Banca portuguesa aguenta uma nova crise? “Depende da intensidade do abalo”, diz Vítor Bento

O presidente da SIBS receia que os bancos centrais possam não ter a mesma capacidade do passado para absorver os choques de uma nova crise. E duvida que reduzir o número de bancos seja o caminho.

Vítor Bento está convicto que se aprendeu com a crise financeira de 2008, mas o problema é que há sempre elementos novos que podem impedir as autoridades de perceberem que estão perante uma crise idêntica. E a banca nacional está preparada para um novo abalo? “Depende da da dimensão do abalo”, diz, ao ECO, o presidente da SIBS.

O fundador do IGCP e último presidente executivo do BES antes da queda do banco, lança dúvidas sobre a opção de reduzir o número de instituições bancárias. “Percebo que há uma preocupação de reduzir o número de instituições, porque isso facilita o trabalho de supervisão, mas não estou seguro que esse seja o melhor caminho”, disse Vítor Bento.

E não afasta que possa vir aí uma nova crise. Reconhece que “há sinais preocupantes no mundo financeiro”, que globalmente “o nível de endividamento é muito elevado”, “que uma parte das dívidas não são sustentáveis” e que o balanço dos bancos centrais está ainda demasiado “inchado” o que “significa que a capacidade que os bancos centrais têm hoje de reagir a uma crise parecida com a de 2008 é muitíssimo menor.” Conclusão: “o potencial disruptivo de uma nova crise pode ser maior, por os bombeiros terem o equipamento parcialmente esgotado”.

Aprendemos a lição com a última crise?

As novas experiências vão ter sempre elementos de novidade que podem fazer iludir as lições da experiência. Será que vamos repetir os mesmos erros? Não é que não tenhamos aprendido. De facto, aprendemos. Mas as circunstâncias em que a nova crise possa aparecer podem levar os decisores da altura a pensar que os ingredientes são diferentes e, portanto, a reação será diferente. Há sempre elementos novos nos acontecimentos que a história vai trazendo no nosso percurso. Mas, no essencial, quero crer que se aprendeu alguma coisa. Quer os académicos, quer os decisores tiraram lições do que aconteceu. Se as lições são as corretas ou não, isso vai depender. Como temos visto, nem toda a gente partilha as mesmas interpretações do que aconteceu. Os problemas vão surgir quando a nova crise chegar porque cada um pode olhar para ela com óculos interpretativos diferentes e nem todos são corretos.

Caminhamos para uma nova crise potencial?

Creio que existe no mundo financeiro em geral sinais preocupantes. Tenho partilhado há algum tempo que o valor da riqueza financeira avaliada a preços de mercado não tem sustentação no potencial de criação de rendimentos da economia. Estou a falar a nível geral, não me estou a referir a nenhum país em particular. Sendo assim, haverá um desfasamento entre a perceção da riqueza e a realidade que a pode sustentar. Esse é um fator potencial de crises financeiras. Essa diferenciação entre a perceção e a realidade pode durar muito tempo.

Tanto Trichet como Lagarde dão a entender que caminhamos a passos largos para uma nova crise. Trichet diz mesmo que estamos no mesmo ponto em que estávamos há dez anos, sendo que agora o problema está nos países emergentes. Mas o sistema financeiro mundial vai ser afetado com a mesma magnitude. Partilha essa preocupação?

Em geral, partilho. Embora com algumas diferenças. É, de certa forma, o que acabei de dizer. Mas não estamos exatamente na mesma situação porque a situação é sempre mais complexa. Há elementos parecidos, mas há, de alguma forma, elementos que são novos. Eventualmente, o fator mais importante é que enquanto na crise de 2007/2008 os bancos centrais tinham o balanço completamente limpo e puderam intervir absorvendo o potencial disruptivo fazendo inchar os seus próprio balanços, esses balanços continuando inchados, significa que a capacidade que os bancos centrais têm hoje de reagir a uma crise parecida com a de 2008 é muitíssimo menor. E sendo muitíssimo menor o potencial disruptivo de uma nova crise pode ser maior, por os bombeiros terem o equipamento parcialmente esgotado.

O potencial disruptivo de uma nova crise pode ser maior, por os bombeiros terem o equipamento parcialmente esgotado.

Vítor Bento

Presidente da SIBS

Mas agora já existe uma união bancária, estão no terreno novos mecanismos de supervisão, pelo menos a nível europeu. Isso não é suficiente para colmatar essa falta de disponibilidade que os bancos centrais por agora têm?

Vamos ver. Como disse, a experiência nunca se repete integralmente. Há sempre aspetos novos. Esse é um bom exemplo de coisas que entretanto mudaram e, por isso, não é possível fazer uma comparação linear. Mas o que referiu diz respeito aos aspetos bancários, ao potencial de crise bancária. A crise financeira começou por ser fora da banca e teve muitas repercussões fora da banca. Não tem de ser necessariamente bancária e apenas bancária. Nesse aspeto algumas coisas melhoraram. Não tudo, porque nunca conseguimos criar um mundo perfeito. Sim melhoraram, mas no conjunto da economia e do sistema financeiro, numa perspetiva mais lata, há muita coisa que é vulnerável por natureza e a vulnerabilidade não é suprível.

A próxima crise virá por via dos bancos ou dos mercados financeiros?

Espero que não aconteça nada e que as coisas se resolvam por si próprias, que se consiga ir por caminhos preventivos. Mas esperaria que o início fosse mais pelos mercados financeiros. É óbvio que, a haver uma crise, haverá sempre contágio para o sistema bancário, haverá sempre instituições mais vulneráveis do que outras e nunca estarão completamente imunes aos riscos de uma crise financeira mais alargada. Mas, quero crer que, pelas ações que foram tomadas que o sistema bancário em geral esteja mais protegido do que em 2008.

E a banca nacional tem solidez e robustez para aguentar um novo abalo?

Isso é um pouco como nos tremores de terra. Tudo depende da dimensão do abalo. Foram feitas muitas obras para concertar a solidez das infraestruturas. Se for um abalo de grande dimensão é difícil sair incólume. Mais quero crer que hoje se está mais seguro do que estava em 2008/2009. Embora no nosso caso a crise tenha sido mais atrasada. Sentimo-la mais tarde.

Vê com preocupação a subida dos preços no mercado imobiliário? Estará aí um foco em potenciais de crise? A crise de 2008 começou com um produto associado a este mercado — os empréstimos subprime.

Vamos por partes. Estão aí em causa duas partes distintas e ambas são importantes. Em termos gerais tenho a convicção que a riqueza financeira — e o imobiliário faz parte dessa riqueza financeira — está inflacionada face à capacidade de criação de rendimento da economia mundial. No caso português, convém ter presente que a nossa crise não esteve ligada às hipotecas familiares propriamente ditas tal como foi nos Estados Unidos, que tiveram peso no rombo que aconteceu no sistema financeiro. Foram mais operações de outra natureza, algumas delas ligadas ao imobiliário é verdade, mas não das hipotecas.

O nosso sistema imobiliário tem de ser analisado por dois pontos de vista: para a capacidade de poupança dos nacionais os preços podem estar a ser percebidos como elevados. Mas não nos podemos esquecer que o mundo de investimento financeiro está muito globalizado. Se compararmos os preços com o que é praticado noutros países, os preços não estão exagerados. Muita da compra desses ativos é feita por entidades estrangeiras, com capital oriundo do exterior e que olham para esses preços numa perspetiva mais global e comparam com os preços de outras cidades e países de relevo parecido.

Ao nível do sistema financeiro há algum produto específico que possa apresentar um risco acrescido?

Não identifico nenhum, até porque não acompanho tão de perto. A minha atividade está mais virada para o outro lado, não acompanho as coisas ao pormenor como quando estava no sistema financeiro. Quando digo que o valor da riqueza financeira está inflacionado face à capacidade da economia resulta de dois fatores: a nível global o nível de poupança continua a ser muito elevado, por razões demográficas e outras de vária natureza. E essa poupança precisa procurar aplicação. E com as taxas de juro muito baixas, cada vez mais há a tentativa de obter essa remuneração através da valorização dos ativos e é isso que conduz aquilo que entendo que uma inflação desses ativos. Isto em sentido geral, não há nenhum colapso.

Por outro lado, o nível de endividamento a nível mundial continua a ser muito elevado. O facto de a poupança mundial ser elevada tem de ter aplicação em algum lado e acaba por estimular o endividamento noutros lados. Uma parte das dívidas globais que existem não são sustentáveis. Não estou a pensar em nenhum caso em particular. E nessa insustentabilidade podemos identificar o ponto mais fraco do sistema.

Uma parte das dívidas globais que existem não são sustentáveis. Não estou a pensar em nenhum caso em particular. E nessa insustentabilidade podemos identificar o ponto mais fraco do sistema.

Vítor Bento

Presidente da Sibs

E por dívida insustentável podemos falar da norte-americana, muito detida por chineses, que torna as tensões comerciais entre os dois blocos como uma receita de risco?

Não estava a particularizar nenhum caso, mas a dívida americana tem o seu quê de preocupante. Há uns anos, o equivalente a Chefe de Estado Maior das Forças Armadas dizia, numa série de conferências que fez, que a maior vulnerabilidade estratégica dos Estados Unidos era a sua dívida. Os Estados Unidos, apesar de tudo, têm uma vantagem face ao resto do mundo: além de serem a maior economia e a economia mais dinâmica e com maior capacidade de inovação — isso em si é uma vantagem muito grande — por outro lado, são a principal moeda de reserva. Isso significa que os investidores não têm muitas alternativas para investir com segurança face ao dólar. Essa é uma vantagem em si muito grande. No caso que me estava a colocar, os chineses podem decidir vender a dívida americana e depois investem onde? Onde aplicam? Não têm instrumentos alternativos. O grau de liquidez e de segurança potencial que os Estados Unidos lhe dão, é uma proteção, injusta que seja, que a América tem e que Portugal obviamente não dispõem. E quem diz nós, diz, obviamente, muitos outros países de dimensão maior do que a nossa, mas que também não têm essa capacidade.

Identifica outros riscos globais?

Não. A nível global há um nível de poupança elevado. De facto há capacidade de investimento no mundo. O investimento produtivo com capacidade de gerar riqueza não está a ser suficiente para absorver todo o potencial de poupança que existe e por outro lado, a produtividade das economias continua num nível muito baixo e não é geradora do rendimento suficiente para sustentar os níveis de riqueza financeira que têm sido acumulados.

A diretora-geral do FMI defendeu que os bancos too big to fail continuam a ser uma ameaça para a sustentabilidade da economia mundial. Concorda?

Não se ultrapassou esse problema. No sistema bancário, e não só, é um dos problemas que existem atualmente que deixaram criar instituições com uma dimensão excessiva para aquilo que é a essencial do modelo capitalista. Recordo que o modelo capitalista assenta em instituições de natureza política de dimensão insuficiente para puderem ter poder de mercado. Algumas vão falir pelo caminho, mas não têm efeitos sistémicos. E aquilo que se acabou por deixar criar a nível mundial, a começar pelo sistema financeiro, são instituições de uma dimensão que violam estes princípios fundamentais do funcionamento de uma economia capitalista. Mas não é só nos bancos. Estamos a assistir a um nível de concentração de poderes, muito grande, a nível de empresas mundiais que são em si uma distorção do modelo capitalista de funcionamento da economia. Embora possam ser muito atrativos no curto prazo, como elementos de inovação e de criação de riqueza, mas são, potencialmente, uma ameaça muito grande à estabilidade das economias. E inclusivamente à instabilidade política porque, indiretamente, têm a capacidade de tornar os poderes políticos reféns da sua própria dimensão.

Um dos problemas que existem atualmente que deixaram criar instituições com uma dimensão excessiva que são, potencialmente, uma ameaça muito grande à estabilidade das economias. E inclusivamente à instabilidade política porque, indiretamente, têm a capacidade de tornar os poderes políticos reféns da sua própria dimensão.

Vítor Bento

Presidente da SIBS

Está a falar de gigantes tecnológicos como a Google, Facebook, Amazon, Apple…

Sim, sim.

A passagem da banca nacional para as mãos da banca estrangeira, nomeadamente para os bancos estrangeiros, como por exemplo o Santander, que já tem uma dimensão muito significativa tendo em conta o poder que tem na América Latina, ou o Deutsche Bank confrontado com problemas nos Estados Unidos, são preocupantes?

Não quero particularizar casos concretos, porque estou no setor. Mas, em termos gerais a excessiva concentração é perigosa. Como diz o povo na sua sabedoria popular: quanto maior é a nau maior é a tormenta. O que significa que, a haver um problema pode ter efeitos sistémicos maiores quanto maior for a instituição. Neste momento a a nível europeu, percebo que há uma preocupação de reduzir o número de instituições, porque isso facilita o trabalho de supervisão, mas não estou seguro que, quer do ponto de vista político quer dos equilíbrios que devem ser assegurados no funcionamento de uma União Europeia complexa, não estou seguro que esse seja o melhor caminho.

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