Cinco perguntas e respostas sobre a desigualdade salarial
- Rafaela Burd Relvas
- 2 Novembro 2017
O Governo quer reforçar a igualdade de género. Depois das quotas de género, as empresas vão ter de justificar as desigualdades salariais entre homens e mulheres e corrigir estas discrepâncias.
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- Rafaela Burd Relvas
- 2 Novembro 2017
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Até onde vai a desigualdade salarial em Portugal?
Os dados do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), relativos ao conjunto de 2015 e que constam do último relatório da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), mostram que a remuneração média mensal de base das mulheres é de 825 euros, enquanto a dos homens é de 990 euros. Significa isto que as mulheres que desempenham os mesmos cargos que um homem, e que tenham habilitações iguais ou semelhantes, ganham menos 16,7% do que os homens nessas funções.
A questão da desigualdade salarial é discutida há anos, mas não só as discrepâncias estão praticamente estagnadas como, em alguns casos, têm vindo a aumentar. Quando se olha para a remuneração média mensal efetivamente auferida (que contém outras componentes além do salário base, como compensações por trabalho suplementar, prémios e outros benefícios), a diferença é ainda maior e agravou-se entre 2014 e 2015: o ganho médio das mulheres era de 966,9 euros e o dos homens de 1.207,8 euros. Ou seja, a discrepância entre o ganho efetivo das mulheres e o dos homens é de 19,9%.
No conjunto de 2016, os números não deverão melhorar. No final de outubro de 2016 (o último mês para o qual o MTSSS já tem dados disponíveis), o ganho médio mensal dos homens era de 1.271,24 euros, o que representa um aumento homólogo de 0,9%. O das mulheres ficou inalterado nos 993,30 euros. Assim, em outubro do ano passado, a discrepância salarial entre homens e mulheres já se tinha agravado para 21,9%, quando era de 20,6% em outubro de 2015.
Há ainda diferenças mais ou menos graves em cada setor. Só há quatro setores ou subsetores onde as mulheres ganham mais do que os homens. Em todos os restantes, são os homens que ganham mais, com destaque para o setor das atividades artísticas, desportivas e recreativas, onde as mulheres ganham apenas 44,5% do que os homens ganham.
Além disso, quanto mais alta for o cargo, maior é a diferença entre o que é pago a mulheres e a homens. Nos quadros superiores, a remuneração média mensal das mulheres representava apenas 73,6% da dos homens. Nos níveis de qualificação mais baixos, as mulheres já ganhavam 95,1% da remuneração base oferecida aos homens.
Também há diferenças de região para região. É em Lisboa que se verifica as maiores diferenças salariais entre géneros (na capital, as mulheres só recebem 81,4% da remuneração base dos homens), enquanto os Açores apresentam a menor discrepância salarial entre homens e mulheres, de 10,8%.
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E a desigualdade nos cargos de topo?
As discrepâncias salariais explicam-se, também, pela falta de representatividade das mulheres nos cargos de topo. Isto apesar de as mulheres serem mais qualificadas do que os homens. “Apesar de as mulheres deterem os níveis de habilitação escolar mais elevados, são as categorias profissionais que correspondem a um nível de qualificação mais baixo as que apresentavam uma taxa de feminização mais elevada”, refere o relatório do CITE.
Em 2016, apenas 35,8% dos representantes do poder legislativo e dos órgãos executivos (dirigentes, diretores, gestores e executivos) eram mulheres. Desde 2012, pouca ou nenhuma evolução houve neste aspeto. As mulheres ocupavam 35,1% destes cargos de topo; em 2013 a percentagem caiu para 33,7%, em 2014 era de 35,1% e em 2015 era de 32,6%. Ou seja, ao longo destes anos, pelo menos no que toca ao poder legislativo, apenas se cumpriu a Lei da Paridade, que define as listas para os órgãos políticos têm de assegurar a representação mínima de cada género de 33%, mas nunca se foi muito para além disto.
Quanto mais alto subirmos na hierarquia, e quanto maiores forem as empresas, maior desigualdade encontraremos. Em 2016, não havia nenhuma mulher a presidir ao conselho de administração de qualquer uma das 17 empresas cotadas no principal índice da bolsa de Lisboa, o PSI-20. Nesse ano, as mulheres só representavam 14,3% dos membros dos conselhos de administração destas empresas. Já no conjunto da União Europeia, as mulheres ocupavam, em média, 23,9% dos cargos dos conselhos de administração das cotadas eram ocupados por mulheres.
Na análise feita aos conselhos de administração das cotadas portuguesas, em novembro do ano passado (antes de ter sido aprovada a lei das quotas de género), o ECO concluiu que só um terço das empresas estava pronto para cumprir com estas quotas.
Proxima Pergunta: Que legislação já existe?
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Que legislação já existe?
Não é por falta de legislação que as desigualdades de género persistem. O reforço da legislação começou pelo lado político, com a Lei da Paridade. Esta lei estabelece, desde 2006, que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais são compostas de modo a assegurar a representação mínima de cada género de 33%.
Existe ainda a Lei-Quadro das Entidades Reguladoras, de 2013, que determina que o conselho de administração destas entidades deve ser presidido, alternadamente, por homens e mulheres. No caso dos vogais, também é exigida a representação mínima de 33% de cada género.
Mais recentemente, já este ano, foi aprovada a lei que estabelece um “regime da representação equilibrada entre mulheres e homens” nos órgãos de administração e de fiscalização das empresas do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa, mais conhecida como lei das quotas de género.
Esta lei veio definir que, a partir de 1 de janeiro de 2018 os órgãos de administração e de fiscalização das empresas do setor público empresarial têm de ter uma representação mínima de 33,3% de cada género. No caso das empresas cotadas, a quota a ser cumprida é de 20% a partir de 1 de janeiro de 2018 e de 33,3% a partir de 1 de janeiro de 2020.
Agora, o Governo vai avançar com mais uma medida para promover a igualdade de género, que explicaremos no ponto seguinte.
Proxima Pergunta: O que vai mudar para as empresas?
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O que vai mudar para as empresas?
A proposta aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros, que ainda terá de ser votada no Parlamento, determina que as empresas passem a ser obrigadas a justificar as desigualdades salariais entre homens e mulheres e a corrigirem estas discrepâncias.
Tal como no caso das quotas de género, a medida será implementada de forma faseada. Numa primeira fase, nos primeiros dois anos após a aprovação do diploma, só as empresas com mais de 250 pessoas é que ficarão sujeitas a estas regras. Depois disso, a lei é alargada às empresas com mais de 100 pessoas.
O diagnóstico da desigualdade salarial nas empresas será feito pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). Se a autoridade detetar desigualdades, irá notificar as empresas, que, após este aviso, terão de apresentar, no prazo de 180 dias, um plano de avaliação das diferenças remuneratórias entre homens e mulheres, assim como um plano para corrigir essas discriminações entre homens e mulheres a desempenharem a mesma função.
Depois de apresentado esse plano, as empresas terão dois anos para corrigir as discrepâncias salariais.
Proxima Pergunta: O que acontece a quem não cumprir as novas regras?
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O que acontece a quem não cumprir as novas regras?
Depende da regra que for violada e depende do tipo de empresa. Depois de anos de discussão em torno do tema, as empresas vão, finalmente, começar a ser responsabilizadas por práticas discriminatórias, mas, em alguns casos, as sanções são leves.
O incumprimento das quotas de género nas empresas do Estado implica a nulidade da designação para esses órgãos, ficando o Governo obrigado a apresentar uma nova proposta num prazo de três meses. Já no caso das empresas cotadas em bolsa, o incumprimento leva a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a declarar provisória a designação desses órgãos, ficando as empresas também com três meses para nomearem uma nova administração.
Se o incumprimento persistir, é publicada uma repreensão à empresa infratora nos sites da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), da CITE e da CMVM.
Se, ainda assim, as empresas cotadas continuarem a não cumprir as quotas mínimas, por um período superior a 360 dias após a data da repreensão, a CMVM aplica uma multa “em montante não superior ao total de um mês de remunerações do respetivo órgão de administração ou de fiscalização, por cada semestre de incumprimento”. Ou seja, as empresas cotadas podem ficar durante mais de um ano sem cumprirem a lei até serem multadas.
Já em relação às últimas medidas aprovadas, as empresas que não corrijam as discrepâncias salariais depois de serem notificadas poderão vir a ser impedidas de celebrar contratos com o Estado ou de concorrerem a programas de subsidiação de estágios, por exemplo.