Tiago Oliveira Santos, CEO da Ar Telecom, fala sobre o estado do setor das telecomunicações em Portugal, onde vê pouca concorrência no segmento móvel. "Oportunidade" do leilão 5G não foi aproveitada.
No dia em que anuncia um investimento de dez milhões de euros em fibra ótica e num novo data center de 1.400 metros quadrados em Lisboa, Tiago Oliveira Santos, presidente executivo da Ar Telecom, dá uma entrevista ao ECO onde fala da empresa e do estado do setor das telecomunicações português.
O gestor acredita que o mercado “teria muito a ganhar se o número de operadores aumentasse significativamente”, sobretudo no segmento móvel, onde vê barreiras à entrada de novos players, mesmo os de grandes dimensões. A “oportunidade” do leilão do 5G não foi bem aproveitada pela Anacom, defende, apesar de recusar “fulanizar” as críticas. Se há problemas, é responsabilidade de todos — operadoras, regulador e Governo.
Quanto aos investimentos que o país deveria fazer, no contexto da receita milionária do leilão e da “bazuca” europeia, mostra-se convicto de que Portugal tem condições para se tornar na Silicon Valley da Europa. E explica porquê.
A Ar Telecom acaba de anunciar um investimento de dez milhões de euros no reforço da rede de fibra ótica e num novo data center em Lisboa. Tem novo escritório no Porto, está a contratar e vai mudar de imagem. São muitos projetos. Porquê agora?
Houve uma mudança acionista em abril deste ano. O novo acionista, a Aire Networks, é um grupo ibérico que nos traz alguma complementaridade de serviços, e que identificou uma oportunidade através da Ar Telecom como veículo para ajudar Portugal a assumir o papel que devia desempenhar em termos de importância geoestratégica no setor das telecomunicações. O grupo achou que tinha valor a acrescentar neste mercado e também identificou na Ar Telecom um conjunto de competências que vão permitir à empresa exportar para o grupo outros serviços. É bidirecional.
Estes dez milhões de euros, calculo que seja um investimento vindo do novo acionista. Ou seja, para além do investimento que tiveram de fazer na compra da empresa, é um investimento adicional da Aire Networks.
Sim, é para além da compra. Devo dizer que a Ar Telecom tem-se pautado nos últimos oito a dez anos por ter capacidade para autofinanciar o seu crescimento. Portanto, o investimento vai ser realizado pela Ar Telecom. Como não tínhamos estes projetos tão ambiciosos e o enquadramento acionista era diferente, o nosso investimento médio anual rondava os 2,5 milhões de euros por ano em redes, clientes, renovações tecnológicas. Agora, está a acelerar.
O facto de lançarem todas estas apostas em simultâneo é indício de que a empresa tem estado, de certa forma, adormecida nos últimos anos?
Não. Nos últimos anos, a empresa esteve focada num negócio que nos valorizou e que foi um dos motivos que sustentou o plano de negócios do grupo: as clouds e os serviços geridos de IT. A empresa necessitou a determinada altura no passado de diversificar a sua base de clientes e receitas, porque o mercado das telecomunicações é um mercado competitivo e que aporta bastante risco, não só pela componente da competitividade e da concorrência, mas também pelo risco regulatório (porque é um mercado regulado). O anterior acionista adotou uma estratégia de diversificação das receitas. Não é que tivéssemos estado adormecidos. Não estivemos foi tão expostos ao setor das telecomunicações.
Diz que o mercado das telecomunicações é muito competitivo. Como é que vê o estado do setor neste momento em Portugal?
O setor das telecomunicações em Portugal é muito diferente da generalidade dos outros países europeus.
Mesmo de Espanha?
Existem poucos operadores em Portugal. Em Espanha existem centenas de operadores: pequenos operadores regionais, grandes operadores a nível nacional. Em Portugal, existem muito poucos. Acredito que o mercado teria muito a ganhar se o número de operadores aumentasse significativamente. Porque o que isso significa é que existe uma maior capacidade para as empresas terem soluções à medida das suas necessidades mais específicas, porque os grandes operadores trabalham o mass market e não têm tanto em atenção a necessidade específica de cada um dos clientes individualmente.
Qual é o diagnóstico? Porque é que existem tão poucos operadores em Portugal, comparativamente, por exemplo, com Espanha?
Por um lado, o mercado é mais pequeno. Julgo que o principal motivo tem a ver com o facto de não se ter conseguido criar condições para a entrada de novos operadores móveis, sejam eles virtuais sejam quais forem. Um novo entrante no mercado, sem essa componente, tem dificuldade de entrar e de captar clientes. Uma coisa é uma empresa como a Ar Telecom, que já está no mercado há 21 anos, que tem uma base clientes, muita experiência e ocupou o seu espaço; outra coisa é um novo operador que tem de ter um conjunto de serviços (incluindo o móvel), o qual torna muito difícil a entrada no mercado.
O presidente da Anacom disse há semanas que o mercado é um “oligopólio”. Concorda?
Fundamentalmente, no segmento móvel, não lhe chamaria um oligopólio, mas é de facto difícil a entrada de novos operadores. É um mercado que poderia ser mais dinâmico. Nos serviços de rede fixa, não concordo. Existem outros players e o segmento empresarial é extremamente competitivo. Muitas vezes, uma empresa quer comprar serviços bastante complexos e quase que sai mais barato do que o administrador da empresa paga em casa pelos serviços que tem.
A Ar Telecom tem planos para voltar a entrar no segmento residencial?
Não. O nosso plano de crescimento nos próximos anos não prevê o lançamento de ofertas para o segmento residencial.
Com o 5G, Portugal vai ter duas novas operadores móveis, mas também vai ter uma empresa que vai prestar serviços grossistas (a Dense Air). Têm planos para lançar serviços 5G, contratando rede externamente?
Há vários anos que estamos atentos a oportunidades para entrar nesse segmento, mas confessamos que, no curto prazo (e mesmo com a entrada desses novos operadores), não vão existir condições que tornem a nossa entrada no mercado viável. Estamos sempre atentos. Dentro de um ano pode mudar tudo, e acreditamos que acrescentaríamos valor. Obviamente que valoriza a oferta de qualquer operador poder complementar a sua oferta com serviços móveis.
Que entrave é que vê?
A principal questão é que o acesso às redes móveis não é regulado. Existe genericamente a obrigação dos operadores móveis de negociarem, se para tal forem abordados, mas as condições são de negociação livre entre os operadores.
A Ar Telecom reforça a aposta na fibra, exatamente na altura em que é lançado o 5G. Diz-se muitas vezes que o 5G vai revolucionar as empresas e as fábricas. O 5G não é uma ameaça ao vosso modelo de negócio?
Não. Para nós, é uma oportunidade. O tráfego a nível global duplica sensivelmente a cada dois anos e, por muito que se queira vender o 5G como a solução ubíqua para todos os problemas das empresas, existe uma limitação física, matemática quase, para conseguir endereçar todas as necessidades das empresas e todos esses dados têm de conectar ao mundo. Isso é sempre por fibra ótica. O 5G não chega aos EUA ou a Londres, é uma solução de acesso local. Portugal precisa de muito mais do que tem. Precisa do 5G, precisa de muito mais fibra ótica, precisa de muito mais operadores especializados nas ligações internacionais, precisa de muito mais operadores especializados em dar soluções de alta capacidade para as empresas e outros serviços complementares, que não é só a pura conectividade. Há espaço para todos e para muitos mais.
Qual é a avaliação que faz dos últimos anos de regulação do setor em Portugal, nomeadamente por parte da administração de João Cadete de Matos?
Fulanizar não faz muito sentido. Se não funciona, a culpa nunca é só de uma entidade. Existe aqui um triângulo — operadoras, regulador e Governo — que, se não funciona, a culpa será certamente dos três.
Mas disse “se não funciona”. Na sua opinião, funciona ou não funciona?
Acho que houve momentos em que o regulador ajudou o mercado a ser mais dinâmico e tomou conjuntos de medidas de regulamentação que ajudaram a eliminar obstáculos à concorrência. O que está por fazer nessa área é na área dos acessos à rede móvel, que neste leilão não foi aproveitada essa oportunidade, como não tinha sido noutros momentos. Mas não creio que a culpa seja só do regulador. É de todos.
Temos a capacidade de tornar o país num Silicon Valley.
O Governo decidiu canalizar 143 milhões da receita do leilão para construir estradas. Como vê a decisão de, em vez de se construir autoestradas de informação, construírem-se estradas de alcatrão?
Nós, Ar Telecom, não costumamos ter uma visão sectária do mundo. O Governo tem o big picture, tem como missão tomar decisões que acha que são as melhores para o país, e temos de confiar nessas decisões. O Governo entendeu que era importantíssimo para o país e para essas populações terem esses complementos. Tem toda a legitimidade para o fazer.
O leilão gerou 566,8 milhões. 143 milhões já sabemos o destino, e estava previsto a receita constituir um novo Fundo para a Transição Digital. Que investimentos deviam ser feitos com esses recursos?
Temos um problema de execução, não temos um problema de definir grandes metas ou caminhos onde os investimentos devem ser feitos. Isto à semelhança do PRR. O nosso desafio enquanto país é executar bem, escolher bem, mas não na brochura. É depois no dia-a-dia, como é que as empresas e as Administrações Públicas vão transformar isso em valor de longo prazo. Aí, há imensas coisas a fazer: a digitalização do relacionamento com as pessoas; nas próprias empresas, há imensas que precisam de ajuda na sua transição digital, porque não têm capacidade financeira para o fazer. O nosso problema enquanto portugueses, enquanto Portugal, sempre foi a execução. Nunca foi definir as grandes linhas.
Portugal tem capacidade para assumir a tal importância geoestratégica de que falou?
Temos toda a capacidade. Enquanto país, temos a capacidade de tornar isto num Silicon Valley, porque é um país para onde toda a gente quer ir viver. É um país onde conseguimos não só reter os talentos portugueses mas captar talentos internacionais para virem para cá. Enquanto empresa de média dimensão que somos, queremos dar o nosso contributo com estes investimentos que estamos a realizar e vemos algumas movimentações no mercado com outros investimentos que nos dão alguma esperança de que o país siga nessa direção. Achamos que o país deveria adotar como objetivo estratégico de médio/longo prazo ser esse Silicon Valley. Nós cá estamos para dar o nosso humilde contributo nesse sentido.
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Mercado das telecomunicações “teria muito a ganhar” se houvesse mais operadoras
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