.”
Qual foi o maior desafio que o Banco Comercial Português teve de enfrentar no último ano e meio?
O maior desafio “foram dois”, pois tratam-se de dois temas com uma importância enorme na vida do banco, um geral e outro específico. O primeiro foi lidar com um contexto de enorme imprevisibilidade e elevados riscos, como o que vivemos em resultado da crise sanitária e da consequente crise económica.
Um gestor está preparado para decidir com base em análise de informação, dados, tão profunda quanto o tema mereça, sabendo que a informação raramente é absolutamente completa, mas que deve ser sempre razoavelmente suficiente e fiável para suportar as decisões. Nesta crise foi diferente, as decisões impunham-se, mas as incertezas e as ambiguidades eram enormes. A capacidade de reação, de adaptação, de análise da múltipla e frequentemente inconsistente informação mostrou a importância da diversidade da gestão, da robustez dos processos, da gestão partilhada e participada. Apesar de não constituir novidade saber que o BCP dispõe de excelentes profissionais a todos os níveis da organização, a verdade é que fiquei surpreendido com a agilidade, a capacidade de adaptação e de comunicação que o banco demonstrou.
O outro grande desafio que tivemos de enfrentar foi, sem dúvida, a implementação no passado mês de junho de um processo estruturado de redução do quadro de trabalhadores do BCP. Considero que foi uma decisão muito difícil, a mais difícil que já tomámos, por termos plena consciência do seu impacto na vida das pessoas por ela abrangidas, mas a nossa responsabilidade de construir o futuro, de assegurar a sustentabilidade do Banco e de atuar em defesa dos interesses de todos os seus stakeholders, incluindo os trabalhadores do BCP, não nos permite projetar o futuro com base em cenários irrealistas, como se não houvesse consequências em não agir atempadamente, nem procrastinar decisões necessárias por mais difíceis que estas sejam.
A adequação da estrutura do banco a um contexto em forte mudança, que tem alterado substancialmente a forma de operar no setor financeiro, era um processo que já se antecipava como necessário antes da pandemia mas que foi acelerado pela evolução tecnológica e pela forma como os clientes alteraram os seus hábitos de interação com o sistema financeiro, incluindo os novos operadores de serviços financeiros.
O que é que a pandemia e as adversidades deste período mudaram no BCP?
A pandemia teve um impacto muito forte na vida das pessoas, impondo períodos de confinamento generalizado e restrições relevantes que afetaram as interações entre pessoas e abrangeram a maior parte dos setores de atividade económica, tendo em alguns casos forçado mesmo a sua paragem. Mas as adversidades da pandemia funcionaram também como acelerador na tendência de digitalização da economia. Em poucos meses verificou-se uma adoção generalizada de rotinas digitais pelos consumidores precipitando uma tendência que se estimava demorasse ainda alguns anos a ser assimilada, com reflexos na alteração das expectativas dos clientes (a exigirem respostas cada vez mais rápidas e personalizadas) e nos modelos de funcionamento e de trabalho das empresas.
Fruto dos investimentos já efetuados na transformação digital do modelo de negócio, na adaptação da estrutura orgânica, na capacitação de quadros e na automatização de processos, o BCP estava preparado para reagir eficazmente aos principais desafios com que nos deparámos. Continuámos, mesmo nos períodos mais difíceis da crise pandémica, a disponibilizar o atendimento presencial aos clientes nas sucursais. Passámos subitamente para um modelo de recurso intensivo ao teletrabalho, que chegou a 90% nas áreas centrais, sem que a qualidade, o nível de serviço ou a segurança no atendimento dos clientes fossem afetados. O trabalho colaborativo e o profissionalismo das equipas do banco foram notáveis.
No período inicial em que a incerteza e os impactos da pandemia mais afetaram os clientes, o BCP revelou uma enorme agilidade na forma como conseguiu colocar a tecnologia e as competências digitais do banco ao serviço dos clientes, particulares e empresas, nomeadamente pelo recurso à automação e às plataformas digitais para disponibilizar fundos das linhas de apoio e implementar soluções que permitiram mitigar os efeitos da quebra de atividade. Fez muita diferença sermos um banco de relação com proximidade aos clientes. Termos liderado a colocação das denominadas linhas Covid não foi obra do acaso nem trabalho de robots; foi resultado da qualidade dos profissionais do banco e da importância que tem para os clientes trabalharem com um banco em que não são apenas mais um nome ou um número; um banco que tem plena consciência que o seu sucesso só pode ser alcançado se estiver alinhado com os interesses dos seus clientes.
Qual foi a sua principal aprendizagem enquanto líder?
Têm sido tempos muito ricos em ensinamentos. Nesta crise aperfeiçoei o saber trabalhar com elevados níveis de incerteza e ambiguidade e a ajustar tempestivamente as decisões em função da leitura em equipa da evolução do contexto. Ficou ainda mais evidente que a qualidade e diversidade da equipa de gestão é determinante e que a existência de processos e modelos de governo bem estruturados se torna ainda mais importante perante contextos de forte ambiguidade e imprevisibilidade, pois ao contrário do que muitos gestores pensam (que processos formais retiram agilidade) o que acontece é que dispor de processos bem definidos cria condições efetivas para rapidamente se tomarem decisões bem estruturadas e coerentes.
O tema da edição deste ano dos IRGAwards é o foco da gestão das empresas nas características humanas e sustentáveis. Concorda que a geração de retorno para os acionistas deve estar lado a lado com o retorno para a sociedade naquilo que é o propósito das empresas?
As empresas têm um papel determinante na sociedade, desde logo na componente económica através da geração e propagação de prosperidade, mas também nas componentes social e ambiental, comprometendo-se a atuar em prol do desenvolvimento equilibrado e sustentável das comunidades onde estão inseridas.
Temos a responsabilidade de assegurar que as próximas gerações vão também dispor de um planeta viável e que a vida em sociedade é mais equilibrada e saudável, estimulando o talento e o empreendedorismo mas, simultaneamente, protegendo os mais desfavorecidos.
Temos a responsabilidade de assegurar que as próximas gerações vão também dispor de um planeta viável e que a vida em sociedade é mais equilibrada e saudável, estimulando o talento e o empreendedorismo mas, simultaneamente, protegendo os mais desfavorecidos. Todos os stakeholders, incluindo os acionistas, beneficiarão de empresas que contribuem a diversos níveis (ambiental, social e de Governance) para o progresso da comunidade como um todo. Mas não nos podemos esquecer nunca que a rendibilidade é indissociável e indispensável para que uma empresa possa de forma efetiva e sustentável partilhar valor com a sociedade.
Se tivesse que eleger a principal transformação realizada pelo Banco Comercial Português nos últimos anos, qual seria?
Salientaria o percurso de transformação digital que o BCP tem vindo e efetuar desde 2018 e que não só nos tem permitido competir de igual para igual com os operadores “nativos digitais” como tem merecido forte reconhecimento pelos clientes, os quais recorrentemente elegem a nossa app como a melhor do mercado. É fascinante, e desafiante, trabalhar num banco inovador que está a liderar esta transformação no mercado financeiro português. Considero que a transformação do nosso modelo de negócio, onde o digital coabita de forma simbiótica com o atendimento humano personalizado e de elevada qualidade, é algo que nos distingue e continuará a distinguir no futuro. Em termos mais holísticos, destacaria a profunda adaptação do modelo de negócio e dos mecanismos de governance, os quais asseguram que somos capazes de progredir e vencer num contexto altamente competitivo.
E qual a maior transformação que gostaria de ver Portugal fazer?
Gostava de ver uma sociedade civil mais inconformada, mais exigente com o Governo e com o funcionamento das instituições de forma a promover um ambiente de negócios que fomente o empreendedorismo e a criação de centros de competência em Portugal e que simultaneamente seja mais solidária de modo a reforçar a rede social de proteção dos mais desfavorecidos.
Temos de apoiar mais o tecido empresarial a todos os níveis, pequenas, médias, mas também as grandes empresas, com exigência e transparência, sem rendas nem barreiras nacionais específicas.
Temos de apoiar mais o tecido empresarial a todos os níveis, pequenas, médias, mas também as grandes empresas, com exigência e transparência, sem rendas nem barreiras nacionais específicas (fiscal, laboral…), que para além de desajustadas se revelam prejudiciais num mercado global no qual estamos inseridos. As empresas, a par da educação, têm um papel determinante no desenvolvimento social e isso tem de ser assumido sem complexos pela sociedade portuguesa e pelas suas instituições. Não falo de centros de decisão, falo de pólos de capacitação e de atração e retenção de talento.
Considero essencial que nos foquemos nas oportunidades e vantagens que Portugal tem ou pode efetivamente desenvolver. Compete-nos fazer tudo o que esteja ao nosso alcance para aproveitar ainda melhor e de forma mais equilibrada os recursos do país. É muito importante que o país aproveite o Plano de Resiliência e Recuperação para assegurar que temos competências diferenciadoras em áreas e atividades viáveis, com futuro. Estou confiante que seremos bem-sucedidos na melhoria do ambiente de negócios, na promoção de maior equilíbrio social e no desenvolvimento das vantagens competitivas para projetar Portugal num mundo global.
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