As obrigações verdes (Green Bonds) da União Europeia e o financiamento da transição para uma economia sustentável

  • Diogo Pereira Duarte
  • 21 Outubro 2021

Quando levanta capital, o emitente de uma obrigação verde compromete-se a aplicar os fundos no financiamento ou refinanciamento de projetos que contribuirão para determinados benefícios ambientais.

A Comissão Europeia realizou, no passado dia 12 de outubro, a primeira emissão de obrigações verdes, tendo levantado 12 mil milhões de euros para financiar a recuperação sustentável da economia europeia, prejudicada pela pandemia.

A operação representa, de longe, a maior emissão de obrigações verdes, desde sempre, e à escala mundial. Representa, ainda, o montante de financiamento mais elevado alguma vez angariado pela União Europeia numa única operação.

A emissão foi um sucesso notável no mercado: as ordens de subscrição chegaram aos 135 mil milhões de euros, excedendo 11 vezes o montante a subscrever.

Obrigações (bonds)? Verdes? Uma obrigação é um valor mobiliário que representa um direito de crédito sobre a entidade que a emite. Esse emitente pode ser uma entidade privada, uma empresa que se financia com recurso a dívida, ou uma entidade de natureza pública, como sucede com os diferentes Estados ou a União Europeia. O investidor que subscreve a obrigação entrega fundos ao emitente, para que este os utilize no financiamento dos seus projetos e este último, em contrapartida, tem o dever de restituir os mencionados fundos, na data de maturidade, e os juros convencionados.

O que torna das obrigações verdes é, antes de mais, a finalidade na aplicação dos fundos. Quando levanta capital, o emitente de uma obrigação verde compromete-se a aplicar os fundos no financiamento ou refinanciamento de projetos que contribuirão para determinados benefícios ambientais. Mas tal compromisso, por si, não chega. Se não existirem procedimentos e controlos que garantam aquela efetiva aplicação de fundos, o benefício ambiental pode não ser atingido e dá-se uma errada informação ao mercado e investidores, ocorrendo o chamado greenwashing.

Espera-se, assim, que o emitente tenha também implementado um processo de seleção de projetos a financiar; que o circuito de realização de despesas e movimentação de fundos possa ser monitorizado pelos investidores; e que existam relatórios periódicos sobre a aplicação dos critérios descritos. É a adoção destes padrões que permite rotular as obrigações emitidas como verdes.

É para a assegurar que as obrigações emitidas são efetivamente verdes, que nas regras estabelecidas para a emissão agora realizada (NGEU green bond framework) se consagra que o que se deva entender por “benefício ambiental” será determinado por aplicação do sistema europeu de classificação (instituído pelo Regulamento da Taxonomia, o Regulamento (EU) 2020/852). Estabelece-se, ainda, que os padrões relativos à utilização dos fundos seguirão os princípios estabelecidos, para as green bonds, pela Associação Internacional do Mercado de Capitais.

O contexto mais geral. Um objetivo central do Acordo de Paris é limitar o aumento da temperatura média mundial abaixo dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais e em envidar esforços para limitar o aumento a 1,5ºC. Esta meta será alcançada através da implementação de medidas que limitem ou reduzam a emissão global de gases com efeito de estufa.

A União Europeia aderiu a estes objetivos e, adicionalmente, no European Green Deal estabeleceu o objetivo de que até 2050 não existam emissões líquidas de gases com efeito estufa na União Europeia. Para esse efeito estabeleceu-se compromisso de, até 2030, reduzir em 55% a emissão de gases com efeito estufa quando comparada com níveis de 1990.

Mas para se atingirem estes objetivos são necessários recursos. A Comissão estima que para se atingirem os objetivos para 2030 serão necessários investimentos na ordem dos € 350 mil milhões por ano.

É assim que no Plano de Ação da União Europeia para as Finanças Sustentáveis (Plano de Ação) se estabeleceram várias iniciativas como parte de um esforço global para direcionar os recursos financeiros da economia para um caminho mais sustentável, muito especialmente do ponto de vista ambiental, e que o financiamento sustentável ascendeu ao topo da agenda legislativa da União.

A emissão das obrigações verdes, do passado dia 12, deve ser entendida neste contexto: é um instrumento que, no quadro do programa Próxima Geração-UE (NGEU), implica a adoção de compromissos de longo prazo na canalização de fluxos de capitais para o setor privado, para financiar o esforço de transição da economia no sentido da sustentabilidade.

Próxima Geração-UE (NGEU). O programa NGEU, lançado pela Comissão Europeia em maio de 2020, é um instrumento de recuperação do mercado único no contexto da pandemia de Covid-19.

No NGEU, a União pretende despender um montante próximo de € 807 mil milhões, maior parte do qual utilizado no Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR). Nesse âmbito, está previsto que um mínimo de 37% de cada Plano de recuperação e Resiliência seja dedicado à transição para atividades verdes.

Para financiar o programa a Comissão Europeia adotará uma estratégia diversificada, prevendo-se que 30% dos fundos sejam angariados através da emissão de obrigações verdes, como a que agora ocorreu.

Objetivos adicionais. Com a emissão destas obrigações serão financiados vários projetos que contribuição para uma recuperação verde e sustentável, no âmbito do MRR. Mas existem benefícios adicionais. A emissão terá um impacto significativo no mercado de capitais, já permitirá aos investidores o acesso a um instrumento verde com elevado rating de crédito e grande liquidez e dinamizará o mercado de obrigações verdes, servido de exemplo a outros emitentes.

  • Diogo Pereira Duarte
  • Sócio e co-coordenador da área de Direito Financeiro da Abreu Advogados

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