A vida, os políticos e o FEFSS
Continuar a negar que os mercados financeiros têm retornos muitos positivos e não alinhar as práticas de gestão com os valores da CE é simplesmente trair a confiança das gerações futuras.
Peter Drucker, um dos pais da gestão moderna, afirmou o seguinte: “O objetivo do marketing é entender o consumidor tão bem, que o produto ou serviço se molde a ele e se venda sozinho”.
Pois bem, se há uma realidade que constato em cada eleição é o conhecimento cada vez mais refinado que cada partido político tem do seu segmento alvo. Para tal, basta por exemplo “espreitar” os inquéritos de análise do perfil do investidor que a comissão de mercados e valores mobiliários (CMVM) vai publicando. Através desta informação preciosa, alguns políticos percebem que devem fomentar o medo, para justificar a não implementação de propostas, comprovadamente eficazes noutros países ou locais e que, poderiam ajudar Portugal a sair da “armadilha dos países de rendimento intermédio” [1].
Vai um exemplo?
Existe um tipo de eleitor português que tem uma profunda aversão à mudança e ao risco [2]. Assim sendo, que tipo de propostas se devem apresentar para criar empatia e fechar a venda? Propostas de continuidade, ou seja, o business as usual, como é obvio.
Quem se lembra da reação de repulsa ideológica de um dos representantes de um partido político, muito conservador, perante uma sugestão da Iniciativa Liberal quanto à introdução de uma componente de capitalização na Segurança Social?
Na ótica desse candidato a Primeiro-Ministro, a exposição dos contribuintes ao bicho papão dos mercados financeiros seria contraproducente, já que ele tudo destrói. O melhor é deixar tudo como está, já que levar as contribuições dos portugueses para os mercados financeiros é condená-los a não ter pensões. Contudo, ao ser confrontado com algumas alocações do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), lá sorriu, tendo até feito menção às satisfatórias rendibilidades anuais do mesmo.
Confesso que fiquei com a sensação de que o candidato da esquerda não estava a par do que se vai fazendo no FEFSS, nomeadamente quanto ao tipo de ativos que tem de se recorrer para se conseguir os ditos retornos. Não é necessariamente este aspeto que me incomoda, uma vez que o fundo é gerido por pessoas com competência comprovada. Incomoda-me sim, saber que este alheamento, por ignorância ou enviesamento ideológico, implique que não sejam ativados e fomentados outros elementos virtuosos dos mercados financeiros.
Refiro-me concretamente ao uso dos 21 mil milhões de euros depositados no FEFSS, para a construção de um Portugal mais sustentável. Muitos defendem o ambiente e as causas sociais, com muitas proibições, mas ainda não perceberam que a ação política também se faz, dotando o FEFSS de instruções de gestão alinhados com as instituições europeias, nomeadamente a Comissão Europeia.
Segundo esta, e tomando em consideração a sua comunicação de março de 2018, as finanças podem ser usadas para ter “um mundo mais sustentável”, e tal é possível através da reorientação dos “fluxos de capitais para investimentos sustentáveis, a fim de assegurar um crescimento sustentável e inclusivo”.
Pois bem, parece-me que essas narrativas de profunda aversão aos mercados financeiros podem ser úteis para convencer algum eleitorado, mas nem ajudam à sustentabilidade financeira da Segurança Social, nem à prossecução de um mundo socialmente mais justo ou ambientalmente mais equilibrado.
Não nos podemos esquecer que 21 mil milhões de euros é de facto muito dinheiro, que permite financiar organizações com boas práticas de responsabilidade social e ambiental, excluindo quem não esteja alinhado com um paradigma de respeito e maximização de todos os tipos de capitais.
Note-se que os maiores fundos públicos mundiais já o estão a fazer. Dou como exemplo o fundo soberano Norueguês, Japonês ou até mesmo o fundo de pensões dos funcionários públicos da Califórnia, que já incorporaram orientações na sua política de investimento para a procura de um ecossistema mais sustentável.
Continuar a negar que, a longo prazo os mercados financeiros têm retornos muitos positivos e não alinhar as práticas de gestão com os valores da Comissão Europeia é simplesmente trair a confiança das atuais e futuras gerações e condenar um país à miséria e à desigualdade.
1 . https://eco.sapo.pt/2021/10/22/um-guia-para-fugir-a-armadilha-do-rendimento-intermedio/
2. CMVM – CMVM divulga estudo sobre literacia relativa ao mercado de capitais em Portugal
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