“Se estas eleições vêm trazer estabilidade a Portugal, ainda bem.” Entrevista ao presidente da IBM

Novo presidente da IBM pede "estabilidade" e uma maior aposta na modernização dos serviços públicos. Fala ainda sobre a transformação da empresa e como a IA pode acelerar a resposta do SNS24.

Ricardo Martinho é presidente da IBM Portugal desde setembro, mas diz-se “português acima de tudo”. Entrevistado pelo ECO, não esconde a expectativa de que a nova legislatura, marcada pela maioria absoluta socialista, traga estabilidade política e económica a Portugal, algo que é “importante para todas as empresas”.

Quando assumiu a liderança da tecnológica, encontrou uma IBM a passar por uma “mudança radical”. Nada disto lhe era estranho — está nos quadros desde 1998. Assume que a marca é bastante conhecida, mas que poucos sabem o que faz: “Disponibilizamos tecnologia em linha e muito próxima daquilo que é a ciência”, resume.

Durante a conversa, Ricardo Martinho revela que a IBM está “a pensar em aumentar a equipa”, que contando com o pessoal dos centros de inovação que espalhou pelo país ronda já as 900 pessoas. Está a recrutar para a sede, enquanto planeia também um quinto centro tecnológico no país.

Há muito para fazer. Portugal tem uma capacidade de fazer coisas extraordinária e não a aproveita.

É gestor de uma grande empresa em Portugal. Como é que vê a maioria absoluta do PS nas últimas eleições?

Não temos uma opção partidária dentro da IBM. Agora, uma coisa é importante para todas as empresas e para a IBM também, mas acima de tudo para Portugal: o que todos esperamos é que haja estabilidade. E essa estabilidade tem de ser procurada o mais depressa possível. Nós temos de saber tomar decisões, de não ter medo de tomar decisões. É preciso conhecer e pensar o futuro, é preciso prepararmo-nos para o futuro e é preciso termos uma capacidade de criação de investimento, de valor, tremenda. Isso só é conseguido através de estabilidade.

Se estas eleições vêm trazer estabilidade a Portugal, ainda bem. Se não vêm trazer estabilidade e vêm trazer outra coisa, ainda mal. Há muito para fazer. Portugal tem uma capacidade de fazer coisas extraordinária e não a aproveita. O que me custa, sinceramente, enquanto gestor de uma grande empresa como a IBM, é a falta de capacidade geral que temos a nível dos nossos decisores da Administração Central e da Administração Pública (AP) de tomar decisões a médio e longo prazo. Essas decisões a médio e longo prazo é que vão fazer a diferença ao nosso país.

António Costa vai formar Governo. Para a IBM, qual deve ser a prioridade do novo Governo ao nível tecnológico?

Havia um programa de digitalização de Portugal e há o dinheiro da famosa “bazuca”. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) veio e algumas verbas já estão consignadas. É consigná-las corretamente e apostar na modernização dos serviços. É aí que temos de fazer grandes investimentos e há belos exemplos dentro da própria AP. Um deles é a Autoridade Tributária (AT). Quem olha para a AT há 20 anos e olha hoje, é radicalmente diferente. Agora não pego num papel para entregar o meu IRS. Antigamente, tinha de ir para filas para ir buscar não sei o quê, com um selo… Porquê? Porque a AT tem pessoas que são capazes de ter essa visão, esse pensamento, essa abertura de ver o que é que é realmente necessário para melhorar o serviço. É isso que faz falta: pessoas com abertura, com espírito inovador e que não tenham medo de tomar decisões.

Trabalha na IBM desde 1998, mas chegou recentemente à liderança. Que IBM é que encontrou quando assumiu a presidência no ano passado?

No ano passado, encontrei uma IBM em total mudança. Uma mudança radical. Fizemos uma revolução interna para nos voltarmos a focar na tecnologia. Mudámos internamente a nossa estrutura, criámos uma nova unidade tecnológica e criámos uma unidade de consultoria, a IBM Consulting. Durante o ano passado, fizemos o spin-off da nossa área de serviços de suporte à infraestrutura, com muito sucesso e que agora é uma empresa completamente separada, chamada Kyndryl.

Muita gente conhece a IBM, mas não tem a mínima ideia sobre o que é que faz. Como é que explica a um amigo leigo em tecnologia o que é que a IBM faz em Portugal?

Estou de acordo, muita gente conhece a IBM, mas talvez muito pouca gente sabe exatamente aquilo que faz em Portugal. Resumindo, pretendemos ser um catalisador do que é a inovação e melhoria da forma de o nosso mundo funcionar, seja este mundo aquilo que nós queiramos, como os nossos clientes e a sociedade em que nos integramos. Aquilo que disponibilizamos é tecnologia em linha e muito próxima daquilo que é a ciência, para que todos os nossos clientes, empresas e instituições tenham à sua disposição a tecnologia necessária para ultrapassar determinadas dificuldades e atingir determinados objetivos.

Tem muitos clientes em Portugal?

Os grandes clientes de Portugal são todos clientes da IBM. As grandes empresas portuguesas são todas e algumas pequenas empresas também. Não sei precisar quantos, mas temos milhares de clientes em Portugal.

Fizemos uma revolução interna para nos voltarmos a focar na tecnologia.

Os resultados do último trimestre não têm uma única referência a Portugal. O que é este mercado representa para uma empresa da dimensão que é a IBM – multinacional e gigante?

Em termos de IBM e de resultados, agregamos sempre os nossos resultados. Como somos uma empresa cotada e somos uma subsidiária, disponibilizamos os dados no geral. Em Portugal, diria que é uma empresa importante para a corporation. Representávamos, com a Kyndryl, cerca de 200 milhões de euros de receitas em 2020. Temos cerca de 900 pessoas a trabalhar em Portugal, no grupo constituído pela IBM, Softinsa e BTO (Business Transformation Outsourcing).

Qual é a estratégia que pensou para o seu mandato, para executar nos próximos anos? O passo que vai dar já e o que tem pensado?

Já dei esse passo. É focarmo-nos, fazermos a nossa transformação (que já fizemos) e transformar e manter aquilo que é ter equipas motivadas e alinhadas com aquilo que é a estratégia. Acho que isso já conseguimos. O que nós queremos neste momento é passar a nossa mensagem da melhor forma, com os projetos que temos em mãos e que temos de executar. Portanto, alinharmos a nossa tecnologia à experiência e crescer, que é o nosso objetivo principal.

Crescer a base de clientes. E planeiam uma expansão em Portugal?

Estamos a pensar em aumentar a equipa. Já aumentámos muito a equipa desde o ano passado. Aumentámos em cerca de 23 de pessoas [na IBM, excluindo Softinsa e outras]. Temos mais cerca de 14 lugares abertos, vagas disponíveis, quer na área tecnológica, quer na área de consultoria. Andamos à procura dos melhores em cada uma das áreas para enriquecer aquilo que fazemos.

Tem sentido dificuldade em encontrar profissionais qualificados?

Em algumas áreas, sim. Temos sentido alguma.

Ricardo Martinho, diretor geral da IBM Portugal, em entrevista ao ECO - 04FEV22
Hugo Amaral/ECO

“Não é só Lisboa ou o Porto que têm boas universidades”

Existe algum plano de expansão dos centros de inovação da IBM?

Nós temos quatro centros de inovação já montados e continuamos a investir nessas áreas. Temos o centro de Tomar, de Viseu, de Fundão e Portalegre — e depois temos o centro de BTO em Braga. Para se ter uma ideia, já temos cerca de 200 pessoas em Tomar. Lembro-me de quando fomos conhecer o local: tinham-nos dado como temporária a área do salão nobre da reitoria, mas ainda hoje é nossa. Estendemo-nos para Viseu e sim, a nossa estratégia passa por aí também.

Vão aumentar o número de centros, para além desses?

Temos em vista isso. Queremos passar este momento, que é um momento difícil, da pandemia, o momento em que a economia também está um bocadinho descentrada daquilo que é o seu foco. Portanto, deixarmos passar esta fase e continuarmos a olhar para este tipo de crescimento.

Vão expandir para quantos? E qual é o prazo?

Não temos um número, pensamos sempre “só mais um”. Estamos a pensar em expandir mais um. Não temos sítio nenhum escolhido. O investimento é uma coisa que depende muito, também, do sítio e daquilo que são as relações com as forças vivas. Fazemos um benchmarking, tentamos descentralizar. Tentamos sempre associarmo-nos a cidades que tenham uma área de formação superior próxima e, portanto, todas estas dependências é que fazem a nossa escolha e, daí, a criação desse mesmo centro.

Que importância vê nessa descentralização?

Não é só Lisboa ou o Porto que têm boas universidades. Temos aqui uma relação com outro tipo de pessoas e outro tipo de formações que enriquecem as equipas. Depois, queremos ser um catalisador de como funciona o mundo de uma forma melhor, e isso é ajudar também o país, para que tenha centros e uma economia mais dinâmica em áreas mais de interior e menos centrais. Quando criamos 200 postos de trabalho em Tomar, como deve imaginar, a cidade mudou face àquilo que era antes de aquele centro ir para lá. Em Viseu são 120. Estas coisas são sempre uma forma de dinamizar.

Ricardo Martinho, diretor geral da IBM Portugal, em entrevista ao ECO - 04FEV22
Hugo Amaral/ECO

No ano passado, a Daniela Braga da Defined.AI disse que a Europa está dez anos atrasada em inteligência artificial (IA). Concorda?

Na generalidade, sim. Pontualmente, não. Conheço áreas de investigação e implementação deste tipo de tecnologia que estão muito avançadas. Mas temos muito pouca IA à disposição dos serviços que as nossas empresas nos dão. Dou um exemplo muito simples: o SNS24. Tiveram de ir contratar mais operadores, as pessoas estão horas e horas à espera para fazer uma pergunta. Havia uma série de questões em que poderiam recorrer a IA, áreas cognitivas e robôs. Na IBM em Portugal desenvolvemos uma Cognitive Factory, que não é mais do que um acelerador de soluções cognitivas, feitas por portugueses, em Portugal, de tal forma eficaz e relevante que a própria corporation está a pensar em adotar este ativo como um ativo IBM global. E já o temos implementado em muitos clientes, como o Bankinter, o Montepio, com os seus assistentes virtuais.

Acredita que a vossa tecnologia poderia acelerar a capacidade de resposta da linha SNS24?

Mas amanhã! Não era preciso demorar dois anos. E quem diz a nossa tecnologia, diz outras tecnologias da mesma área. Aquilo que acho que acontece é que há muita falta de visão.

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