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Accenture: “Metaverso é a ‘next big thing’ no mundo dos negócios e vai impactar todas as indústrias”

A internet "está a ser reimaginada" no metaverso e na Web3, explica Bruno Bernardes, especialista da Accenture. Estima-se que 30% das empresas terão produtos e serviços no metaverso até 2026.

Bruno Bernardes, managing director da área de tecnologia da Accenture com foco no setor de utilities, está convencido de que a tendência do metaverso “vai impactar todas as indústrias”. Estes mundos virtuais paralelos ao mundo físico e real são uma tendência que “avançará a uma velocidade bastante considerável”.

“A internet está a ser reimaginada em duas frentes: o metaverso e a Web3”, explica o especialista, em entrevista ao ECO. E apesar de só agora ter começado a acelerar, mais de nove em cada dez executivos inquiridos no estudo Accenture Technology Vision 2022 “concordam que a execução da Web3 na próxima década vai mudar fundamentalmente a forma como as empresas se relacionam com os utilizadores online“, remata o responsável.

A Accenture acredita que o metaverso é a next big thing no mundo dos negócios e vai impactar todas as indústrias.

Bruno Bernardes

Managing Director, área de Technology com foco no setor de Utilities

Como é que se explica a tendência da WebMe a um utilizador comum de tecnologia?

Durante décadas, as empresas construíram recursos digitais abrangentes e geraram um enorme valor, mas as suas soluções foram todas construídas para a internet como era e é hoje, onde as plataformas carecem de interoperabilidade e portabilidade de dados. Agora, a próxima evolução da web procura eliminar essas restrições, o que pressupõe uma necessária readaptação da presença online das empresas.

Os últimos dois anos estimularam as organizações a explorar novos modos de experiência digital e transportaram as pessoas para uma vivência virtual nunca antes experienciada. O metaverso está a surgir como uma evolução natural que reconcilia o modo como a internet é projetada hoje com o que exigiremos dela daqui para frente. Neste sentido, a internet está a ser reimaginada em duas frentes: o metaverso e a Web3.

Em primeiro lugar, em vez de uma internet composta por uma coleção díspar de sites e apps, os esforços em torno do metaverso seguem uma visão de um ambiente 3D consistente, imbuído de uma sensação de lugar, onde mudar do trabalho para uma plataforma social será tão simples quanto caminhar do escritório para o cinema do outro lado da rua. Em segundo lugar, a Web3, um conceito associado aos esforços emergentes para construir uma camada “distribuída” na internet, está a ajudar a moldar essa evolução ao introduzir uma estrutura de dados que gera veracidade e confiança, valores que já tomamos como garantidos no mundo físico, mas que muitas vezes não consideramos em ambientes virtuais.

Juntas, estas tecnologias estão a subverter suposições de longa data sobre a forma e a funcionalidade da web, levando a uma mudança para uma internet mais centrada no ser humano. Os dados da investigação da Accenture confirmam esta tendência, sendo que 95% dos executivos inquiridos acreditam que as futuras plataformas digitais vão precisar de oferecer experiências unificadas, possibilitando a interoperabilidade dos dados dos clientes em diferentes plataformas e espaços; e 91% concordam que a execução da Web3 na próxima década vai mudar fundamentalmente a forma como as empresas se relacionam com os utilizadores online.

Hoje passamos muitas horas do dia fixados nos ecrãs. O metaverso vai acabar de vez com as relações interpessoais e o contacto físico entre as pessoas?

Pensar no metaverso como uma tecnologia que levará à diminuição do contacto físico é uma visão um pouco redutora. O metaverso poderá de facto ter consequências muito positivas no que diz respeito às relações e comunicação interpessoal.

Se pensarmos especificamente no local de trabalho e no futuro da socialização entre colaboradores, há exemplos muito interessantes de como o virtual pode contribuir para a aproximação das pessoas. Por um lado, permite que os trabalhadores estejam conectados de formas que não seriam possíveis mesmo estando juntos num local de trabalho físico e por outro, pode tornar algumas das dinâmicas sociais que davam vantagem a alguns colaboradores mais inclusivas para todos. Na Accenture, utilizamos o nosso próprio metaverso, o “Nth floor” como parte do processo de onboarding de novos colaboradores. Um deles descreveu a sua experiência neste mundo virtual: encontrou diferentes icebreakers como, por exemplo, versões virtuais de jogos que lhe permitiram fazer networking com os seus colegas nos primeiros dias de trabalho.

Para além disso, neste espaço teve a oportunidade de comunicar com pessoas espalhadas por todo o mundo, algumas que poderia nunca ter conhecido se trabalhasse em full-time num escritório.

De acordo com a Accenture Technology Vision 2022, mais de metade (55%) dos consumidores concorda que mais elementos das suas vidas e dos seus meios de subsistência estão a mudar para espaços digitais. Em resposta, a grande maioria (90%) dos executivos de retalho preveem que as organizações líderes possam ultrapassar os limites do mundo virtual para torná-lo mais real. À medida que continuamos a preencher a lacuna entre os mundos virtual e real, as possibilidades estão a aumentar, contribuindo para uma maior acessibilidade através de formas novas e poderosas.

Um exemplo é a nossa iniciativa pro bono com a Goodwill, em que a Accenture desenvolveu uma aplicação de realidade virtual (RV) que ajuda as ex-reclusos na fase inicial de reinserção a prepararem-se para entrevistas, uma parte importante na sua transição para o mercado de trabalho.

Outro exemplo foi a criação de uma solução ocular para o National Theatre em Londres, em que desenvolvemos óculos smart-caption para melhorar a experiência do público com deficiência auditiva. Estes exemplos ilustram como a intersecção dos mundos virtual e físico pode contribuir positivamente para as relações interpessoais, atuando como um espaço de encontro de pessoas em diferentes geografias, como uma ferramenta de ensino de soft skills de comunicação ou até como uma tecnologia que permite ultrapassar certas barreiras do mundo físico e contribuir para uma maior inclusão.

Que espécie de atividades é que vamos passar mais tempo a fazer no metaverso? E em quais é que o metaverso tem potencial para se sobrepor à realidade do mundo físico?

Com base na nossa investigação, acreditamos que, quando chegarmos ao ano de 2030, a vida dos seres humanos vai estar espalhada por vários mundos. Existiremos não apenas na realidade que todos conhecemos, mas também em vários mundos digitais, virtuais e virt-real – uma combinação de mundos físicos e digitais.

Daqui para a frente, todos os negócios devem tornar-se negócios do metaverso, quer estejam conscientes disso ou não. Todas as empresas (e em breve todos os indivíduos) devem estar preparadas para entrar no metaverso e se envolver nesses novos mundos centrados nas pessoas. Até 2026, a Gartner prevê que 30% das organizações terão produtos e serviços prontos para o metaverso e 25% das pessoas passarão pelo menos uma hora por dia no metaverso para trabalho, compras, educação, socialização ou entretenimento.

Particularmente, na experiência de compra, o metaverso será um game changer. Os consumidores veem as tecnologias imersivas como fundamentais para as experiências de compras online no futuro. De facto, um estudo feito pela Accenture mostrou que 47% dos consumidores estão dispostos a pagar mais por um produto que podem personalizar usando tecnologias imersivas, 61% afirmaram que estariam mais propensos a comprar de uma marca que usa tecnologias imersivas e 55% afirmaram que provavelmente se envolverão com um produto usando tecnologias imersivas se este providenciar recomendações personalizadas para atender às suas necessidades.

Quais são os três maiores desafios que o metaverso tem pela frente, para que se torne efetivamente numa tecnologia para as massas?

Um fator crítico de sucesso para o metaverso prende-se com a promoção da confiança na tecnologia e nas experiências subjacentes para impulsionar a adoção e a aceitação do utilizador. E essa confiança depende de conceitos com os quais os consumidores e as empresas se preocupam hoje, como segurança, privacidade, proteção, sustentabilidade, equidade, inclusão, acessibilidade e bem-estar.

Estamos a investir muitos recursos e tempo no que chamamos de “metaverso responsável”, que engloba duas grandes áreas: confiança e sustentabilidade.

Do lado da confiança, temos todos os riscos e a necessidade de nos focarmos na responsabilidade, que são maiores no metaverso devido ao alto nível de preocupação. Há questões em torno de deepfakes, inclusão e igualdade de oportunidades no metaverso. Na Accenture acreditamos na procura de uma abordagem que envolva todos os stakeholders para trabalhar com outras empresas e organizações, de forma a lidar com os dados e privacidade da maneira certa.

A sustentabilidade também é um grande desafio, porque as experiências 3D e os vários dispositivos consomem muita energia e recursos. Isto numa altura em que as organizações trabalham para responder às questões das alterações climáticas do setor privado e muitos CEO se comprometeram com as metas do Net Zero sem precedentes pela sua complexidade.

Atualmente, há preocupações válidas sobre o facto de o metaverso consumir mais poder computacional e, portanto, produzir mais carbono. No entanto, as empresas devem incorporar soluções de TI verdes, incluindo green software e green cloud, à medida que projetam e constroem o metaverso para ajudar a mitigar estes problemas.

Além disso, o metaverso ajudará os líderes a criar maior resiliência para responder a disrupções no mundo real, preverem e prepararem-se para cenários de alterações climáticas.

Como é que se escala esta visão de Web3, dado que já hoje assistimos à coexistência de metaversos descentralizados, mas também geridos por grandes empresas, como a própria Accenture?

Um dos desafios transversais a todas as empresas está relacionado com o facto de que cada nova tecnologia acrescenta, mas não elimina algo do passado. No caso do metaverso, precisamos de pensar em grande de forma a incorporar, e visualizar todas as possibilidades mas com uma estratégia de implementação incremental para entender qual o melhor modo de o aplicar. As empresas devem construir uma arquitetura que possa ser dimensionada rapidamente, dado que o negócio irá evoluir da mesma forma.

Apesar de estarmos nos primeiros dias do metaverso, este avançará a uma velocidade bastante considerável. Os líderes precisam de pensar em grande, começar com pequenos passos e escalar rapidamente. Um dos pontos que as empresas devem assegurar na sua entrada no metaverso prende-se com a experiência de colaborador, ou seja, com a introdução de formações imersivas e novos tipos de colaboração.

Dependendo da natureza do negócio, haverá prioridades específicas. Retalhistas e empresas de bens de consumo terão como prioridade reimaginar os produtos e serviços que oferecem e como se relacionam com os seus clientes. Por exemplo, em vez de ter clientes a comprar nos corredores de uma mercearia física, o metaverso pode trazer a loja para a cozinha, permitindo que um cliente abra um frigorífico digital e compre comida num ambiente virtual.

As empresas devem reforçar os esforços atuais de transformação digital e, ao mesmo tempo, começar a competir no metaverso. Não há uma estratégia abrangente, pois cada empresa terá um conjunto exclusivo de contribuições para mundos futuros e um desejo diferente na forma como querem equilibrar as exigências de hoje com o futuro que pretendem construir. No entanto, todas precisam de uma estratégia para competir nos mercados de amanhã.

Como olha para as críticas de que a Web3 vai acabar por transformar tudo em ativos financeiros – chamemos-lhe de ultra-securitização?

A Web3 refere-se a uma internet descentralizada, de propriedade e controlada pelos utilizadores e os que a desenvolvem, e não por governos e entidades corporativas. Representa a terceira grande evolução da internet, depois da rede mundial (Web1) e da rede social (Web2).

A Web3 é construída com base em tecnologias distribuídas como blockchain e organizações autónomas descentralizadas, em vez de servidores centralizados. Utiliza uma rede composta por cada um dos nossos smartphones e computadores para processar transações e registar informações, em vez de depender de servidores. Isto não significa que a Web1 e Web2 irão desaparecer. Os protocolos e sistemas da Web3 provavelmente coexistirão ao lado de plataformas centralizadas no metaverso.

Esses protocolos e sistemas podem desempenhar um papel importante, permitindo que os utilizadores possuam uma identidade digital (ou avatar), troquem moedas digitais, possuam itens digitais de valor, como NFTs, e que movam itens digitais entre diferentes lugares do metaverso.

Que oportunidades existem nesta tendência de WebMe e a quais é que as empresas e gestores devem estar mais atentos?

A Accenture acredita que o metaverso é a next big thing no mundo dos negócios e vai impactar todas as indústrias. Podemos pensar numa série de organizações que vão realmente prosperar nesta nova realidade. É importante perceber que haverá uma grande evolução da internet associada a um conjunto de tecnologias, frequentemente denominada de Web3, que engloba as criptomoedas, o blockchain, realidade virtual, tecnologia imersiva, entre outros, e são estas as áreas a que devemos estar mais atentos.

Portanto, veremos muitos dos gigantes digitais a serem bem-sucedidos e eficientes na transição para estes espaços. Temos os casos óbvios como a Meta que fez uma grande aposta, considerando que o futuro das redes sociais será o metaverso. A Apple é outro exemplo, estando a investir fortemente em tecnologias de realidade aumentada e no desenvolvimento de outras inovações. Para além disto, veremos também muitas organizações inovadoras a destacarem-se, desde empresas associadas ao mundo dos NFT [non-fungible tokens, que são certificados de propriedade de um ficheiro digital] até empresas que desenvolvem novas plataformas de suporte aos produtos digitais.

De que forma se pode garantir que o metaverso não vai agravar ainda mais a desigualdade entre ricos e pobres, tecnófilos e iliterados?

O gap digital relaciona-se com os desafios que já mencionei e que precisamos de abordar necessariamente para uma promoção da confiança nesta tecnologia. A inclusão e equidade são cruciais no desenvolvimento de um metaverso responsável e esta é uma preocupação que a Accenture procura incutir junto dos seus clientes.

A título de exemplo, o metaverso permitirá trabalharmos com um cliente ou colaborador através de gémeos digitais (réplicas de ativos físicos) para visitarmos e entendermos o funcionamento de uma fábrica. Podemos colocar um headset de realidade aumentada (AR) e através deste equipamento interagir com o cliente e fazer alterações de acordo com as suas necessidades.

De seguida, podemos voltar todos para o mundo real, isto tudo sem nunca nos deslocarmos. Esta ponte entre o real e o virtual é um conceito chave, já que a maioria das pessoas pensa apenas no virtual quando define o metaverso. No entanto, é importante estarmos conscientes que esta tecnologia não será acessível a toda a gente, mas precisamos que seja inclusiva.

Sendo assim, a nossa capacidade de criar experiências 2D que permitem o acesso a alguns dos mundos 3D é fundamental. Neste sentido, o continuum desde o 2D até ao 3D é importante. A boa notícia é que a tecnologia está a caminhar nessa direção.

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