Leão diz que Medina tem margem para aumentos e contratações na Função Pública

O ministério das Finanças, em declarações ao ECO, assume que há cabimento orçamental para aumentar os gastos com a Função Pública no próximo ano.

De saída do Terreiro do Paço, João Leão deixa as contas “certas” feitas para o seu sucessor, Fernando Medina. No Programa de Estabilidade 2022-2026 prevê um crescimento das despesas com pessoal de 3,7% no próximo ano, mas deixa em aberto a forma como serão distribuídos esses milhões de euros. A grande questão é saber se o próximo Governo vai manter o critério de aumentar os 733.495 funcionários públicos à taxa de inflação a 12 meses registada em novembro.

“Para 2023, assume uma taxa de crescimento das despesas com pessoal de 3,7% e existem diferentes formas de concretizar este aumento, entre o normal desenvolvimentos das carreiras, revisões das carreiras, contratações de trabalhadores para a Administração pública e atualizações salariais“, explica o gabinete de João Leão, em resposta a questões colocadas pelo ECO após a divulgação do Programa de Estabilidade 2022-2026, notando que “o PE não concretiza esta decomposição”.

A grande incógnita está no que acontecerá em 2023, com os cofres do Estado já nas mãos de Fernando Medina, ex-presidente da Câmara de Lisboa. “Esta decisão caberá ao XXIII Governo Constitucional“, diz a mesma fonte. Já na conferência de imprensa de apresentação do Programa de Estabilidade, o ministro João Leão tinha remetido a questão para o próximo Governo, não se comprometendo com a continuação do critério que até aqui definiu a atualização dos salários da função pública.

Ainda há cinco meses, o Governo decidiu aumentar os funcionários públicos em 0,9% em 2022, utilizando a taxa de inflação a 12 meses registada em novembro de 2021 e descontando a deflação (0,1 ponto percentual) de 2020. A primeira vez que este critério foi utilizado aconteceu em 2020, mesmo antes de a pandemia começar, com um aumento de 0,3%, o qual correspondia à taxa de inflação de novembro de 2019.

No entanto, com a aceleração da taxa de inflação em 2022, o Governo pode chegar a novembro com uma taxa bem superior: em fevereiro, último mês para o qual há dados, a variação média de 12 meses do IPC (Índice de Preços ao Consumidor) subiu para 1,8%. No PE, a previsão do Executivo é que a taxa de inflação anual de 2022 será de 2,9% pelo que o valor de novembro (média de 12 meses) deverá ser próximo desse número.

Na semana passada, foi Mário Centeno, ex-ministro das Finanças e atual governador do Banco de Portugal a dizer que as “indexações automáticas [dos salários] não são desejáveis”. Questionado especificamente sobre o caso da Função Pública, Mário Centeno disse que as “indexações automáticas, que não é o que acontece neste caso, não são desejáveis face à inflação prevista”. A atualização não é automática, ou seja, não está na lei, mas há um compromisso e critério do Governo de utilizar a inflação a 12 meses verificada em novembro de cada ano.

Para Portugal, a previsão do Banco de Portugal tem subjacente a continuação da “contenção salarial”, com os aumentos previstos alinhados com a melhoria da produtividade. “Não há efeitos de segunda ordem ao longo da projeção“, garantiu Centeno, referindo-se à espiral de preços e salários que se teme que aconteça na Zona Euro face à aceleração da taxa de inflação para máximos históricos.

Aumento de 3,7% das despesas com pessoal dificilmente acomoda atualização à inflação

Poderão as Finanças acomodar em 2023 um aumento desta ordem com um crescimento de 3,7% das despesas com pessoal? Os números mostram que dificilmente tal será possível. Vamos aos dados.

Em 2021, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o Estado gastou 24.881 milhões de euros com despesas com pessoal, valor que já está subjacente às previsões do Programa de Estabilidade. O Governo estima um crescimento desta componente da despesa pública de 3,9% (+970 milhões de euros, dos quais 225 milhões de euros para a atualização salarial de 0,9%) em 2022, pelo que no total serão gastos 25.851 milhões de euros este ano.

Assumindo esse ponto de partida e concretizando o aumento de 3,7% em 2023 (+956 milhões de euros), o Estado gastará 26.807 milhões de euros com os funcionários públicos no próximo ano. Com estes pressupostos, o Governo prevê que o peso das despesas com pessoal no PIB continue a cair, passando de 11,8% em 2021 para 10,7% em 2026, uma vez que estas crescem a um ritmo inferior ao da economia.

E para que dá os 956 milhões de euros do aumento em 2023? Se o Governo mantiver o critério de atualizar os salários com base na inflação a 12 meses em novembro de 2021, o custo poderá chegar aos 750 milhões de euros, se assumirmos uma taxa de inflação de 2,9%, ou ficar pelos 465 milhões de euros, se assumirmos uma taxa de inflação de 1,8%.

Acontece que esta não é a única despesa que o aumento dos gastos com pessoal tem de acomodar. Todos os anos, milhares de funcionários públicos têm progressões ou promoções na carreira — por exemplo, em 2022, segundo o quadro de políticas invariantes entregue pelo Ministério das Finanças no ano passado, essa despesa corresponde a 251 milhões de euros, automaticamente, decorrente da lei.

Pode haver ainda gastos com contratações (75 milhões de euros em 2022), com a mitigação do congelamento no caso dos professores e outras carreiras especiais (51 milhões de euros em 2022) e com a atualização do salário mínimo, a qual também poderá ser expressiva no próximo ano.

Estes números sugerem que será difícil, ainda que não impossível. Caso avance com uma atualização com o mesmo critério, as despesas com pessoal poderão vir a crescer mais do que o previsto no Programa de Estabilidade 2022-2026.

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