Católica e PLMJ lançam curso breve “Crime e Impostos”

A equipa Católica Tax, em parceria com a PLMJ, apresenta o Curso Breve “Crime e Impostos”. Advocatus falou com Carla Castelo Trindade, coordenadora do curso e Paulo Farinha Alves, sócio da PLMJ.

O Direito Tributário caracteriza-se por uma enorme complexidade, pela especialização de matérias e pelo crescente aumento da carga de tributação e das obrigações declarativas e de cooperação exigidas aos contribuintes. Atentos a este contexto, a equipa Católica Tax, em parceria com a PLMJ, apresenta esta semana o novo Curso Breve “Crime e Impostos”. O curso decorre nas instalações da Católica (em Lisboa) de 4 de maio a 1 de junho, em horário pós-laboral.

A Advocatus falou com Carla Castelo Trindade, coordenadora do curso e docente da disciplina de Contencioso Tributário e Arbitragem do Mestrado de Direito Fiscal da Faculdade de Direito da Católica e Paulo Farinha Alves, sócio de Resolução de Litígios da PLMJ, um dos formadores do curso. No programa constam ainda nomes como Sérgio Vasques, Américo Coelho, Germano Marques da Silva, Rosário Teixeira, Paulo Dá Mesquita, José Pedro Carvalho, Henrique Salinas e Rui Pereira Matias.

No direito tributário verifica-se um fenómeno de demasiada produção legislativa que torna a lei cada vez mais densa e complexa. Que mensagem gostariam de deixar ao poder político para melhorar esse status quo?

A hipertrofia legislativa é um fenómeno já há muito identificado e que se tem progressivamente agravado. O legislador tem de compreender que a instabilidade legislativa não aproveita a ninguém e levanta problemas muito significativos e a diversos níveis. Desde logo, na compreensão e adaptação dos contribuintes, das empresas e dos serviços. Depois na aplicação prática, porque se exige a constante articulação de diferentes regimes jurídicos que respeitam frequentemente a diferentes tributos e que muitas vezes se encontram dispersos em diferentes códigos, leis e regulamentos. E naquele momento em que parece encontrar-se alguma estabilização, o legislador muda tudo ou uma grande parte outra vez. E o pior é que esse caminho é feito de curvas e contracurvas, avanços e recuos. Tudo agravado por uma péssima qualidade das nossas leis, cuja densidade é reduzida através da sua conformação com recurso a conceitos vagos e indeterminados, cuja dificuldade de compreensão dificulta ainda mais a aplicação prática. Um dia teremos de parar para pensar se o país ganha alguma coisa com este caminho. Temos por certo que a resposta é negativa. Mas sobretudo é incompreensível que assim seja.

As principais vítimas desse estado das coisas são todos os contribuintes – sejam eles cidadãos e as empresas “comuns” – ou aqueles que têm recursos mais elevados?

Desde há muito que o Matthew Effect explica que os contribuintes “comuns”, que têm recursos mais limitados e, por vezes, uma literacia financeira pouco profunda podem ter dificuldades acrescidas para lidar com estes fenómenos, sofrendo por isso com maior intensidade as consequências e os problemas que deles resultam. Mas a verdade é que isto afeta transversalmente todos os contribuintes, cidadãos ou empresas e todas as classes sociais, com maior ou menor incidência. E por isso afeta o Estado no seu todo, a capacidade para atrair investimento e as nossas possibilidades de crescimento. É que a estabilidade do sistema fiscal é tão ou mais importante a este respeito do que o nível de tributação, já quem sem ela os agentes económicos não conseguem planear e conformar as suas condutas numa perspetiva de longo prazo. Não se entende portanto a razão pela qual temos de mudar partes tão significativas do regime fiscal todos os anos. E a razão pela qual é assim ano após ano. Ninguém pode garantir o que quer que seja sobre o nosso regime fiscal. Porque o mais certo é que não dure mais de 365 dias sem que seja alterado. E isso é esquizofrénico, sobretudo porque não se pensa para além de períodos tão curtos…

Com o aumento progressivo da carga fiscal, a otimização fiscal mais “agressiva” por parte dos contribuintes pode vir a ser um problema? Se é que não o é já.

No nosso país, de acordo com o INE, a carga fiscal foi a mais alta de sempre em 2021. E isso tem obviamente consequências sobretudo porque mudando as regras com tanta frequência e com uma carga fiscal tão elevada, os contribuintes sentem a necessidade de compreender o regime e saber o que podem fazer, até porque as regras mudam com muita frequência e são definidas em cima do joelho, muitas vezes sem avaliar as consequências. O Estado acaba, por isso, por fomentar e contribuir com o seu comportamento que impede a estabilização legal, uma certa agressividade na procura dessas soluções. E isso é, de facto, um problema, que agrava ainda mais o fenómeno cultural de “fuga aos impostos”.

Atualmente a Autoridade Tributária é cada vez mais confrontada com práticas que visam diminuir a carga fiscal, que não raras vezes implicam a transmissão de rendimentos entre sucessivas esferas jurídicas nacionais e transfronteiriças, de forma a dificultar a imputação de rendimentos a cada contribuinte em si e que contornam as regras anti-abuso presentes no ordenamento jurídico-tributário.

É certo que todos os contribuintes podem, dentro das opções e dos limites que a lei prevê, otimizar a sua gestão fiscal de forma a suportarem uma carga de tributação mais baixa. Mas é igualmente certo que cada contribuinte que atua à margem da lei e não paga os impostos que lhe são devidos vai agravar as necessidades de angariação de receita do Estado e, consequentemente, contribuir para o aumento da carga fiscal e para o peso dos impostos no quotidiano dos contribuintes como um todo. Esta é uma realidade para a qual o poder político tem de olhar com a devida atenção…

É que a estabilidade do sistema fiscal é tão ou mais importante a este respeito do que o nível de tributação, já quem sem ela os agentes económicos não conseguem planear e conformar as suas condutas numa perspetiva de longo prazo”

A “linha” que delimita a ilicitude do planeamento e da otimização fiscal é por vezes muito ténue. Qual o papel dos advogados nesse contexto?

Os advogados têm, hoje em dia, um conjunto muito significativo de obrigações que têm de cumprir e que se lhes impõe na relação com o cliente e no aconselhamento jurídico. Tem-se assistido na legislação europeia e nacional uma crescente imposição aos advogados do papel de “denunciantes” de esquemas e de indícios da prática de factos passíveis de consubstanciar evasão ou fraude fiscal. O escrutínio é, por isso, cada vez maior, até porque as consequências são cada vez mais gravosas, já que a otimização fiscal pode não só resultar em “meras” correções tributárias mas também em responsabilidade contra-ordenacional e até mesmo penal. As linhas vermelhas são sempre, e cada vez mais, o cumprimento desses estritos deveres e o melhor aconselhamento possível ao cliente, procurando sempre demarcar a linha da licitude e deixar bem claro quando é que o cinzento passa a preto.

Estes são alguns dos fatores que explicam a circunstância de o Direito Tributário e de o Direito Penal serem áreas que cada vez mais se entrecruzam?

Sim, sem dúvida que as constantes intervenções do legislador – voltamos ao mesmo… – e a dificuldade em demarcar a linha do planeamento lícito e ilícito contribuem para a intersecção destas duas áreas do Direito, que seguem uma lógica e um conjunto de princípios basilares nem sempre coincidentes e que suscitam dificuldades acrescidas na interpretação e aplicação da lei. E este choque é muitas vezes aproveitado pela criminalidade fiscal mais complexa que procura explorar ao máximo a complexidade, as contradições e as lacunas que existem no Direito Tributário para obter benefícios contrários à lei. No entanto a criminalização destes fenómenos não é recente. O que é recente é a maior combate que tem sido feito à criminalidade fiscal e que se deve em boa parte à crescente atuação concertada entre a Autoridade Tributária e o Ministério Público.

Há contradições na lei penal face à lei tributária?

Se pensarmos que o Regime Geral das Infrações Tributárias tem 21 anos e teve já 39 versões e que o Código Penal tem 27 anos e 55 versões… isto faz algum sentido? É que apesar de tantas alterações continuam a existir contradições, regimes sobrepostos, conceitos difusos e entendimentos práticos distintos entre estas duas áreas do Direito. Basta pensar na diferente colaboração que é exigida a uma pessoa em função de esta se encontrar nas vestes de “contribuinte” ou de “arguido”… Estas contradições e a correta conjugação destas duas áreas são precisamente o que se pretende explorar no curso Crime e Impostos organizado pelo instituto Católica Tax da Universidade Católica Portuguesa em parceria com a PLMJ.

Basta pensar na diferente colaboração que é exigida a uma pessoa em função de esta se encontrar nas vestes de “contribuinte” ou de “arguido”

O princípio da não auto-incriminação no Penal pode chocar com a obrigatoriedade de colaborar com a AT no domínio tributário?

Pode chocar e choca com frequência. Esse é precisamente um dos problemas subjacentes à cumulação das vestes de “contribuinte” com as de “arguido”. Enquanto o “contribuinte” se vê obrigado por lei a prestar esclarecimentos e a colaborar com a AT no apuramento da sua situação tributária, sob pena de sofrer consequências em virtude dessa falta de colaboração, o “contribuinte-arguido” tem direito à não auto-incriminação e, por conseguinte, a não colaborar no apuramento da sua situação tributária, da qual pode, de resto, depender a qualificação criminal dos factos que lhe são imputados. Podem gerar-se no ordenamento imposições de sentido contrário que carecem de ser devidamente acauteladas.

É lícito que haja aproveitamento no processo penal da prova reunida no procedimento tributário pelos serviços da inspeção da Autoridade Tributária e Aduaneira que têm simultaneamente poderes de investigação criminal?

Não. Não é lícito e temos de encontrar uma coerência no sistema que respeite os princípios constitucionais sem colocar em causa a eficiência e o papel da Autoridade Tributária. Nos crimes que dependem da qualificação prévia da situação tributária constata-se que o Ministério Público baseia em grande medida as acusações que promove na matéria factual e na prova constante nos relatórios de inspeção tributária. O que faz sentido, se pensarmos que a definição da situação tributária consiste em muitos casos numa fase prévia e necessária à própria existência do crime e se pensarmos que a própria Autoridade Tributária e Aduaneira tem simultaneamente poderes de investigação criminal. Contudo, o aproveitamento e a partilha da prova reunida em cada uma daquelas fases suscita diversas dificuldades interpretativas, que já levaram inclusive a uma pronúncia do Tribunal Constitucional quanto a parte desta temática e na qual aquele tribunal julgou inconstitucional a utilização no âmbito do processo penal de elementos de prova reunidos pela AT em procedimentos inspetivos instaurados após a abertura do inquérito penal. Esta linha tem de ser traçada com clareza para não levantar dúvidas a ninguém. E depois temos de deixar estabilizar o caminho definido e não andar sempre a inventar exceções e escapatórias por este ou por aquele motivo.

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