Um guia para decifrar o Pagamento Especial por Conta
- Tiago Varzim
- 30 Janeiro 2017
Gere uma empresa, mas a polémica à volta da descida da TSU e da redução do PEC passou-lhe ao lado? O ECO explica-lhe o que está em causa com as novas regras.
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- Tiago Varzim
- 30 Janeiro 2017
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Como se calcula o novo PEC?
Não se fala de outra coisa nos últimos dias, mas sabe realmente o que mudou no Pagamento Especial por Conta (PEC)? Já lhe vamos explicar tudo sobre este adiantamento de imposto, mas importa primeiro dizer-lhe como calcular o PEC segundo as novas regras. As explicações do Ministério das Finanças ao ECO esta quinta-feira revelam o que realmente muda: é conjugada “uma parte de redução fixa de 100 euros e subsequente redução percentual em 12,5%”. Mas vamos às contas.
Com o cálculo como era feito até agora e dada a alteração no OE2017 (o limite mínimo passou de mil euros para 850 euros em 2017), eis um exemplo do que ocorria. A fórmula é complexa. Vamos por passos: imaginemos uma empresa com um volume de negócios de 150 mil euros. Calcule 1% desse valor. O resultado são 1.500 euros. Deste valor, tem sempre de pagar 850 euros porque é o limite mínimo do PEC.
Sobram 650. A este excedente é aplicada uma taxa de 20%. O resultado são 130 euros. Assim, o valor a pagar pela empresa são 850 euros mais 130, ou seja, 980 euros. A este valor subtrai-se o valor do pagamento por conta feito no ano anterior. Até aqui continua tudo igual.
Caso a proposta de lei que o Governo aprovou em Conselho de Ministros passe no Parlamento — algo que António Costa garantiu por já ter concertado com o BE e o PCP –, as contas no fim alteram-se. Ou seja, segundo o Ministério das Finanças, é o valor final do Pagamento Especial por Conta calculado com as regras existentes que vai ser afetado por um segundo cálculo. Eis a fórmula divulgada pelas Finanças:
Recuperando o exemplo anterior, aos 980 euros (presumindo que não existe nenhum pagamento por conta a abater) vão ser retirados 100 euros. Restam, portanto, 880 euros. A este valor tem depois de se aplicar uma redução de 12,5% (semelhante a multiplicar por 0,875). Assim, com estas novas regras passa a pagar 770 euros. Isto traduz-se uma redução face ao valor inicial (980 euros) de 21,4%.
Nota: De realçar que há setores onde o pagamento especial por conta tem apuramentos específicos, como é o caso do setor agrícola. Por exemplo, no caso de um grupo com várias sociedades é feito um pagamento por cada uma destas, sendo o valor global calculado pela sociedade dominante.
Proxima Pergunta: O que é o PEC?
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O que é o PEC?
Existem atualmente três pagamentos a título de adiantamento de imposto previstos no Código de IRC:
- O pagamento por conta que depende do valor pago em IRC no ano anterior (na prática é um adiantamento do IRC);
- O pagamento adicional por conta, um pagamento para empresas com lucros tributáveis acima de 1,5 milhões de euros;
- E o pagamento especial por conta (PEC), que vai ser reduzido em 2017 e 2018, com a perspetiva de depois ser substituído por um regime simplificado;
O PEC surgiu como garantia do Fisco de que todas as empresas pagam algum IRC, além de tentar combater a evasão fiscal. Mas, na prática, esse efeito não existe uma vez que, em situações extremas, caso a empresa não pague IRC durante seis períodos de tributação (logo não possa abater o valor de PEC pago), o montante dos vários PEC entregue ao Estado tem de ser devolvido. Ou seja, na realidade, não existe nenhum pagamento efetivo. Existe, sim, um adiantamento que depois ou é recuperado através da dedução no IRC ou é devolvido pelo Fisco.
Proxima Pergunta: Quem está abrangido pelo PEC?
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Quem está abrangido pelo PEC?
“As entidades que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e os não residentes com estabelecimento estável”, refere a lei. Ou seja, todos os sujeitos passivos inseridos no regime normal do Imposto sobre o Rendimentos Coletivos (IRC) são obrigados a efetuar o PEC.
“Na prática, o PEC, que incide sobre o volume de negócios, será pago por empresas que não tenham efetuado pagamentos por conta relevantes no ano anterior ou que não tenham coleta suficiente para deduzir o PEC”, explicou ao ECO Miguel Puim, senior manager da EY. Assim, este pagamento antecipado ao Estado é independente do facto da empresa ser lucrativa.
A maior parte das grandes e médias empresas pagam IRC suficiente para que o pagamento por conta (adiantamento do IRC) efetuado ao longo do ano anule o PEC (em caso de dúvida, reveja as contas da primeira pergunta onde a fórmula está explicada). Só no caso de empresas com prejuízos (sem lucro) ou de empresas com elevado volume de negócios, mas rentabilidade reduzida ou prejuízo fiscal é que acabam por estar abrangidas.
Nota: o PEC não é aplicável no período de tributação de início de atividade e no seguinte, assim como empresas em processo de insolvência ou que tenham cessado a atividade.
Proxima Pergunta: Quem vai beneficiar da redução?
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Quem vai beneficiar da redução?
Segundo o Ministério das Finanças, “a redução temporária do Pagamento Especial por Conta proposta aplicar-se-á apenas a empresas com gastos em remunerações declarados na Informação Empresarial Simplificada (IES) acima de 7.420€, valor mínimo para uma remuneração equivalente a um trabalhador a tempo inteiro durante um ano”. Ou seja, uma remuneração equivalente ao salário mínimo de 2016 (530 euros) que corresponde ao ano em que se aplica o PEC de 2017. As empresas que só empregam os sócios ou um trabalhador a tempo parcial ficam de fora. Ao todo são cerca de 60 mil empresas, cerca de um terço das que entregam PEC.
Assim, também de acordo com os dados das Finanças, “e tomando os dados de 2016 como referência, são abrangidos 122.489 sujeitos passivos de PEC”. No entanto, na prática, este número pode pecar por excesso. É que, segundo dados de 2014, apenas 57 mil empresas acabam realmente por pagar o PEC. Ou seja, 13% das sociedades que, não pagando qualquer IRC ano após ano, fazem este adiantamento ao Estado (se bem que, como já vimos, podem reaver o montante seis anos depois). Estas empresas ou têm prejuízos ou fogem ao Fisco.
Há aqui uma nuance: podem existir empresas com elevado volume de negócios, mas com rentabilidade reduzida ou prejuízo fiscal que acabam por estar abrangidas também, na prática. O que isto significa é que a empresa vende muitos bens e serviços, mas tem muito pouco lucro, não conseguindo pagar IRC suficiente para abater o valor do PEC (1% do valor de negócios + 20% do excedente retirados os 850 euros de valor mínimo).
É por isso que, no quadro 8 das Estatísticas da Autoridade Tributária onde aparece o número 57 mil, existe uma ressalva: “Sublinha-se que os números aqui indicados referem-se apenas aos sujeitos passivos que, apesar de não terem apurado imposto a pagar na DR Mod. 22, efetuaram Pagamentos Especiais por Conta. Tais números representam uma pequena parte do número total de sujeitos passivos que em cada um destes anos efetuaram Pagamentos Especiais por Conta“.
“É difícil caracterizar o âmbito de empresas em causa, o qual pode variar de ano para ano”, começa por dizer Miguel Puim. “Este pagamento (PEC) aumenta proporcionalmente ao volume de negócios e diminui em função dos pagamentos por conta efetuados no ano anterior (que têm em conta o montante de imposto apurado no penúltimo ano)”, acrescenta, referindo que “por hipótese, empresas em início de atividade, em setores com elevada concorrência ou em fase de investimento poderão apresentar margens mais reduzidas”.
Há ainda outra situação: o senior manager da EY explica que “uma redução do PEC beneficia as empresas de menor dimensão porque, na prática, para volumes de negócio muito baixos [e lucros mínimos] o montante de PEC mínimo, apurado como uma percentagem do volume de negócios, poderia ser inferior a 1.000 euros”. Por exemplo, o benefício da alteração do OE2017 (o limite mínimo passar para 850 euros) beneficia, na prática, as empresas que apuravam entre 850 euros e 1.000 euros. Estamos a falar de empresas com menos de 85 mil euros de volume de negócios.
Na prática pode-se também dizer que esta redução, em última análise, premeia diretamente aquelas empresas que apresentam prejuízos contabilísticos constantes. De ressalvar que cada empresa é um caso, pelo que estas conclusões podem variar consoante o volume de negócios e o lucro tributável de cada sociedade.
Proxima Pergunta: Há realmente um benefício na redução do PEC?
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Há realmente um benefício na redução do PEC?
A redução do PEC apenas é benéfico para a tesouraria das empresas a curto e médio prazo. Mas a longo prazo as empresas vão gastar menos? A resposta é não porque as empresas têm sempre a possibilidade de reaver os Pagamentos Especial por Conta que fizeram, seis períodos de tributação depois, caso continuem sem ter IRC suficiente.
Além disso, este processo tornou-se mais fácil do que era no passado. Antes de 2014, esse processo burocrático era mais complicado sendo necessária uma inspeção, o que tinha custos. “Agora já não é necessário recorrer a inspeção, não existindo o custo associado. Será necessário um mero requerimento à Autoridade Tributária para solicitar o reembolso“, explica Miguel Puim.
Assim, resta uma conclusão: “Com esta alteração, o PEC não resultará numa coleta mínima, mas, diria, num financiamento mínimo ao Estado, durante seis períodos de tributação”, esclarece o senior manager da EY ao ECO. “As reduções previstas gerarão um benefício de tesouraria relevante para a generalidade das empresas obrigadas à liquidação do PEC. Em todo o caso, nos moldes atuais, o PEC é recuperável com algumas condições, pelo que as reduções efetuadas configuram benefícios de tesouraria e não um desagravamento de custos”, explica o fiscalista.
Proxima Pergunta: Quais as diferenças para as empresas entre a TSU e o PEC?
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Quais as diferenças para as empresas entre a TSU e o PEC?
A comparação é difícil, mas não há dúvidas de que a redução de 12,5 pontos percentuais na Taxa Social Única era mais benéfica para as empresas que, na realidade, vão ter de absorver os custos do aumento do salário mínimo para os 557 euros. O próprio Governo e o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, já admitiram isso mesmo.
Mas porquê? Primeiro porque o benefício só ia realmente afetar as empresas que já tinham trabalhadores a ganhar entre 530 e 557 euros no ano anterior, sendo por isso mais focado na resolução do problema. No entanto, mais do que isso, a descida da TSU seria realmente um desagravamento de custos, enquanto a redução do PEC configura benefícios de tesouraria.
“Qualitativamente, a redução da TSU teria um efeito particularmente acentuado em empresas com um número de trabalhadores relevante, enquanto a redução do PEC impacta materialmente empresas com elevado volume de negócios, mas com rentabilidade limitada ou com prejuízo fiscal. Em termos quantitativos, o efeito líquido é incerto e dependerá da dimensão e atributos específicos da empresa“, considera Miguel Puim.
Proxima Pergunta: O que vai acontecer ao PEC no futuro?
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O que vai acontecer ao PEC no futuro?
O Orçamento do Estado para 2017 — que diminuiu o limite mínimo do PEC de 1.000 euros para 850 euros — já previa um corte progressivo até 2019 e a substituição “por um regime adequado de apuramento da matéria coletável” com base em coeficientes técnico-económicos. Quando anunciou esta redução do PEC, o primeiro-ministro revelou que em janeiro de 2019 haverá um novo regime simplificado, mas António Costa não adiantou detalhes.
Na opinião de Miguel Puim uma reformulação estrutural do PEC é desejável. “O objetivo da sua criação seria hoje mais eficazmente concretizado por uma aplicação alargada do regime simplificado. Contudo, o regime simplificado prevê uma coleta mínima, quando o PEC atualmente é recuperável, pelo que existe um desincentivo à adesão ao regime pelas empresas de pequena dimensão“, considera o fiscalista.
É de notar que as empresas que adotaram o regime simplificado do IRC, introduzido em 2014, não fazem pagamentos especiais por conta. No entanto, na prática também têm um coleta mínima. Há uma norma que aplica coeficientes a rendimentos. “É verdade que [para estas empresas] não existe pagamento especial por conta, mas também é verdade que o valor da matéria coletável determinado com base nos coeficientes dos rendimentos não pode ser inferior a 60% do valor anual da retribuição mensal mínima garantida”.