“Antes ainda da equipa, é o próprio líder que tem de mudar”, diz April Rinne

April Rinne, autora de "Quem mexeu no meu futuro?", esteve em Portugal. A Pessoas falou com a profissional eleita uma das "50 Grandes Futuristas" pela revista Forbes.

“Gestores, líderes e executivos perguntam-me muitas vezes: ‘O que é que a minha equipa deve fazer para navegar melhor na mudança?'”, conta a autora April Rinne. A resposta invariavelmente é: “Antes ainda da equipa fazer qualquer coisa, é o próprio líder que tem de mudar. Os líderes não são imunes à mudança”, conta a futurista que reflete sobre temas como o futuro do trabalho, liderança e economia digital, economia circular e políticas públicas.

Todas as pessoas devem aprender a lidar melhor com a mudança, sobretudo com a mudança inesperada e que não se pode controlar, e os líderes não são exceção. Aliás, às vezes são mesmo eles — sobretudo se forem de uma geração mais avançada — os mais resistentes à mudança. Basta olhar para o trabalho remoto.

“Os jovens estão muito melhor preparados para trabalharem remotamente, a partir de qualquer lugar. É a liderança que, muitas vezes, precisa de mudar a sua mentalidade”, refere a escritora, eleita uma das “50 Grandes Futuristas” pela revista Forbes, e uma das “Jovens Líderes Globais” pelo Fórum Económico Mundial de Davos.

A Pessoas encontrou April Rinne em Portugal, onde esteve a apresentar o seu mais recente livro, “Quem mexeu no meu futuro?”, que fala precisamente sobre estes temas e explica que superpoderes que as pessoas devem ter na sua ‘caixa de ferramentas’ para encontrar o sucesso em tempo de mudança. Falámos sobre a mudança, o futuro do trabalho, o papel dos líderes e a saúde mental.

Este é um livro para quem “tem medo da mudança”, como diz Daniel Pink?

O que eu acho que o Daniel Pink quer dizer, entre outras coisas, é que os humanos têm uma relação muito complicada com a mudança. Quando falamos de mudança, há sempre pessoas que dizem — e é até bastante frequente ouvir — ‘Adoro a mudança’ ou ‘Sou viciado na mudança’. Quando oiço alguém dizer isso, estranho sempre, porque os humanos adoram mudanças, mas mudanças que possam escolher. Mudar de emprego, começar uma nova relação, embarcar numa nova aventura, mudar o corte de cabelo… Estas são as mudanças que podemos escolher. Mas a maioria dos humanos tem dificuldade em lidar com a mudança que não prevê, que não controla. A mudança que perturba, realmente, os nossos planos, a que abala o nosso mundo. E, nos últimos dois anos e meio, temos assistido a muitas dessas mudanças imprevisíveis e a várias incertezas.

Esse tipo de mudança é difícil para os humanos. Mas é também a que mais teremos pela frente. Portanto, temos de melhorar a forma como lidamos com a mudança. E isso tem muito a ver com o facto de vermos a mudança a partir de um lugar de esperança ou de medo, de estarmos entusiasmados com a mudança ou com medo dela. Este é o ponto de partida do livro.

No livro fala precisamente da necessidade de adotar aquilo que chama de “mentalidade de mudança” para navegar num futuro cada vez menos estável. O que significa este conceito?

Uma mentalidade de mudança é, no fundo, um estado de espírito que nos permite encarar a mudança — boa ou má, esperada ou inesperada — como uma oportunidade para aprender, crescer e melhorar, e não como uma ameaça. Portanto, o primeiro passo é, para mim, reconhecer que a forma como lidamos com a mudança pode melhorar, especialmente com a mudança que não controlamos.

E de que forma é que pode melhorar?

Essa é a questão que nos leva aos oito superpoderes. Cada um deles é uma habilidade, uma disciplina, uma prática que nos ajuda a relacionarmo-nos melhor com a mudança e a navegar através da incerteza. São eles: correr mais devagar; ver o que é invisível; perder-se; o primeiro passo é a confiança; conhecer o seu ‘suficiente’; criar o seu portefólio de carreira; ser mais humano (e sirva outros humanos); e, finalmente, esquecer o futuro.

Qual o papel das empresas para ajudar as suas pessoas a navegar num mercado de trabalho que também está em constante e rápida mudança?

Gestores, líderes e executivos perguntam-me muitas vezes: ‘O que é que a minha equipa deve fazer para navegar melhor na mudança?’. E eu tenho de dizer-lhes que, antes ainda da equipa fazer qualquer coisa, é o próprio líder que tem de mudar. Os líderes não são imunes à mudança.

Gestores, líderes e executivos perguntam-me muitas vezes: ‘O que é que a minha equipa deve fazer para navegar melhor na mudança?’. E eu tenho de dizer-lhes que, antes ainda da sua equipa fazer qualquer coisa, é o próprio líder que tem de mudar. Os líderes não são imunes à mudança.

Os CEO estão, neste momento, a passar pelo momento mais difícil de todos, mas não se trata apenas de algo que é suposto ser a sua equipa a fazer ou mudar. A maioria dos líderes e gestores com quem falo precisam de melhorar a sua relação com a mudança. O que é fascinante é que isso se vê logo, por exemplo, com o trabalho à distância. Os jovens estão muito melhor preparados para trabalharem remotamente, a partir de qualquer lugar. É a liderança que, muitas vezes, precisa de mudar a sua mentalidade.

Podemos falar no que as equipas devem fazer, mas é preciso pensarmos também sobre isto. Qualquer organização deve pensar em duas coisas. Em primeiro lugar, gestores e líderes precisam tanto destas competências como qualquer outra pessoa, porque um líder resistente à mudança faz com que seja muito difícil a organização avançar.

Em segundo lugar, muito daquilo que estamos a falar diz respeito à cultura organizacional. Se a minha equipa desenvolver uma mentalidade flexível, mas eu não, não seremos capazes de trabalhar juntos ou teremos sérias dificuldades. Tem de ser algo que uma organização abrace em conjunto. Cada indivíduo pode desenvolver uma mentalidade flexível, mas quando o fazemos juntos, como uma organização, torna-se parte da cultura da empresa, e isso é realmente necessário para que uma organização tenha sucesso neste mundo em constante mudança.

O desafio é certamente ainda maior quanto temos várias gerações numa única empresa e, muitas vezes, na direção pessoas de uma geração anterior.

Sem dúvida. Muitos dos gestores e líderes de hoje são de uma geração anterior, têm uma mentalidade que assume, por exemplo, que todos vão trabalhar a partir do escritório; que todos vão querer progredir na hierarquia da empresa; que quanto mais dinheiro se tem, mais bem sucedido se é. Partem do princípio que a carreira define a identidade da pessoa.

Estas são as narrativas que nos foram ensinadas sobre o mundo e que estão a ser questionadas neste momento. É a geração executiva mais velha que, muitas vezes, tem mais dificuldades em perceber isto, porque as normas que ocuparam a maior parte das suas vidas estão agora a ser desafiadas.

Como é que olha para o mercado de trabalho daqui a dez anos?

Nos últimos dois anos e meio assistimos à ‘grande demissão’, ao trabalho híbrido e remoto e todas uma série de coisas que muita gente pensa terem sido fruto de uma pandemia e que acabarão com ela. Mas eu acho que o futuro será muito mais parecido com os últimos dois anos e meio. Vamos continuar a questionar-nos sobre como é que as pessoas trabalham, como atraímos talento, como retemos o talento…

Diria também que o futuro do trabalho não é apenas sobre empregos. Não é sobre trabalhar apenas para um empregador. Vamos ter mais profissionais independentes. Vamos ter mais pessoas a trabalhar em locais diferentes. Não quer dizer que vamos fazer as coisas bem, significa apenas que vamos assistir a muita experimentação.

Apesar do ritmo de mudança e transformação ser acelerado, será que as pessoas não têm de abrandar, de forma a proteger a sua saúde mental?

A sociedade diz-nos que, quando o ritmo da mudança aumenta, temos de correr mais depressa. O ritmo de mudança nunca foi tão rápido como é hoje, nunca mais será mais lento e vai ser mais rápido no futuro. Pense nisto. Esta não é uma forma sustentável de viver. Qualquer organismo, seja ele humano, animal ou organização, que esteja simplesmente a correr cada vez mais rápido, irá entrar em colapso a dada altura.

Estamos viciados, obcecados, com a velocidade. É assim que se entra em colapso, e não falo apenas de burnout. Pense nisto: Quando é que se sente realmente presente? Ou quando é que toma as melhores decisões? Seguramente não é quando está a correr, a correr, a correr… Esta superpotência, de correr mais devagar — e que não quer dizer parar ou ser preguiçoso –, significa viver as nossas vidas a um ritmo sustentável, um ritmo que nos permita ver o que realmente está a acontecer. Correr mais devagar permite-nos abrandar.

Estamos viciados, obcecados, com a velocidade. É assim que se entra em colapso, e não falo apenas de burnout. Pense nisto: Quando é que se sente realmente presente? Ou quando é que toma as melhores decisões? Seguramente não é quando está a correr, a correr, a correr… Esta superpotência, de correr mais devagar, significa viver as nossas vidas a um ritmo sustentável.

Não creio que o nosso ambiente de trabalho ou a nossa vida seja possível, em termos de qualidade de vida, sem aprendermos como abrandar, descansar e ‘recarregar baterias’.

Outro superpoder de que fala tem a ver com a confiança. A falta de confiança é atualmente um dos maiores obstáculos à cultura empresarial?

Por mais mudanças nas políticas da empresa que se façam, nenhuma será capaz de construir uma boa cultura se não houver confiança. A confiança é onde tudo começa. Não é uma política, é algo que se ganha com o tempo. É algo que se constrói através das relações humanas. Não custa nada, apenas demora tempo e envolve esforço. E, sim, hoje em dia essa falta de confiança é, sem dúvida, um entrave à cultura.

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