“A relação entre a UE e os EUA tem de ultrapassar os ciclos políticos”, diz presidente da AmCham

O presidente da Câmara de Comércio Americana em Portugal considera que o período da Administração Trump não perturbou as relações entre os dois países, mas antecipa uma nova fase com Joe Biden.

“Não sentimos nenhum ato que se possa considerar mais incómodo ou menos propício ao relacionamento entre os dois Estados” durante a presidência de Donald Trump, começa por dizer António Martins da Costa, desvalorizando fricções como a que existiu a propósito dos equipamentos Huawei para a rede 5G. Mas o que aí vem é diferente. O presidente da Amcham, que este ano cumpre 70 anos, destaca a convergência de posições, nas alterações climáticas, no tema da digitalização e da cibersegurança. Também antecipa uma política comercial menos protecionista da parte dos Estados Unidos.

O antigo membro da comissão executiva da EDP e atual consultor da administração diz também que a retórica da anterior Administração norte-americana não afetou o investimento nas renováveis nos EUA.

Já se respira melhor nas relações entre a Europa e os EUA, cinco meses depois da tomada de posse de Joe Biden? Isso já tem repercussões positivas nas relações com Portugal?

Não tivemos nenhuma perturbação nas relações económicas entre Portugal e os EUA. As que ocorreram foram derivadas ao contexto no mundo dos negócios. Não foi por ter havido uma mudança política, independentemente das opiniões que as pessoas possam ter sobre os regimes políticos que vão vigorando nos EUA. As relações foram sempre num crescendo e só tiveram uma quebra decorrente da crise pandémica que ocorreu em todo o mundo.

Não foram afetadas pela Administração Trump?

Mesmo com a Administração Trump continuou a crescer e há indicadores muito objetivos sobre isso. O número de turistas que visitaram Portugal cresceu a uma taxa média acima dos 20% nos últimos anos, atingindo 1,2 milhões antes da pandemia. Quer na Administração Obama, quer na Administração Trump, Portugal continuou a estar sempre no foco do carinho das Administrações americanas. Não sentimos nenhum ato que se possa considerar mais incómodo ou menos propício ao relacionamento entre os dois estados.

Conhecíamos esse posicionamento da Administração norte-americana, mais vocal durante esse período da Administração Trump, mas que é uma linha condutora que já vem de trás e que estamos a continuar a ver.

Tivemos um exemplo, pelo menos, no repetido puxão de orelhas a propósito dos equipamentos da Huawei para a infraestrutura 5G, em que o embaixador disse mesmo que existiram consequências se Portugal insistisse em adotar a tecnologia chinesa. Foi um caso pontual?

Esse caso faz parte da política geoestratégica mundial, reflete o que está em discussão sobre os grandes blocos geopolíticos: EUA, União Europeia e China. Essas declarações não foram para nós uma novidade. Conhecíamos esse posicionamento da Administração norte-americana, mais vocal durante esse período da Administração Trump, mas que é uma linha condutora que já vem de trás e que estamos a continuar a ver. Talvez o estilo é que seja diferente.

O tema persiste?

As preocupações existem. Basta ver o que foram agora as discussões sobre cibersegurança na cimeira da NATO, com o Presidente Biden. Há matérias que para os EUA são muito importantes. São matérias do foro político que tocam a área económica. Tal como os EUA sempre mostraram em todo o mundo, são um país que acarinha a economia de mercado. E, portanto, é através dos processos da economia de mercado que o posicionamento económico se deve definir. Não podemos estar à espera que haja Estados que se sobreponham àquilo que são decisões legítimas do mundo empresarial.

Neste caso houve uma tentativa de condicionar uma opção das empresas de telecomunicações. Uma marca que vimos na Administração Trump foi o protecionismo. Haverá um menor pendor protecionista com a atual?

Pensamos que sim. O sinal que foi dado com o tema da Boeing e da Airbus [moratória na aplicação de tarifas] vai nesse sentido. São políticas protecionistas que não interessam a nenhum dos lados. Estar a aumentar barreiras alfandegárias é estar a encarecer produtos e serviços dos dois lados do Atlântico. Sentar à mesa das negociações e baixar a tensão, chegar à razoabilidade nas taxas, ajuda os dois lados. É nesse sentido que se vai caminhar.

António Martins da Costa, presidente da AmCham Portugal, em entrevista ao ECO - 22JUN21
Hugo Amaral/ECO

Há também agora uma consonância no tema da transição climática.

Nos últimos anos da Administração americana não houve uma penalização desta matéria. Posso citar o caso da EDP que continuou a investir nos EUA com os incentivos à energia renovável, de forma normal, como existiram com Obama, porque eles são determinados ao nível do Congresso.

A retórica negacionista das alterações climáticas não travou o investimento?

Pelo contrário, até aumentou. A EDP anunciou no seu plano estratégico um investimento de 22 mil milhões, dos quais 19 mil milhões são energia renovável e quase metade é nos EUA. A partir do momento que uma empresa como a EDP anuncia esse volume de investimento nos EUA é porque acredita, e porque o passado recente é uma continuidade do passado mais remoto. Dito isto, há uma intenção muito declarada da nova governação americana de voltar ao Acordo de Paris. Isso significa muito mais do que os incentivos que são dados dentro dos próprios EUA. Significa caminhar ativamente no sentido da descarbonização das sociedades. É um novo caminho que leva atrás as economias.

É um sinal para as empresas?

Cada agente económico tem as suas opiniões e opções políticas, mas independentemente de concordar mais ou menos com as decisões que são tomadas, o que ele tem de fazer é segui-las. Porque se não seguir o que são as decisões de macropolítica, fica fora do mercado. Se neste momento há incentivos à energia renovável, só para citar um exemplo, alguém que continue a insistir em modelos contrários vai ficar fora do mercado.

O Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento caiu e não há notícia de que venha a ser reabilitado.

Acha possível que venha existir um tratado comercial assinado entre os dois blocos?

O Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP) caiu e não há notícia de que venha a ser reabilitado. Tive pena, porque o tratado era bom, mesmo que existissem temas para ser corrigidos. Não havendo esse tratado, gostaria que houvesse um conjunto de instrumentos que de alguma forma replicassem o que estava no seu ideário.

Vamos assistir a uma nova harmonia nas relações entre a Europa e os EUA?

Não tenho dúvidas sobre isso. É esse o sentido das negociações que estão a correr e da visita do Presidente Biden à Europa. O que está na agenda é claramente reativar o relacionamento político entre os dois blocos, não prescindindo os EUA do relacionamento bilateral com os diferentes países. Estamos a assistir a uma convergência de posições, por exemplo nas alterações climáticas, no tema da digitalização e da cibersegurança. A relação entre a UE e os EUA tem de ultrapassar os ciclos políticos. Na Europa também temos ciclos políticos que às vezes levam a lideranças mais conservadoras ou radicais.

O ciclo anterior nos EUA foi bastante perturbador da ordem vigente e pode estar de volta daqui a quatro anos.

Temos de aguardar, mas tem de se fazer o trabalho entretanto. A câmara de comércio, quando nasceu em 1951, foi iniciativa de um conjunto de empresários americanos que ficaram aqui em Portugal. Gostaram do país, já naquela altura, e decidiram estabelecer-se aqui, com representações de investimentos americanos em Portugal e criaram uma espécie de um clube de empresários e investidores americanos. Foi-se desenvolvendo, passou a ser uma câmara de comércio para apoiar o investimento americano em Portugal e depois evoluiu para uma coisa de maior dimensão, a funcionar nos dois sentidos.

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