Há vida para além dos unicórnios?

No início de 2022, chegamos aos mil unicórnios, a nível global, o que nos leva a pensar que, hoje, para muitos, este é um sonho que pode não estar assim tão longe da realidade.

Há muito que os investidores se têm focado na grande caça aos unicórnios. E este facto não deve ser algo que nos espante. Afinal, algumas das mais ambiciosas startups têm apenas um objetivo: escalar até estarem prontas para uma IPO (oferta pública inicial) ou para um exit de muitos milhares de milhões de euros. Quando, em 2013, a VC Aileen Lee introduziu o termo unicórnio, havia menos de 40 dessas raras criaturas em todo o mundo. No início de 2022, chegamos aos mil unicórnios, a nível global, o que nos leva a pensar que, hoje, para muitos, este é um sonho que pode não estar assim tão longe da realidade.

Embora o desejo de tornar uma startup de garagem num unicórnio seja um caminho seguido por muitos empreendedores, há muito mais para explorar na ‘selva’ das startups. Na verdade, não são só os empreendedores que investem na criação deste tipo de startups. A caça destes espécimes é tão intensa e o seu foco centra-se tanto nestas criaturas que, muitas vezes, os investidores se esquecem de outras espécies do nosso ecossistema. Exemplos como o WeWork mostraram-nos, no entanto, que as avaliações de startups são, muitas vezes, grandes vazios, que aplicam pressão sobre fundadores e equipas que entram em espirais não sustentáveis, frequentemente conduzindo a fins menos desejáveis.

Não me interpretem mal. Os unicórnios têm um papel importante nas nossas economias. Eles têm o poder de disromper com a forma como as indústrias funcionam e tem também o potencial de mudar de forma muito rápida as vidas das pessoas. Para conseguirem isso, a velocidade das operações pode não ser compatível com um ritmo de crescimento mais lento. Mas a sociedade e a economia estão a mudar. Assim como estão também as startups. Alguns dos gigantes foram, em tempos, negados por investidores que não conseguiram ver o seu enorme potencial em contextos de mudança de paradigma: a HP fê-lo com a Apple, e sete VCs fizeram-no com o Airbnb (só em 2008).

Movimentos sociais (muito incentivados pela pandemia), como a grande resignação, têm mostrado que as pessoas mudaram os seus valores. Hoje, bem-estar e dinheiro têm pesos bem diferentes do que tinham antes. O sentido de missão ganhou um espaço mais significativo quando consideradas diferentes opções como começar um negócio, escolher um trabalho ou mesmo optar por uma marca de queijo no supermercado.

As startups também mudaram. Na verdade, nos últimos anos, outros animais ganharam maior protagonismo: exemplos disso são os camelos, as gazelas ou as zebras – três tipos de empresas muitas vezes esquecidas pelos investidores. Mas quem são elas?

O termo Gazela foi introduzido nos anos 80 por David Birch. Referia-se a empresas com facturação de, pelo menos, 100 mil dólares, e cujas vendas aumentam 20% a cada ano, por quatro anos consecutivos. Gazela era o termo usado para designar as startups unicórnios nos seus estágios iniciais, antes mesmo dessa designação existir.

Outro animal a ser procurado é o camelo, um termo introduzido por Alex Lazarow, em 2017. Por serem resistentes a ‘secas’ de dinheiro, são apostas mais seguras, pois dependem menos de investidores para sobreviver. É mais fácil encontrá-los e são também mais atraentes em tempos de crise, como pandemias ou guerras. Estão próximos do lucro e, embora cresçam em ritmo lento, sobrevivem por períodos mais longos, pois têm melhor controle sobre as despesas e assumem compromissos de longo prazo com os seus clientes.

Segundo o artigo de Jennifer Brandel, Mara Zepeda, Astrid Scholz & Aniyia Williams, criadoras do conceito, as Zebras são empresas “que são lucrativas e melhoram a sociedade”. Têm, muitas vezes, fundadores sub-representados e, por isso, são facilmente negligenciados. As Zebras procuram prosperidade sustentável em vez de crescimento exponencial. À primeira vista, podem parecer negócios menos recompensadores para os investidores, mas representam um retorno mais consistente e sustentável ao resolver os grandes desafios da nossa sociedade. Além disso, depois de toda a conversa para dar mais oportunidades aos empreendedores sub-representados, um passo importante pode ser investir e auxiliar no crescimento desses negócios zebra.

Ao olhar para a comunidade portuguesa de startups, vejo muitas que – embora resilientes, como os camelos, rápidas como as gazelas, ou com fins lucrativos e impactantes como as zebras – acabam ignoradas por investidores mais focados na procura do próximo unicórnio. Há muitos empreendedores do ecossistema português focados na construção de soluções que merecem a injeção financeira que os nossos VCs por vezes não estão dispostos a dar.

As instituições públicas também têm a oportunidade de preencher essa lacuna e intensificar as ferramentas ou incentivos de investimento público para conectar investidores a esses empreendedores “negligenciados”. À primeira vista, eles podem não parecer futuros unicórnios com previsões de vendas elevadíssimas ou triliões de dólares de receita, ainda assim, o seu talento, impacto e perseverança devem valer a oportunidade para mostrar do que são capazes.

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