O ESG no Imobiliário e os Green Leases

  • Francisco Sousa Coutinho
  • 30 Março 2022

As cláusulas “verdes” são um fator essencial para a melhoria do ambiente e condições de trabalho e poderão levar a um aumento do valor dos ativos e a melhorar a imagem de promotores e proprietários.

Nos últimos anos, um dos temas que mais tem sido debatido e que tem ocupado o topo das preocupações dos estados, empresas, investidores e consumidores é, sem dúvida, a agenda ESG (sigla em inglês para “Environmental, Social and Governance”), ou seja, a aplicação das melhores práticas ambientais, sociais e de governança.

No contexto do imobiliário, ESG traduz-se, nomeadamente, na construção e gestão de imóveis eficientes no consumo de energia e na emissão de carbono para o “Environmental”, na consideração do impacto dos imóveis no bem-estar da sociedade e dos seus ocupantes, e.g., habitação acessível e espaços para as comunidades, para o “Social” e, no que respeita ao “Governance”, prende-se com a diversidade, étnica, religiosa e de género, das equipas que ocupam, gerem e possuem os imóveis, bem como, com uma gestão transparente e ética dos ativos imobiliários.

Atualmente, o sector imobiliário é uma das atividades com maiores consumos de energia. Na verdade, segundo alguns estudos, os edifícios representam, aproximadamente, um terço das emissões globais de carbono.

Deste modo, o ESG não pode mais ser considerado uma tendência ou uma “moda”, devendo antes ser considerado como um conceito a integrar nas políticas dos estados, dos investidores e dos promotores e nas escolhas dos consumidores.

Aliás, com o advento da pandemia provocada pela doença da Covid-19, o ESG revelou-se ainda de maior relevância para o setor imobiliário, nomeadamente tendo em conta o aumento dos custos de energia e as desigualdades no acesso à habitação e na qualidade da mesma, assim como a crescente preocupação com a sustentabilidade, o papel do imobiliário na sociedade e a necessidade de criação de edifícios centrados na respetiva utilização pelas pessoas.

Assim, tanto os promotores imobiliários como os proprietários de imóveis tendem, cada vez mais, a analisar, nomeadamente, que tipo de imóveis devem desenvolver/deter, quais são os negócios que devem aceitar nos seus imóveis, se deve haver exclusão de atividades/inquilinos que não são “verdes”, se devem aceitar apenas inquilinos que desenvolvem atividades sustentáveis, se devem fazer um controlo contratual das atividades “verdes” dos inquilinos e quais os benefícios económicos de todo este processo.

O mesmo se diga dos investidores e utilizadores de imóveis, cujas preocupações quanto à sustentabilidade e políticas ESG dos promotores e dos proprietários dos imóveis tende a ser um fator preferencial na hora de optar pelo investimento e contratação, respetivamente.

Assim, verifica-se que caminhamos para uma realidade de edifícios com construção certificada, neutros em emissões de carbono, nomeadamente com energia resultante de fontes de energia 100% renovável, com eficiência energética (luz e temperatura), qualidade do ar, acessibilidades e reutilização de recursos naturais.

Deste modo, é já incontornável que as características acima referidas tendem a ter influência no preço de venda e de locação do ativo do lado do proprietário e poderão corresponder a custos de condomínio inferiores do lado do inquilino, sendo uma situação win win para ambas as partes.

É então natural que o ESG seja encarado cada vez mais como um investimento e não como um custo, ou seja, embora possa existir um investimento inicial acrescido, vários estudos indiciam que os imóveis “verdes” exigem custos de manutenção menores, são mais procurados e têm taxas de rotação de inquilinos menores, pelo que são mais rentáveis de gerir.

Verifica-se igualmente uma propensão para criação/atribuição de benefícios fiscais e de fundos para os projetos “verdes”, bem como se assiste a um incremento de investidores institucionais que adotam, de forma voluntária, estratégias de investimento/financiamento ESG em que dão preferência a atividades sustentáveis, às melhores empresas nos respetivos sectores e àquelas que têm políticas ESG.

Em face do referido, prevê-se que os senhorios e arrendatários comecem a elaborar novos modelos de contrato de arrendamento, nomeadamente através da introdução das chamadas cláusulas “verdes” (“green clauses”), ou seja, cláusulas que se destinam a assegurar que os imóveis são construídos e equipados, explorados e utilizados de forma sustentável.

Embora ainda pouco desenvolvidos na maioria dos países, e ainda sem legislação específica aplicável, prevê-se que, num futuro próximo, este tipo de contratos com disposições “verdes” (“green leases”) venha a ser cada vez mais utilizado e que legislação específica, comunitária e nacional, venha a ser elaborada nesse sentido.

A Austrália é, sem dúvida, dos países mais avançados no que respeita aos green leases, onde, desde 2006, existe regulamentação específica sobre esta matéria, sendo uma prática comum nos arrendamentos governamentais e no arrendamento de grandes edifícios a um único arrendatário.

Tendo em conta o impacto económico de um edifício sustentável, temos conhecimento que, mesmo sem legislação específica, em alguns países da Europa, nomeadamente, Bélgica, Polónia, Espanha, Noruega, Alemanha, Reino Unido e França, os senhorios e arrendatários já negoceiam e celebram contratos com este tipo de preocupações e salvaguardas.

É assim comum, nos referidos países, as partes estipularem a colaboração e a troca de informação relevante no que respeita a temas de ESG (e.g., lista com a descrição completa e especificações da energia do equipamento existente no edifício ou instalado no locado, bem como normas relativas ao tratamento de resíduos, aquecimento, arrefecimento, ventilação e iluminação).

Em Portugal também não existe legislação específica quanto a cláusulas “verdes”, prevendo-se apenas a obrigação de existência do certificado energético e da qualidade do ar.

Estamos convictos de que as preocupações ESG se traduzirão no futuro na introdução de cláusulas/standards ”verdes” nos contratos, tais como,

  • (i) obrigações de construção de edifícios certificados (LEED e BREAM), nomeadamente nos contratos build to suit,
  • (ii) participação de ambas as partes nos custos em obras de renovação que visem a melhoria da qualidade e sustentabilidade do edifício,
  • (iii) obrigações entre as partes no âmbito da gestão e utilização sustentável das instalações, nomeadamente na redução de resíduos e do consumo de energia e água,
  • (iv) repartição de eventuais ganhos com a gestão eficiente dos recursos devendo refletir-se em lucro/poupanças para ambas as partes.

As referidas cláusulas “verdes” deverão ter métricas facilmente mensuráveis, devendo ser estabelecidas penalidades para o respetivo incumprimento, de modo a evitar o greenwashing.

Como já referido, apesar de, inicialmente, poder representar um custo adicional, ambas as partes podem beneficiar das cláusulas “verdes”, uma vez que estas permitem um controlo efetivo, periódico, sério e transparente dos custos de energia das instalações, criam uma obrigação de cumprimento com as melhores práticas ambientais e de sustentabilidade e possibilitam uma gestão mais eficiente de acordo com as características do imóvel e com redução de custos, levando, assim, à melhoria da respetiva eficiência energética.

As cláusulas “verdes” são então um fator essencial para uma melhoria do ambiente e das condições de trabalho e, a longo prazo, poderão levar a um aumento do valor dos ativos e a melhorar a imagem corporativa dos promotores e proprietários, atraindo, assim, mais investidores e arrendatários, nomeadamente aqueles com preocupações ESG.

  • Francisco Sousa Coutinho
  • CCR Legal | Sociedade de advogados independente da network internacional das firmas PwC

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