A eficiência energética é o herói desconhecido da luta contra as alterações climáticas
A COP26 lembra-nos que a luta contra as alterações climáticas não engloba apenas coisas atraentes ou vistosas: o conceito de utilizarmos menos energia é o verdadeiro herói desconhecido desta batalha
O relatório de agosto do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sua sigla em inglês) foi devastadoramente claro: divulgado enquanto incêndios assolavam a Grécia, a Califórnia e a Sibéria, ofereceu um “banho de realidade” ao reportar que as alterações climáticas são “generalizadas, rápidas e estão a intensificar-se”.
Contudo, por mais sombria que seja a situação, há um lado positivo: ela não surgiu do nada. Sabemos o que está a provocar as alterações climáticas. Sabemos que reduzir as emissões dos gases de efeito de estufa é a melhor maneira de atrasar os seus efeitos. E já temos muitos mecanismos para conter essas emissões.
Por outras palavras, não temos de começar do zero e “inventar a roda” da descarbonização; temos, sim, de aproveitar as abordagens e tecnologias existentes – incluindo aquelas cujo potencial ainda é amplamente subestimado.
Em termos simples, há três peças principais no puzzle da descarbonização: a energia renovável, a eletrificação e a eficiência energética. As duas primeiras são relativamente fáceis de compreender – podemos literalmente vê-las e senti-las.
As fontes de energia limpa e renovável, como a energia solar, eólica, energia das ondas, biomassa e hidroelétrica ainda representam apenas uma fração do mix global de energia. Contudo, os enormes investimentos, o progresso tecnológico e a criação de políticas proativas em muitas regiões do mundo têm-nas tornado cada vez mais competitivas do ponto de vista comercial. Os parques eólicos e os painéis solares são agora omnipresentes, da China à Califórnia – e também geram eletricidade mais barata do que as centrais de carvão na maioria dos locais do mundo.
Falando da eletrificação, quase todos os grandes fabricantes de automóveis estão a preparar-se para abandonar a tecnologia de energia de combustão, substituindo-a por versões elétricas. Em 2050, poderão estar na estrada até 700 milhões de veículos elétricos, um número que corresponde a mais de metade das vendas globais de veículos, e supera em muito os 10 milhões registados no final de 2020, de acordo com a empresa Wood Mackenzie.
A eficiência energética, o terceiro mecanismo de descarbonização, é, contudo, menos compreendida e menos propensa a fazer manchetes do que o aumento dos painéis solares e carros elétricos. Uma vez que as suas origens e efeitos estão distribuídos por milhões de ações e locais – casas, fábricas, sistemas de transporte… –, é mais difícil de visualizar, medir, agregar, promover ou legislar do que, por exemplo, a eletrificação de carros e sistemas de aquecimento, ou a transformação da rede elétrica de uma cidade para que se torne mais ecológica.
É invísivel, mas o seu impacto real na redução das emissões é imenso. A energia é responsável por cerca de 80% das emissões de CO2 a nível global, segundo a Agência Internacional de Energia. Eliminar o desperdício e reduzir a quantidade de energia que as fábricas, casas, edifícios e economias consomem é uma maneira significativa (e relativamente fácil) de diminuir o nosso impacto no clima.
De forma simplista, a eficiência energética significa um melhor isolamento para reduzir as perdas de aquecimento (ou arrefecimento) em casas, armazéns, edifícios de escritórios, terminais de aeroporto, centros comerciais e até mesmo Data Centers. Contudo, isso é apenas o início. Na indústria, a automação e as ferramentas digitais podem otimizar os processos, a produtividade, o desempenho e a utilização de energia necessária para a distribuição de máquinas, chips semicondutores, ou até mesmo um simples pacote de leite.
Em edifícios, cidades e infraestruturas, os sistemas de gestão de edifícios capacitados para a IoT podem reduzir significativamente a utilização e o desperdício de energia, detetando válvulas com fugas ou ajustando automaticamente o aquecimento, a iluminação e outros sistemas de acordo com o número de pessoas presentes num determinado momento, utilizando a análise de dados em tempo real.
Enquanto isso, a eletrificação, por si só, é o melhor vetor para eficiência energética e a descarbonização: as bombas de calor e os VEs são muitas vezes mais eficientes, para o mesmo efeito, do que os seus equivalentes movidos a combustíveis fósseis.
Os governos, consumidores e empresas de todo o mundo estão agora a despertar para algum deste potencial. A eficiência energética dos edifícios é uma componente fundamental do Pacto Ecológico Europeu, por exemplo.
Também é importante entendermos que muito pode ser feito agora, com as tecnologias que existem hoje. É relativamente acessível e não requer longos investimentos de milhares de milhões de euros em atualizações das tecnologias de baterias ou em minas de matéria-prima. A eficiência energética também oferece um retorno do investimento mais expressivo e mais rápido do que geralmente imaginamos. Ainda assim, continua a ser um herói desconhecido na batalha da emergência climática; um elemento indiferente, banal, mundano. É simples: os vidros duplos e os sistemas de ar condicionado digitais não são tão atrativos quanto as turbinas eólicas de 100 metros de altura ou os camiões elétricos.
Não há dúvida de que todos precisamos de fazer muito mais, e muito mais depressa, para libertar o mundo do carbono. A boa notícia é que temos muitos mecanismos aos quais recorrer e muitas ferramentas e tecnologias para implementar. A COP26 lembra-nos que é tempo de refletir, e que a luta contra as alterações climáticas não engloba apenas coisas atraentes ou vistosas: o conceito aparentemente banal de utilizarmos menos energia é o verdadeiro herói desconhecido desta batalha.
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