“Batalha dos CoCos” do Credit Suisse. O que se passa? Tem impacto na banca portuguesa?
- Alberto Teixeira
- 22 Março 2023
Autoridades suíças “abateram” 16 mil milhões em obrigações AT1 ou CoCos do Credit Suisse na venda ao UBS, deixando reguladores europeus em sobressalto. Que impacto terá nos bancos portugueses?
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- Alberto Teixeira
- 22 Março 2023
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O que aconteceu no Credit Suisse?
Se a venda relâmpago do Credit Suisse ao UBS ajudou as autoridades suíças a conterem uma grave crise de confiança no sistema financeiro do país, a decisão de abater 16 mil milhões de francos suíços relativos a títulos de dívida equiparados a capital (Additional Tier 1, AT1 ou CoCos) – enquanto os acionistas conseguiram manter algum investimento – pode ter aberto uma batalha legal com os obrigacionistas que acabaram por perder a totalidade do investimento.
Embora os títulos AT1 sirvam para absorver perdas em caso de problemas num banco, estes instrumentos apenas surgem num segundo patamar de uma hierarquia de “responsabilidade” e só são “chamados” quando o equity é usado na totalidade para limpar os prejuízos.
Esta hierarquia não foi seguida à risca pelas autoridades suíças na intervenção do Credit Suisse. Os acionistas foram “poupados” pois irão receber cerca de três mil milhões com o negócio – isto, apesar do elevado desconto em relação ao valor do banco na passada sexta-feira.
Quais as consequências para o futuro? Vamos ter de esperar para ver.
Antecipando problemas para as autoridades suíças, Vítor Constâncio, ex-vice-governador do Banco Central Europeu (BCE), chamou-lhe “Batalha dos CoCos”.
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O que são os títulos AT1?
Additional Tier 1 (AT1) ou Contingent Convertibles (CoCos) são títulos de dívida ou obrigações perpétuas que podem ser abatidos e convertidos em capital caso o capital de um banco fique abaixo de determinada percentagem na ordem dos 6%.
Foram criados na sequência da crise financeira de 2008 para reforçar o capital dos bancos e evitar que os resgates de instituições problemáticas envolvessem dinheiro dos contribuintes.
Por terem associado um elevado grau de risco, os investidores exigem um juro elevado por estes títulos que são um ativo de alto rendimento “em tempos bons”. Por exemplo, os AT1 emitidos pela Caixa Geral de Depósitos em 2017 tinha um juro de 10,75% – o banco público recomprou antecipadamente estes títulos no ano passado, obtendo poupanças anuais de 50 milhões.
A regulação bancária (Basileia III) aceitou os CoCos ou AT1 como parte do capital Tier 1 dos bancos, equivalente a equity na absorção de perdas. Mas os AT1 só devem ser chamados depois de absorvido equity (acionistas) no caso de o capital do banco ficar abaixo de determinado nível.
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Por que é que a decisão suíça preocupa reguladores?
Embora a decisão suíça tenha respaldo legal, visto que os contratos dos AT1 do Credit Suisse previam que o regulador pudesse alterar a ordem habitual no que toca à absorção de perdas, há quem receie que a decisão helvética tenha destruído esta ferramenta.
O mercado de AT1, que tem o valor de mais de 250 mil milhões de euros, esteve sob pressão vendedora esta segunda-feira com os investidores desconfiados. Por exemplo, os títulos AT1 que o BCP emitiu em 2019, num montante de 400 milhões de euros, estavam a negociar em baixa esta segunda-feira, a desconto de 12%, com os notes a transacionarem nos 87,96%: isto significa que títulos no valor de 100 euros estavam a ser trocados por apenas 87,96 euros.
CoCos do BCP sob pressão
Ao criar leis de emergência para contornar os enquadramentos regulatórios existentes, as autoridades suíças poderão ter comprometido a confiança dos investidores, admitem os analistas do Deutsche Bank.
Os bancos europeus – incluindo os bancos portugueses – têm recorrido a este instrumento para cumprir com as exigências regulamentares no âmbito do MREL – requisito mínimo de fundos próprios e passivos elegíveis.
E é esta dinâmica que as autoridades europeias querem que seja mantida, apesar do “pobre precedente” que a decisão suíça pode ter aberto, de acordo com o Deutsche Bank. Poucas horas depois de conhecidos os detalhes do resgate do Credit Suisse, as autoridades europeias vieram reiterar que nada mudava na hierarquia dos credores: “Os instrumentos de common equity são os primeiros a absorverem perdas e só depois da sua plena utilização são chamados os instrumentos AT1 para serem abatidos”.
Também o Banco de Inglaterra reafirmou que os “instrumentos AT1 estão classificados à frente do CET1 e atrás do T2”.
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Que implicações tem para a banca? E em Portugal?
Com a necessidade de preencher os requisitos de capital, os bancos da Zona Euro vão ter de continuar com emissões deste tipo de instrumentos nos próximos anos. Só aí será possível verificar o impacto material da decisão das autoridades suíças, de acordo com António Nogueira Leite, ex-gestor bancário e professor na Nova SBE.
“Na jurisdição europeia não houve alterações na hierarquia e o regulador veio dar garantias quanto a isso. As próximas operações irão ditar o que se irá passar”, referiu Nogueira Leite, circunscrevendo um eventual impacto à Suíça.
“Acredito que haja quem vá tirar partido desta situação, mas, havendo garantias reforçadas na UE de que prevalece a hierarquia habitual, não estou a ver que os CoCos passem a ser considerados, enquanto decisão de investimento, juniores em relação ao equity”, ressalvou.
“A decisão pode colocar problemas na Suíça, não estou a ver que ponha na União Europeia”.
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Como funciona a hierarquia dos credores bancários?
Cada jurisdição terá as suas especificidades. Em termos gerais, os primeiros a serem chamados para absorverem as perdas com responsabilidades são os acionistas (common equity tier 1), seguido dos credores dos CoCos e AT1 e dos credores dos Tier 2.