O Código do Trabalho já previa um mecanismo de presunção de contrato de trabalho, mas este não estava adaptado ao trabalho nas plataformas digitais, isto é, não tinha em conta as características especiais da relação entre o estafeta e essas plataformas.

Ora, numa altura em que diversos países se tem discutido a natureza dessa relação, Portugal decidiu juntar-se ao debate e, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, mudou a lei laboral, passando a contemplar a possibilidade de os estafetas serem considerados trabalhadores dependentes das plataformas, em vez de prestadores de serviços (trabalhadores independentes).

Não. O que ficou na lei foi um conjunto de indícios que pode levar, por exemplo, um tribunal a decidir que determinado estafeta mantém uma relação de trabalho dependente com uma plataforma digital.

Desde 1 de maio que a lei do trabalho indica que se presume que existe um contrato de trabalho entre um estafeta e uma plataforma digital se se verificarem “algumas das seguintes características”:

• A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
• A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
• A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
• A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
• A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
• Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por estes explorados através de contrato de locação.

De acordo com os advogados especialistas em lei laboral, os estafetas que acreditem que têm uma relação de trabalho dependente com as plataformas às quais prestam serviços têm duas opções:

• Por um lado, podem fazer-se representar por um advogado e avançar, assim, com o processo de presunção do contrato de trabalho;
• Ou por outro, podem pedir à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) que inspecione a relação de trabalho e, se forem encontrados os tais indícios, a empresa poderá ser notificada para reconhecer que está em causa um trabalhador por conta de outrem.

Sim. Mesmo sem denúncia por parte do estafeta, a ACT pode, numa ação inspetiva, encontrar os tais indícios e desencadear o processo em questão. Isto à semelhança do que já fazia com os falsos recibos verdes.

A ACT já está no terreno a fiscalizar o trabalho nas plataformas digitais, à luz das novas regras, mas o Sindicato dos Inspetores do Trabalho (SIT) tem dito que ainda existem muitas dúvidas por esclarecer.

Ao ECO, a dirigente Carla Cardoso explicou que os inspetores só tiveram três horas de formação relativamente à Agenda do Trabalho Digno, que “pouco ou nada” ajudaram em relação às regras das plataformas digitais.

Convém notar que a relação laboral entre o estafeta e essas plataformas é diferente das tradicionais. No limite, um mesmo estafeta pode ter contas em várias plataformas.

A relação de trabalho dependente pode ser ilidida se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. Ou seja, cabe à plataforma provar que não está em causa uma relação de trabalho dependente.

Não. Também há a possibilidade de ser reconhecida entre o estafeta e um intermediário da plataforma digital.

Diz a lei: “a plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores”.

Cabe ao tribunal decidir se a relação laboral é com a plataforma digital ou com o intermediário.

Aplica-se o previsto no Código do Trabalho para os contratos de trabalho por conta de outrem, nomeadamente o disposto em matéria de acidentes de trabalho, cessação do contrato, proibição do despedimento sem justa causa, remuneração mínima, férias, limites do período normal de trabalho, igualdade e não discriminação.

Sim. Depois de um primeiro processo de reconhecimento de contrato de um estafeta da Glovo ter entrado no Tribunal do Trabalho do Porto, no final de julho foi noticiado que outros cinco estafetas avançaram com ações judiciais para o mesmo efeito.

Ainda não há conclusões, isto é, em nenhum dos processos foi ainda decidido se há ou não um vínculo de trabalho dependente.