Imigração é resposta para falta de pessoas na agricultura. CAP pede rapidez na atribuição de vistos
Respondendo à crise provocada pela guerra na Ucrânia, o setor agrícola tem disponível no site do IEFF 1.028 vagas de empregos para os refugiados, adianta a CAP.
Numa década o setor agrícola viu reduzir em 14% o número de trabalhadores, mas em contrapartida as exportações não pararam de crescer. Faltam técnicos, engenheiros agrónomos, tratoristas, motoristas, operacionais de armazém mas, sobretudo, mão-de-obra para as colheitas sazonais. “A única saída” parece ser a contratação de trabalhadores imigrantes provenientes de Estados terceiros, aponta a Confederação de Agricultores de Portugal (CAP) que deixa um apelo: “Que o Ministério dos Negócios Estrangeiros dedique uma atenção especial aos diversos Postos Consulares, nomeadamente no que diz respeito à emissão de vistos com celeridade.” Respondendo à atual crise provocada pela guerra na Ucrânia, o setor tem disponível no site do IEFF 1.028 vagas de empregos para os refugiados ucranianos.
“A CAP expressa a sua maior solidariedade para com todos aqueles que fogem da guerra e procuram, em Portugal, segurança, conforto e a possibilidade de darem um novo rumo às suas vidas. Enquanto País de acolhimento temos de garantir as melhores condições para que estas pessoas possam reconstruir as suas vidas. E, nesta primeira fase, isso passa por garantir todo o apoio emocional a quem chega a um novo País, com profundas marcas da guerra, muitos deixando para trás os seus pais, maridos e filhos. Na grande maioria dos casos, não nos esqueçamos, são mães e crianças quem mais procura refúgio. “Depois, naturalmente, há que criar oportunidades de integração, incluindo a garantia de trabalho – digno e justamente remunerado“, começa por referir fonte oficial da CAP, à Pessoas.
“Nesse sentido, o setor agrícola –- à semelhança de outras áreas de atividade –- manifesta total abertura para receber aqueles que veem no mundo rural uma oportunidade para seguirem em frente. A Agricultura é um setor vital para a economia nacional, cada vez mais profissionalizada, tecnológica, sustentável, e, por isso, capaz de responder às necessidades e aspirações de quem, muitas vezes, chega com competências e qualificações acima da média”, conclui.
No site no IEFP, que agrega ofertas de emprego para os refugiados ucranianos, o setor agrícola colocou mais de mil ofertas de emprego, segundo os dados partilhados pela CAP com a Pessoas. O maior número de ofertas entra na categoria “Trabalhadores não qualificados da agricultura e produção animal combinadas” (306), seguida de “Trabalhador não qualificado da agricultura e produção animal combinadas” (189) e agricultor e trabalhador qualificado, da horticultura, floricultura, de viveiros e jardins” (122).
Retrato de um setor
Mais de 314 mil pessoas trabalham na agricultura em Portugal. A sua maioria — 120.213 — são o próprio produtor agrícola, 93.771 os seus familiares, 59.808 assalariados regulares, 30.350 mão-de-obra eventual ou sazonal e 10.367 no âmbito da contratação de serviços vários, segundo dados do Recenseamento Agrícola 2019, do INE.
O proprietário, e a sua envolvente familiar, são a esmagadora maioria da população agrícola (68%), mas nos últimos 10 anos esse peso decresceu, enquanto, no mesmo período, a mão-de-obra agrícola assalariada, com caráter regular/sazonal e prestadores de serviços, aumentou significativamente.
Globalmente, numa década, o emprego agrícola caiu 14%, um decréscimo acompanhado por um crescimento do VAB Agrícola e das suas exportações. Produz-se mais com menos pessoas.
“O setor tem sentido escassez de recursos para diversas funções. Os poucos que são enviados pelo IEFP são de pessoas que não apresentam o perfil pretendido, aptidão ou interesse para as tarefas a desenvolver. Nota-se, de uma forma geral, muito poucos candidatos interessados em trabalhar no setor agrícola”, lamenta fonte oficial da CAP.
A agricultura “enfrenta uma falta generalizada de trabalhadores para diversas funções, com especial incidência nos colhedores”, comenta a CAP. A ‘importação’ de mão-de-obra parece ser a solução. “A única saída para um setor que se encontra a crescer como o setor agrícola parece ser a contratação de trabalhadores imigrantes provenientes de Estados terceiros, o que exige celeridade e profissionalismo do lado da Administração Pública Portuguesa na emissão de vistos”, defende a Confederação.
O setor tem sentido escassez de recursos para diversas funções. Os poucos que são enviados pelo IEFP são de pessoas que não apresentam o perfil pretendido, aptidão ou interesse para as tarefas a desenvolver. Nota-se de uma forma geral, muito poucos candidatos interessados em trabalhar no setor agrícola.
Uma boa solução para o setor, mas também para o equilíbrio das contas públicas. “A contratação de tais trabalhadores estrangeiros representará um acréscimo significativo das receitas da Segurança Social (34,75% sobre os salários mensais e subsídios)”, reforça fonte oficial da CAP.
Acolher imigrantes
As nem sempre ideais condições de acolhimento da população migrante — a grande força de trabalho sazonal na agricultura para a época das colheitas — ganharam visibilidade com a pandemia e o cerco em Odemira, região do país onde se concentram grandes unidades de produção para o mercado de exportação.
Não havia casas suficientes, nem com as condições necessárias, para acolher os trabalhadores sazonais. As empresas apontaram responsabilidades às autoridades públicas e à lentidão na aprovação do alojamento temporário nas herdades. Desde 2019, diziam, nenhuma nova licença de habitação tinha sido autorizada. Mais de um ano depois, há mais condições?
“Existem já projetos aprovados, totalizando um número de camas muito próximo do comprometido com o Governo“, garante a CAP.
A Lusomorango corrobora essa evolução. O memorando de entendimento assinado, a 11 de maio de 2021, pelo Governo com a Lusomorango, a Associação dos Horticultores, Fruticultores e Floricultores dos concelhos de Odemira e Alzejur e (AHSA) e a Portugal Fresh, com vista a simplificar o processo de licenciamento e agilizar as possibilidades de alojamento temporário no interior das quintas de exploração agrícola, “começa agora a apresentar os primeiros resultados com a aprovação dos primeiros projetos”, adianta Luís Pinheiro, presidente do conselho de administração da Lusomorango.
Em Odemira, só a Lusomorango tem apresentados 542 projetos, tendo sido aprovados 312, com 230 ainda em análise; enquanto a AHSA tem 1.687 projetos apresentados, 1.112 aprovados e cerca de 575 ainda em análise, segundos os dados partilhados pela empresa com a Pessoas.
País precisa de uma solução estrutural, solução esta que, no nosso entender, passa pela necessidade urgente de criar uma Regulamentação específica e nacional para a habitação coletiva de trabalhadores sazonais.
“Existe um desafio que é necessário ultrapassar em relação à habitação em Odemira. Queremos acreditar que a concretização do Plano de Habitação, que a Câmara Municipal de Odemira tem em curso, será realizado com sucesso, e que contribuirá para melhorar a situação. Esta não é, no entanto, uma realidade exclusiva de Odemira, ou sequer do Alentejo. Este é um desafio do país que precisa de uma solução estrutural, solução esta que, no nosso entender, passa pela necessidade urgente de criar uma Regulamentação específica e nacional para a habitação coletiva de trabalhadores sazonais”, defende Luís Pinheiro.
“Para que o acolhimento e a integração destas comunidades sejam os mais adequados é necessário que Portugal regule os fluxos migratórios através de acordos bilaterais com países terceiros para o estabelecimento de origens “seguras” de recrutamento que permitam aos produtores cumprir o recrutamento ético, seguro e transparente que ambicionam“, argumenta ainda o responsável a Lusomorango, cujos produtores podem assegurar emprego a cerca de 3.000 trabalhadores, desde administrativos, quadros técnicos e apanhadores de fruta.
Como atrair e reter talento
Luís Pinheiro fala de um setor agrícola “altamente tecnológico, inovador e comprometido com a proteção dos recursos e do ambiente”, que faz da agricultura “um setor atrativo onde uma nova geração de agricultores – mais jovem, mais dinâmica, mais inovadora e mais disponível para o uso da tecnologia e com mais conhecimento – encontra uma perspetiva de carreira e de vida”.
Mão-de-obra qualificada que promove a coesão territorial, fixa as pessoas no território, combatendo a desertificação do interior. Odemira é disso exemplo. “Em 10 anos, de acordo com os dados do último Censos, cresceu 13% em população residente. Estes 13%, a maioria destas pessoas, trabalham no setor agrícola, são pessoas que voltaram à região ou que encontraram nela uma oportunidade de desenvolver o seu projeto de vida, coisa que seria muito difícil há 20 anos”, destaca o responsável da Lusomorango.
Estratégias de atração dessa mão-de-obra são, assim, necessárias. “Na Lusomorango, os produtores investem na qualificação da sua mão-de-obra e, para reter e atrair as suas pessoas, o seu talento, têm políticas e programas de pagamento de prémios de produtividade e de formação contínua, como os programas de formação em escolas de negócios de referência no setor agroalimentar, que proporcionam o crescimento interno e o desenvolvimento de carreiras”, refere o presidente do conselho de administração.
Garantir trabalho todo o ano
O Vale da Rosa emprega cerca de 245 trabalhadores — dos quais 70 de nacionalidade portuguesa e os restantes 175 nacionalidade estrangeira, maioritariamente venezuelana, tailandesa, bengalesa, paquistanesa, indiana, nepalesa, ucraniana, romena, albanesa, espanhola, guineense e senegalesa –, numa região onde faltam trabalhadores para responder às necessidades, sobretudo durante as colheitas.
Para atrair pessoas, a “principal estratégia” passa por “criar parcerias com o Município de Ferreira do Alentejo e empresas por forma a garantir trabalho durante o ano inteiro a estas pessoas e diminuir a precariedade laboral“, adianta Rosália Jacinto, diretora de recursos humanos da Vale da Rosa. Ou seja, “fazer o género de uma escala, com o período e empresas onde cada pessoa irá trabalhar, para que se mesmas pessoas, ou pelo menos uma percentagem acima de 50%, voltem na campanha seguinte.”
“Outra estratégia passa pela contratação de migrantes e criar condições de alojamento, segurança e qualidade de vida que não encontram nos países de origem. Principalmente, tentamos trazer famílias e apoia-los na sua integração para que fixem residência na região”, refere ainda.
Como 2 mil hectares de amendoal no Fundão e em Idanha-a-Nova — há a meta de chegar aos 5 mil hectares –, a folha de pessoal do projeto Veracruz é, sobretudo, composta por trabalhadores locais. “O nosso objetivo é contratar o mais localmente possível e dos 35 trabalhadores que temos atualmente, 90% são do Fundão e de Idanha-a-Nova, onde se localiza a nossa produção. Mas ao mesmo tempo, queremos atrair novos talentos e contribuir para a fixação de jovens no interior”, adianta Andreia Barbosa, diretora de Recursos Humanos da Veracruz.
“Em breve teremos uma fábrica de descasque e transformação de amêndoa e iremos reforçar a equipa com novos postos de trabalho.”
Somos uma empresa agrícola com processos tecnológicos muito definidos, tudo o que fazemos está assente em smart farming e atraímos talento diferenciador: analistas de dados ou pilotos de drones também fazem parte dos nossos recursos humanos.
“O projeto da Veracruz está em pleno crescimento e expansão e estamos sempre à procura dos melhores talentos para trabalhar nas nossas herdades. Neste momento, por exemplo, estamos com vagas para agrónomos, tratoristas e especialistas em máquinas agrícolas”, descreve.
“Somos uma empresa agrícola com processos tecnológicos muito definidos, tudo o que fazemos está assente em smart farming e atraímos talento diferenciador: analistas de dados ou pilotos de drones também fazem parte dos nossos recursos humanos. Queremos oferecer um ambiente inovador, mesmo em funções de campo, com possibilidade de progressão e estabilidade, algo que é também diferenciador no setor em que atuamos”, diz a responsável de RH.
Para atrair o talento, a empresa implementou um programa de desenvolvimento de pessoas, o Germinar, que “ajuda a guiar o plano de carreira de todos os colaboradores”. “A nossa estratégia passa ainda por reforçar a formação, além de atribuir prémios aos trabalhadores que tenham tido um bom desempenho, sempre através de feedbacks estruturados”, acrescenta a responsável de RH. Parcerias com universidades e centros técnicos, para promoção de estágios são outras das estratégias. “Se encontrarmos um bom candidato que esteja fora do país, ajudamos no processo de imigração”, refere Andreia Barbosa.
A Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos emprega cerca de 50 pessoas a tempo inteiro, recrutando 15 a 20 colaboradores sazonais para a campanha. “Estamos sempre atentos a novos talentos, que podem surgir em qualquer área, desde a operacional, passando pela mecânica, até à área técnica. Normalmente valorizamos um perfil rigoroso mas flexível, sendo as softskills sempre consideradas um critério prioritário”, adianta Helder Transmontano, diretor geral da Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos, produtora do Azeite de Moura DOP e a maior cooperativa de azeite do país.
“Colaboramos ativamente com toda a oferta formativa da região, seja através da aceitação de estágios seja através do acolhimento de investigações e trabalhos académicos, para além da frequente receção de visitas de estudo, desde o pré-escolar ao mestrado. Por outro lado, temos protocolos efetivos celebrados com várias instituições de ensino, tanto profissional, como técnico e académico”, refere ainda quando questionado sobre as estratégias de atração de talento para o setor de produção de azeite que, em Portugal, emprega o equivalente a mais de 30.000 pessoas a tempo inteiro, sendo “parte do trabalho empregue ser fortemente sazonal”.
Na produtora de vinhos Falua, donos da Vinha do Convento (45 hectares localizado a Sul na zona da Charneca) e da Quinta do Hospital (na subregião de Monção e Melgaço berço da casta Alvarinho), têm “conseguido maioritariamente desenvolver a nossa atividade com colaboradores nacionais, embora pontualmente já tenhamos recorrido a estrangeiros”, adianta Rui Rosa, administrador do Grupo Roullier em Portugal. “Acreditamos que o pertencer a uma equipa, conhecer bem os objetivos da empresa, e participar em todo o ciclo da cultura acrescenta uma enorme mais valia. Tentaremos ao limite ter colaboradores permanentes, independentemente da origem, em alternativa aos sazonais”, reforça.
A escassez de pessoal no setor agrícola é “uma tendência que se tem vindo acentuar com o passar dos tempos e que por isso temos todos que nos adaptar a esta realidade“, reconhece o administrador do Grupo Roullier. “No nosso caso o problema é acrescido pela intenção que temos de ter produtos diferentes que resultam de formas de produção particulares”.
A Vinha do Convento, toda instalada sobre calhau rolado, é um caso emblemático. “A mecanização é extremamente complexa, para não dizer mesmo impossível. Associado a esta problemática, temos igualmente a vontade assumida de produzir de forma singular, através de um conjunto de práticas necessariamente manuais que levem à obtenção de produtos únicos e muito diferenciados”, comenta.
“As estratégias que estamos a seguir para atrair talento e reter o pessoal passam por comunicar melhor sobre o que fazemos e a sua importância para o todo da sociedade. Compreender e valorizar o que de único podemos fazer com a intervenção de todos os envolvidos.”
A CAP defende que para tornar o setor atrativo há que trabalhar ao nível da imagem e rendimento da atividade. “Urge alterar o estereótipo do trabalho agrícola, tido como eminentemente manual e pouco qualificado. A Agricultura atual, moderna, de precisão e profissional, já pouco tem a ver com esta imagem. A utilização de novas tecnologias, como os drones, sondas, máquinas sem condutor, satélites, etc., é uma realidade transversal a um setor cada vez mais produtivo e sustentável”, defende a Confederação.
Alteração da imagem que “de nada servirá se os rendimentos auferidos no setor não forem apelativos”.
“O incremento da produtividade assume um papel fundamental nesta matéria, que apenas poderá ser atingido com um maior investimento e aposta nas qualificações. O aumento da dimensão e da escala, acompanhadas por uma mecanização e digitalização crescentes, estão a permitir atingir este objetivo. Mas esta modernização terá de se acompanhada por um aumento relevante nas qualificações da nossa mão-de-obra, que levará, naturalmente, ao pagamento de salários mais elevados”, defende a CAP.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Imigração é resposta para falta de pessoas na agricultura. CAP pede rapidez na atribuição de vistos
{{ noCommentsLabel }}