Guerra pode esgotar folga orçamental que Leão deixa a Medina

Ainda o PS decidia como ia usar a folga orçamental de 2021 e chega uma guerra na Ucrânia que vem baralhar todas as contas. Agora a calculadora está nas mãos de Medina, o novo ministro das Finanças.

Já se sabia que o défice orçamental de 2021 não seria de 4,3% do PIB, como o Governo antecipava em outubro do ano passado. O próprio Ministério das Finanças admitiu que seria mais baixo, mas foi Mário Centeno, atual governador do Banco de Portugal e ex-ministro das Finanças, a dar a boa nova em fevereiro: o défice ia ficar nos 3% ou até abaixo disso. Na semana passada, o Conselho das Finanças Públicas veio dar respaldo a esse número, prevendo exatamente 3%. Esta sexta-feira o Instituto Nacional de Estatística (INE) tira as teimas ao divulgar a estimativa oficial, em contabilidade nacional (a que interessa para comparações internacionais).

Uma coisa é certa: o ponto de partida das finanças públicas no início deste ano será mais favorável do que o esperado — desvio superior a 1,3 pontos percentuais do PIB (uma diferença de mais de 2.500 milhões de euros) —, o que até levantou a dúvida sobre se o Governo iria aproveitar a folga para reduzir o défice mais rapidamente ou se iria executar mais investimento, por exemplo. “Esta atualização revê em baixa a estimativa de défice do CFP para 2021 de 4,2% do PIB apresentada em setembro para 3,0% do PIB, implicando uma alteração do ponto de partida para projeção orçamental significativamente mais favorável“, escrevia o Conselho das Finanças Públicas no último relatório sobre as contas públicas.

A dimensão real da folga orçamental dependerá de qual virá a ser o objetivo do novo Governo para o défice orçamental para este ano. A intenção de João Leão, atual ministro das Finanças, era chegar a um défice inferior a 2% do PIB em 2022, bem abaixo dos 3,2% que constavam da proposta original do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), mas os planos podem mudar em breve com a troca de ministro.

A eclosão da guerra na Ucrânia, com a invasão russa, veio baralhar todas as contas que o próximo ministro das Finanças, Fernando Medina, terá de fazer para atualizar a proposta do OE 2022, a qual deverá ser entregue no início de abril. Contas feitas, a folga orçamental vinda de 2021 pode ter os dias contados logo à nascença. Em janeiro, em contabilidade pública, a execução orçamental registou um excedente de 1.834 milhões de euros, mas será preciso esperar pelos números dos próximos meses para ver o impacto da guerra — cálculos que as Finanças já devem estar a fazer.

É verdade que as medidas Covid-19 tenderão a desaparecer este ano, mas aparecerão agora as medidas relacionadas com as consequências da guerra, nomeadamente maior despesa — com o Autovoucher (despesa extra de 40 milhões de euros por mês, que acresce aos 26,6 milhões por mês que já se esperava gastar), o novo apoio para famílias carenciadas (mais de 45 milhões de euros por mês) ou os apoios diretos às empresas de transportes — e a menor receita com o congelamento da taxa de carbono (menos 182 milhões a entrar), a redução do ISP (e a eventual redução do IVA dos combustíveis que pode custar 65 milhões por mês), entre outras medidas que possam surgir. Acresce que os empresários já estão a pressionar o Governo a reativar o lay-off simplificado para as empresas que estão a parar a produção por causa dos custos acrescidos. Tudo somado, dependendo do número de meses em vigor, a folga poderá esfumar-se rapidamente.

O CFP, que em políticas invariantes (sem contar com o novo OE2022 nem todos os impactos da guerra) vê o défice a descer para 1,6% este ano, parece estar pessimista, pelo menos do lado da economia: “O contributo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) de que tanto se esperava até há pouco, como impulso extraordinário do investimento, poderá não ser já suficiente para fazer face aos desenvolvimentos recentes“, notava.

Do lado das contas públicas, os cálculos são mais complexos uma vez que a aceleração da inflação até pode ajudar, no curto prazo, a reduzir o défice. Em 2022, um “fenómeno de inflação não totalmente antecipado tende a beneficiar as contas públicas no muito curto prazo“, aumentando a receita fiscal, porque os agentes económicos não ajustam “no imediato” as suas decisões de consumo e investimento. Este efeito já se terá feito sentir, em menor grau, no quarto trimestre, tal como explicou o coordenador da UTAO, Rui Nuno Baleiras, ao ECO: houve mais impostos a entrar via aumento do preço de vários bens (como os combustíveis), mas sem ter o efeito paralelo na despesa uma vez que o impacto é mais “difuso” (as despesas com pessoal, por exemplo, ainda não sentiram esse efeito).

Além disso, os cofres do Estado podem beneficiar de “um crescimento das contribuições sociais superior ao das remunerações (tal como se tem verificado no período mais recente), uma maior elasticidade da receita fiscal face às bases de incidência, uma menor execução de investimento público suportado por financiamento nacional, ou um crescimento menos acentuado das prestações sociais poderem traduzir-se numa evolução mais favorável do que o projetado para o saldo orçamental neste horizonte temporal”, relembrava o CFP.

Mas não é só a guerra que pode esgotar a folga orçamental que vinha de 2021. Desde logo, o novo pedido do Novo Banco de 209,2 milhões de euros (de um total de 485 milhões de euros que ainda estão por utilizar) ao abrigo do mecanismo de capital contingente, ainda que negado pelo Fundo de Resolução, pode vir a ser mais um problema inesperado para a nova equipa das Finanças. Este era um dos vários riscos assinalados pelo CFP no último relatório, a que se somam os seguintes:

  • A possibilidade de execução do PRR abaixo do considerado, o que levaria necessariamente a um fluxo de investimento inferior ao projetado, gerando menos Produto;
  • A evolução da situação pandémica;
  • A possibilidade de que, no caso de incumprimento do devedor, as responsabilidades contingentes relacionadas com as linhas de crédito com garantia do Estado se materializarem num valor de despesa superior ao considerado no PE/2021;
  • A eventualidade de a TAP poder vir a beneficiar de apoios financeiros adicionais aos aprovados no âmbito do Plano de Reestruturação;
  • As pressões orçamentais sobre a despesa corrente primária (designadamente sobre as despesas com pessoal, com pensões e relacionadas com pretensões dos parceiros privados no âmbito de projetos de PPP)

Défice de 2021 deverá ficar à volta dos 3%

Além do governador do Banco de Portugal e do Conselho das Finanças Públicas, também a economista Francisca Guedes de Oliveira, professora da Universidade Católica do Porto, admite que o défice orçamental tenha ficado já dentro dos limites fixados pelas regras orçamentais europeias, as quais ainda estão suspensas em 2021 e 2022.

Parecem-me perfeitamente razoáveis as previsões do Governador do Banco de Portugal, e que a diferença em relação ao saldo em contabilidade pública pode ter um sem número de razões“, disse, em declarações ao ECO, assinalando que “houve anos em que a diferença entre saldos foi superior a dois pontos percentuais”.

Do ponto de vista político o que é relevante é o saldo em contabilidade nacional uma vez que é o que releva para efeitos europeus“, acrescenta. Porém, relativamente a 2021, o cumprimento das metas orçamentais pode ser bem visto em Bruxelas e pelos mercados financeiros, mas Portugal não estava obrigado a tal e o mesmo aplica-se a 2022.

Em relação a 2023, o tema ainda é uma incógnita. Os Estados-membros tinham acordado que seria esse o ano de reativar as regras orçamentais, mas a guerra na Ucrânia já levou a que essa decisão vá ser reconsiderada em maio. Mesmo que sejam reativadas, a Comissão Europeia já garantiu aos países mais endividados que não terão de cumprir a regra de redução da dívida pública no próximo ano, mas alertou que mesmo assim é preciso baixar o défice e a dívida.

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