Portugal, um líder da nova economia digital? (I)

  • Hugo Volz Oliveira
  • 27 Março 2022

O nosso país tem o potencial para liderar a indústria de blockchain e criptoactivos na Europa, se não até no mundo. Mas para chegarmos lá é hora de saber onde estamos e para onde queremos ir.

A imprensa noticiava recentemente que o crescimento do ritmo de fusões e aquisições na indústria dos criptoactivos também bafejava Portugal. Uma fonte avançava ainda que, em 2021, acolhíamos cerca de 1.5% a 2% do volume total destas negociações empresariais na Europa. É um bom começo. Mas ainda é cedo para afiançar que “o país já é um ‘hub’ do mercado cripto”. É verdade que o ecossistema nacional de startups na área de blockchain e criptoactivos está a amadurecer – quer olhemos apenas para as empresas que nasceram graças ao talento local, quer para os milhares de estrangeiros especializados nesta área que pousaram na nossa costa solarenga durante a pandemia e por cá têm ficado.

E é verdade que até a Binance, a maior bolsa centralizada do sector, declarou recentemente que “Portugal é um centro tecnológico para toda a Europa”, após anunciar uma boníssima parceria com a Aliança Portuguesa de Blockchain para “lançar programas de formação” sobre este digitável mundo novo.

Temos também os recentes casos de rondas de financiamento significativas em empresas com raízes e operações por cá, desde a pequena mas líder Immunefi à já unicórnio Anchorage, que só no ano passado angariou 430 milhões de dólares.

O frenesim deste Janeiro também ilustra o estado de desenvolvimento avançado neste cantinho à beira-mar plantado. Esperemos que a aquisição romena da UTrust, startup pioneira de Braga, a participação brasileira da 2TM na CriptoLoja, o anúncio de abertura de lojas de câmbio de criptoactivos da BitBase, e o lançamento do fundo de 30 milhões de dólares da Lightshift Capital sejam apenas a ponta do iceberg.

Porque que não podemos confundir a possibilidade com a realidade – que é bastante frágil. Usando uma analogia próxima do público, tipicamente atraído para este sector pelas histórias de mais-valias inéditas, há uma grande diferença entre ganhos potenciais e realizados – tal como a queda de preços destas últimas semanas evidencia.

Aliás, já que tocamos no assunto – e para realçar o significado que uma rejeição nacional desta indústria tem no imaginário colectivo – importa notar que um artigo do ECO justificou a queda da Black Friday passada com uma proposta de “proibição do uso e mineração de criptoactivos” na Rússia. Isto apesar de não referir a correlação altíssima com o mercado bolsista norte-americano. Afinal, tal como o índice de acções tecnológicas Nasdaq, a capitalização total do mercado dos criptoactivos também atingiu o seu máximo histórico em Novembro, tendo vindo a cair desde então.

Curiosamente, esse mesmo artigo realçou que o novo presidente da câmara de Nova Iorque acabou de receber o seu primeiro salário em ether (a moeda usada para pagar transações na blockchain Ethereum) e em bitcoin. Isto para, literalmente, vestir uma das bandeiras de eleição: tornar a cidade que nunca dorme no “centro das moedas digitais e outras inovações financeiras”. Bravo!

Na outra costa dos EUA, a Andreessen Horowitz, talvez a firma de capital de risco mais conhecida do mundo, tem reforçado a mensagem de que a terra da oportunidade corre o risco de “perder o futuro” devido à crise de liderança tecnológica que vive, à má regulação e à falta de uma estratégia digital. No entanto, a “promessa desta nova geração da internet”, conhecida como web3, tem o potencial de beneficiar o cidadão comum e as instituições, devido à sua segurança, inclusão e eficiência.

O que nos traz ao início: Portugal tem o potencial para ser um centro, se não até o centro, desta nova economia que tem deslumbrado o mundo –não só por causa das altas e baixas de preço já não tão dramáticas, mas cada vez mais devido às inovações tecnológicas e de organização social que permite. E, no caso de um país com uma boa estratégia de promoção deste sector (que quase começámos a desenvolver, trabalho este que deve ser retomado após as eleições), devido ao investimento externo que atrai, de alto valor acrescentado, e que gera crescimento económico sustentável.

Mas temos de conhecer melhor a realidade para não desperdiçarmos esta oportunidade de ouro (digital). Temos de saber que por Lisboa ainda só temos umas 50 startups da área – e isto já contando de forma caridosa – afinal, quantos trabalhadores remotos numa cidade equivalem a um escritório? E que entre o Porto e Braga contamos cerca de dez, mas esperamos que existam já 20, metade das quais a trabalhar debaixo do radar. E isto não são números de um ‘hub’ do “mercado de cripto”.
E temos de saber que um estudo recente do CNSF mostra ainda que apenas 1% dos portugueses já investiu alguns trocos em criptoactivos. E isto também não são números de um ‘hub’, especialmente quando 4x mais britânicos já investiram nalgum
criptoactivo.

É certo que a Chainalysis, a líder em análise de blockchains, indica que em 2021 Portugal foi a quarta maior economia digital per capita na Europa, atrás da Holanda, Suíça e Eslovénia (e à frente do Reino Unido). Mas isto apenas nos diz que as nossas praias e conferências atraíram uma força de trabalho altamente móvel. O que é bom, e muito beneficia o ecossistema local, mas que pode desaparecer facilmente.

Em resumo, ainda falta cumprir-se Portugal digital. Temos o potencial de liderar a economia digital do século XXI, tal como um famigerado vale liderou a do século passado, mas a nossa condição é precária. O que falta então, agora que tudo é incerto e derradeiro? Será esse o tema do nosso próximo artigo. É a hora!

  • Hugo Volz Oliveira

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