"A comunicação é feita na pós-compra. São os clientes que trazem os novos clientes, com efeito viral e Rt superior a 1", diz o CEO do WYgroup, defendendo que hoje o marketing é o produto.
Pedro Janela estudou Engenharia Eletrotécnica no Instituto Superior Técnico, mas acabaria por enveredar pelo marketing depois de fazer, em 1995, um programa executivo de Estratégias de Marketing Competitivo na Wharton School da Universidade da Pensilvânia. Foi fundador do WYgroup, em 2001, de que é o presidente executivo. Apaixonado pela comunicação e pela tecnologia, afirma que “o marketing hoje é mais engenharia do que gestão”. Até porque, cada vez mais, o marketing é o próprio produto.
Empreendedor e business angel através do fundo de capital semente eggNEST, diz que “estamos no advento da quinta revolução industrial, que “será uma nova oportunidade económica muito mais significativa do que foi o digital”.
Pedro Janela questiona ainda o uso de fundos europeus para a transição digital das empresas. “Se é para formação no digital ou para um novo sistema de informação, são coisas que se uma empresa não tem capacidade para fazer, então se calhar nem devia existir”, considera. “É uma estratégia de negócio que não necessita à partida de investimento do setor público. Já se falarmos no que são novas vagas de tecnologia e ciência, aí sim”.
A preparar esta entrevista deparei-me com um estudo do Credit Suisse segundo o qual a longevidade das empresas do índice S&P500 baixou de cerca de 60 anos nos anos 50 para menos de 20 atualmente. A capacidade de adaptação tornou-se fundamental para sobreviver no mercado?
O S&P500 tem empresas que com a digitalização valorizaram extraordinariamente. Os antigos saíram e os novos entrantes são empresas recentes, o que altera a idade média das empresas. E vai continuar a ser assim. Nós estamos no advento da quinta revolução industrial. A quarta, que é a digitalização vai a meio. A quinta é a bioengenharia, genoma e genética. E isto é tão avassalador e desproporcional do ponto de vista do que vai fazer ao ser humano, porque é o ser humano alterado na sua génese, que não compreendemos bem o que se está a passar.
Com a quarta revolução industrial, com a digitalização e a explosão tecnologia, nós temos a capacidade para entender o código genético do ser humano e fazer vacinas em dois dias. Ainda estamos no princípio disto, mas é a abertura de um mercado completamente novo. Uma empresa destas de um dia para o outro vale milhares de milhões, porque conseguiu resolver um problema da humanidade. A saúde continuará a ser o maior mercado do mundo. E o maior setor económico do mundo vai sofrer a maior alteração nos próximos 40 anos com o advento da quinta revolução industrial, onde naturalmente a Europa tem um papel a desempenhar. As grandes empresas de energia química eram as farmacêuticas que começaram há 100 anos e há muitas que ainda são europeias. Está a nascer neste momento uma nova oportunidade económica muito mais significativa do que foi o digital.
Há um consultor e autor de marketing digital, Tom Goodwin, que popularizou o termo “darwinismo digital”.
É mesmo assim e só ganha um. São corridas de plataformas. A erva daninha… quer dizer não é a erva daninha, mas o crescimento explosivo e exponencial das plataformas que estão assentes no circulo virtuoso dos dados — mais dados, melhores padrões, melhores produtos, mais clientes, mais dados — é tão forte que as plataformas matam tudo à sua volta. A comunicação dos produtos é feita em pós-compra, ou seja são os clientes que trazem os novos clientes, com efeito viral e Rt superior a 1. É avassalador.
Nas aulas falo do caso da Jio, um operador de telecomunicações que tem hoje mais de 400 milhões de clientes na Índia e não existia há cinco anos. Como é que entraram no mercado? Não foi a vender um produto, a dizer: “Queres um telefone, pagas 25 euros e tens dados ilimitados”. Não. Diz: “Está aqui um telefone e pagas zero”. Porque vai vender outros produtos em cima. Rebentaram com o mercado e hoje em dia o Google e o Facebook têm de lhes pagar 20 mil milhões para poderem aceder àqueles clientes. Transformaram o mercado. O custo do dado passou de 4 dólares por Gigabyte, para 0,06 cêntimos. Não monetizam a plataforma naquilo que os incumbentes faziam, que era vender dados. Vendem é serviços, acesso a conteúdos, pagamentos digitais, televisão. A infraestrutura é dada. Este caso é muito engraçado porque vem de uma petrolífera que é a Reliance. Devem ter tido um consultor que lhes disse que os dados são o novo petróleo, pegaram em 20 mil milhões e fizeram uma operadora de telecomunicações. Em cinco anos já são líderes. É a maior captação de clientes de sempre em qualquer mercado.
Isso está a acontecer noutros setores e noutros mercados.
Está a acontecer. Começa por uma entidade que entende como pôr zero naquilo que hoje é visto como custo. O Facebook viu isto muito facilmente. Vou dar conteúdos a zero, és tu que vais fazer e vou pôr publicidade em cima disto. O Google a mesma coisa. Tiraram o oxigénio à comunicação social. O que está a acontecer nestes mercados está a acontecer em muitos outros. É só uma questão de o mercado ser totalmente digital. Quando há física e átomos é mais difícil, porque exige logística.
Há pouco usou a expressão erva daninha para dar a ideia de que as plataformas matam tudo à volta. Isso significa que tem de haver mais regulação sobre estas plataformas?
(risos) Mata tudo à volta e cresce muito depressa. Não tenho dúvida nenhuma de que é necessária regulação. O Google é de 1998, a Amazon de 1994, o Facebook de 2007. São empresas que há dez anos não tinham existência relevante e um Estado não consegue reagir em dez anos. Porque quem lá está é da geração passada, ainda está a perceber o que é isto, não tem as implicações efetivas da transformação que está a acontecer no mercado. Os reguladores não estão conscientes da progressão da erva daninha. Os ciclos governamentais, as regulações locais, as verdades absolutas de abertura do mercado. Por muito que a Direção Geral da Concorrência vá lá multar o Google em mil milhões, o Google faz mil milhões… [pausa um segundo] já está, mais mil milhões. São empresas com um património intelectual e uma capacidade tecnológica inacreditável. Exige uma mentalidade e uma visão, em escala, que só os americanos, os chineses e os indianos parecem ter. Agora que tem de haver alguma regulação, tem.
Estes monopólios são naturais em cada revolução industrial. Há uma empresa que acaba por tomar conta do setor e é o regulador que vai lá parti-la.
No departamento de relações públicas da Amazon trabalham 900 pessoas, mais do que no Washington Post, que é do Jeff Bezos. São 900 pessoas só a tratar da imagem da corporação. Eles aprenderam a lição, de quando se partiram as telecomunicações nos EUA, quando se partiram as empresas cirúrgicas. Estes monopólios são naturais em cada revolução industrial. Há uma empresa que acaba por tomar conta do setor e é o regulador que vai lá parti-la.
Voltando ao darwinismo digital, quando olha para Portugal que retrato é que faz? O país está a conseguir adaptar-se?
Olhemos para os números. Portugal é um país que todos os dados são tipicamente acima da média e há um dado muito engraçado que é o consumo no e-commerce em percentagem do PIB. Nós compramos tanto online como os holandeses. Portugal está muito desenvolvido nessa área. Por outro lado temos um atraso significativo na literacia digital das populações mais velhas e da utilização. Há projetos, como o Portugal Digital e o Muda, que tentam levar a utilização das ferramentas digitais a esses segmentos. Não nos podemos esquecer que Portugal é o terceiro país mais envelhecido do mundo, com uma média etária de 46 anos. Há uma certa faixa em que já não será possível e que vai criar um vício na métrica.
O Governo destinou 650 milhões do Plano de Recuperação e Resiliência para a transição digital das empresas. Parece-lhe suficiente?
Não tenho matemática para saber se é suficiente ou insuficiente. A minha perspetiva pessoal é que os governos têm de fazer investimentos massivos onde economicamente não é razoável para os privados, nem se vão obter retornos sustentáveis. A transição digital deve ser sustentável para a empresa. É uma estratégia de negócio que não necessita à partida de investimento do setor público. Já se falarmos no que são novas vagas de tecnologia e ciência, aí sim.
A transição digital deve ser sustentável para a empresa. É uma estratégia de negócio que não necessita à partida de investimento do setor público. Já se falarmos no que são novas vagas de tecnologia e ciência, aí sim.
Quando uma SpaceX consegue fazer foguetões é porque a NASA e o Estado deu dinheiro ao senhor Musk para o fazer, porque senão não teria capacidade. Estamos a falar de investimentos muito específicos em áreas de ponta que provavelmente não aconteceriam da mesma maneira. Ou o investimento público vai para coisas de vanguarda que vão criar valor económico porque são inovadoras, muito diferentes e relevantes, ou então não faz sentido. Se é para formação no digital ou para um novo sistema de informação, são coisas que se uma empresa não tem capacidade para fazer, então se calhar nem devia existir.
O dinheiro podia ser melhor aproveitado.
O principal problema da humanidade hoje em dia é a transição climática, e o PRR também o quer fazer. Apesar da transição digital estar ligada à transição climática, até que ponto a segunda não é mais importante? Se há problema para resolver é este. A transição digital, sendo nós capazes de gerar valor, temos de o conseguir fazer sem grande investimento do Estado.
Quais são as grandes tendências do marketing digital para onde as empresas deviam estar a olhar agora?
Há três grandes tendências. Quando agora falamos de marketing digital, tem sobretudo a ver com conceção de produto. O marketing é o próprio produto. Quando vemos a jornada do cliente — a pré-compra, a compra e a pós-compra — há uma migração gigante do que são os investimentos na pré-compra, a publicidade, para sistemas de pós-compra. Ou seja, o próprio cliente fala daquilo e traz o cliente. O que quer dizer que o investimento em publicidade é muito mais baixo. O próprio produto, porque é muito bom e inovador, faz a própria comunicação. Não é por acaso que é provável que nunca tenha visto um anúncio das aplicações que tem no telefone. Há sistemas de “viralização” do próprio produto.
Não há um departamento que olha para a pré-compra (marketing), para a compra (comercial) e para a pós-compra, mas sim um novo que olha de forma integrada para o ciclo de vida do cliente.
Nós vemos isso nos nossos clientes internacionais, em que os departamentos de marketing, de vendas e de pós-venda desaparecem e aparece um departamento de experiência do cliente e do consumidor. Ou seja, não há um departamento que olha para a pré-compra (marketing), para a compra (comercial) e para a pós-compra, mas sim um novo que olha de forma integrada para o ciclo de vida do cliente, que é sempre o mesmo. Este tipo de estrutura dá muito maior importância aos sistemas de automação de marketing e de experiência do cliente do que propriamente à publicidade. Esta é a primeira tendência.
E a segunda tendência?
A segunda tendência tem a ver com a coisa mais relevante do marketing e da publicidade que é onde os olhos do consumidor passam tempo. Onde é que está o share of market da atenção. E essa está no telefone, nas redes sociais e é diferente conforme as gerações, uns mais Facebook, outros mais Instagram ou Tikok. O domínio dessas ferramentas é fundamental. Depois a maior parte das pessoas que ainda está em frente de uma televisão, durante grande parte do tempo não está a olhar para a televisão. Está num consumo sincronizado entre aquilo que se está a passar na televisão e no telefone. O que cria um problema, mas também uma enorme oportunidade do ponto de vista do marketing.
E qual é a terceira grande tendência do marketing digital?
A terceira tendência é de data. Hoje em dia é mais engenharia do que gestão de marketing. Se de um lado há um departamento de experiência do cliente do outro as organizações estão a ser focadas num data lake e de business inteligence. Essa componente da essência dos dados que sustentam o poder das decisões, não só na pré-compra, como na compra, como na pós-compra é absolutamente crítica. São esses dados que depois informam a tomada decisão na experiência do cliente.
A hiperpersonalização feita por máquinas é a tendência dos próximos 20 anos.
Grande parte da experiência do cliente, nomeadamente nas plataformas mais avançadas, não é uma decisão humana já. O que vai aparecer a seguir depende de uma decisão que uma máquina tomou e não propriamente de alguém que diz que deve ser assim ou assado. Essa hiperpersonalização feita por máquinas é a tendência dos próximos 20 anos. À medida que o tempo vai avançando e a tecnologia vai progredindo, a tecnologia que hoje está disponível para as grandes entidades vai ficando disponível para as pequenas e vai fazer mais algum darwinismo digital.
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“Está a nascer uma oportunidade económica muito mais significativa do que o digital”, diz Pedro Janela
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